Sandbox: caos ou liberdade? A linha tênue de traçar em mesas de RPG
Paredes invisíveis também podem aparecer em RPGs de mesa...
É muito bonito quando dizem para nós que o RPG é um tipo de jogo no qual podemos fazer qualquer coisa que a ficha e os dados permitirem. Que é um exercício de criatividade, improvisação, que nos faz pensar fora da caixa e lidar com as consequências disso. No entanto, na prática, às vezes não é bem assim que funciona.
O que acontece em muitos casos é que há narradores que, seja por querer ou não, acabam criando paredes invisíveis.
Sabe quando você está jogando videogame, seguindo um determinado caminho e, de repente, não consegue avançar mesmo que uma paisagem enorme se desenrole na sua frente? Isso é uma parede invisível e, às vezes, elas aparecem nos RPGs de mesa também.
O narrador pode estar usando uma aventura pronta, como tantas maravilhosas que há por aí, ou ter criado uma aventura autoral: todo mundo já foi ou conhece alguém que foi podado por um uso apressado, inexperiente ou autoritário de uma narrativa linear.
Perceba que não se trata de um problema com narrativas lineares, elas também são ótimas e tão ricas quanto o autor e o narrador puderem torná-las. O ponto é que, talvez, a linearidade possa não ser a “sua coisa”.
O sandbox como alternativa
Surge, aqui, uma opção para essa “poda” aos jogadores: o sandbox. Esse nome vem das caixas de areia dos playgrounds infantis já que, nelas, as crianças podem mexer e criar com tudo o que quiserem como tirar e pôr areia, brincar com bonecos, construir coisas e alterar a disposição da areia, mas ainda estão dentro de um espaço seguro e controlado onde seus responsáveis podem interferir.
Sendo assim, um jogo sandbox é aquele no qual o espaço é seguro e controlado: o cenário tem regras sociais, políticas, físicas e mecânicas para acontecer, os NPCs têm personalidade e influência no cenário e em seus meios sociais e, mais do que isso, os seres do cenário têm objetivos e “rotinas”, por falta de palavra melhor.
Geralmente, nele, as histórias tendem a não ser exatamente lineares, mas ganchos iniciais com pontos chave em seu desenvolvimento e, opcionalmente, alguns finais pré-determinados. E determinar o final é opcional principalmente porque é possível usar um cenário sandbox para deixar um jogo rodando sempre a partir das consequências das escolhas dos jogadores.
Como evitar o caos
Às vezes, em um playground, uma criança pode pegar o brinquedo de outra sem pedir. Ou morder. Ou chorar sem motivo aparente. Ou com motivo aparente. Não importa: sempre que várias pessoas se juntam, suas ideias e reações são imprevisíveis. Por isso, a dica principal para evitar o caos em um sandbox é: não evite. Muito.
Lembre-se de que ele deve ser um cenário controlado. Dessa forma, o “evitar o caos” deve se limitar a garantir que o mundo continue funcional e funcionando. Portanto, o melhor a se fazer é criar bases sólidas para esse mundo. Tome, por exemplo, o mundo real: tão logo os aviões se popularizaram, foram criadas regras para tráfego aéreo. Assim, se no seu mundo existe magia, como ela funciona? É ritualística? Mas o que acontece se alguém trocar um cálice de vinho por um copo de plástico com suco de uva? A magia ainda funciona? Como? O que muda?
As coisas que tornam seu mundo sandbox único devem ter regras delineadas. Tomemos Vampiro: A Máscara por exemplo: nesse mundo, os vampiros não viram morcegos, exceto por aqueles que possuem uma habilidade (aqui chamada de Disciplina) específica. Logo, se topamos com algum que faz isso enquanto jogamos, logo imaginamos que ele é de um determinado clã, já que isso está descrito nas regras daquele mundo.
Se estiver criando um cenário, faça isso para ele. Se estiver usando um como Vampiro, Faêrun, Lacrima ou outros tantos disponíveis, estude-o, ao menos para se localizar no material de referência quando precisar. Para além disso: abrace o caos.
Referências melhoram o sandbox
Na verdade, poderia haver (e haverá) um texto inteiro só sobre a importância de se ter referências, especialmente de outras mídias, ao se narrar RPG, mas isso fica excepcionalmente nítido quando se trata de um cenário sandbox.
Isso porque muito dele se baseia em improviso e o improviso só acontece com verossimilhança e consistência quando ele tem algo concreto em que se agarrar. Algo que já deu certo antes. Não ipsis litteris, sua cena não tem que ser detalhadamente igual a alguma de Supernatural ou Stranger Things, mas como referencial, uma citação, um detalhe familiar que pode dar uma luz sobre como agir ou ajudar a imergir a partir de um lugar comum.
Em suma, experimente o sandbox se estiver buscando uma experiência de jogo mais fluida e livre, mas lembre-se de firmar bem suas bases para ter um lugar para onde se jogar caso precise evitar o caos!