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Document 52008IE1911

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As consequências sociais da evolução do binómio transportes-energia

JO C 175 de 28.7.2009, p. 43–49 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

28.7.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 175/43


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «As consequências sociais da evolução do binómio transportes-energia»

(2009/C 175/08)

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do seu Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

As consequências sociais da evolução do binómio transportes-energia.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 10 de Novembro de 2008, sendo relatora Laure Batut.

Na 449.a reunião plenária de 3 e 4 de Dezembro de 2008 (sessão de 4 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 107 votos a favor, 29 votos contra e 15 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Conclusões

1.1.1   Os transportes e a energia, binómio indissociável e vital para a competitividade, o desenvolvimento, o bem-estar e a coesão, sofrem pressões vindas dos três pólos — economia, social, ambiente — num contexto de rarefacção da oferta energética europeia e de instabilidade da oferta externa, que fazem flutuar os preços, podendo mantê-los em alta durante vários anos.

O CESE entende ser útil promover uma reflexão transversal e prospectiva sobre a necessidade incontornável deste binómio para os cidadãos europeus e suas consequências para o modo de vida das pessoas, em especial no caso de circunstâncias desfavoráveis, bem como sobre os eixos de acção a explorar pela União Europeia para melhor ter em conta o bem-estar dos seus cidadãos.

1.1.2   A manutenção do modelo social europeu depende, em parte, deste binómio transporte-energia, sendo que o aumento do seu preço no longo prazo afecta a vida das pessoas, das empresas e dos trabalhadores, bem como a mobilidade e o emprego em geral. Este binómio tornou-se o quarto factor de exclusão, depois da habitação, do emprego e do salário. A impossibilidade que têm alguns cidadãos de aceder aos transportes e à energia exclui-os também da «sociedade da informação». O êxito da Estratégia de Lisboa está em causa nas três vertentes — social, económica e ambiental.

1.1.3   O mercado e os preços: os preços no consumidor incorporam factores como a liberalização, a cotação do euro, a situação do mercado financeiro, a fiscalidade, os custos associados às fontes renováveis, a luta contra as alterações climáticas, os elementos externos, etc., e o mercado não pode regular tudo sozinho. Devem ser utilizados vários instrumentos para promover uma maior inclusão dos cidadãos e uma repartição mais justa dos custos e dos preços.

1.2   Recomendações

1.2.1   O CESE considera que, em período altista, seria socialmente útil para algumas categorias de destinatários diferenciar, por iniciativa europeia, a parte«vital», susceptível de ser apoiada, da parte«escolhida»no consumo de transportes e de energia, a determinar através do diálogo.

1.2.2   Aos fundos estruturais poderia ser confiado um papel em matéria de solidariedade energética e de preservação da mobilidade dos cidadãos.

1.2.3   A repartição dos fundos públicos entre as acções de investigação e desenvolvimento deverá ser equilibrada a nível da UE para optimizar a protecção do clima e a independência energética da União.

O CESE ambiciona uma acção contínua na investigação que permita fazer progressos significativos e rápidos no tocante às novas fontes de energia e sua utilização, através de um compromisso constante e sem recuos, como sucedeu durante o primeiro choque petrolífero, mal os preços baixam.

1.2.4   O regime jurídico aplicável aos auxílios de Estado deverá garantir sistematicamente aos fundos de auxílio nacionais uma isenção das regras de concorrência no domínio da investigação, garantindo aos investidores uma segurança propícia à exploração de novas tecnologias e à criação e manutenção do emprego.

1.2.5   A extensão do MFPR (1) às PME inovadoras permitiria desenvolver a competitividade destas empresas e melhorar concretamente o binómio transportes-energia.

1.2.6   A extensão do FEG  (2), isto é, o alargamento dos seus critérios de acesso, contribuiria para limitar as consequências negativas que a luta contra as alterações climáticas acarreta para os trabalhadores.

1.2.7   Para conservar a competitividade da economia europeia e a coesão social, o Comité recomenda:

um plano director para uma política industrial comum, com investigação do desenvolvimento sustentável e co-modalidade (3) eficiente dos transportes;

uma política energética assente na solidariedade entre Estados-Membros e associada à protecção do clima;

estudos sobre a conveniência e exequibilidade de um SIG europeu da energia ao serviço dos cidadãos, com uma abordagem comum em matéria de preços, de tributação dos combustíveis a retalho, de regras financeiras de segurança, de desenvolvimento económico e de preservação do clima; seria possível, deste modo, melhorar o papel dos serviços prestados ao público nos Estados-Membros nos sectores da energia e dos transportes  (4), onde confluem regulamentações, questões territoriais, respeito dos direitos fundamentais do cidadão e emprego;

objectivos quantificados e instrumentos de medida do grau de eficácia obtida se se separassem actividades de rede e actividades de distribuição, bem como o seu impacto nos preços;

inquéritos aos consumidores sobre a harmonização, a nível europeu, dos regimes fiscais dos combustíveis a retalho, com ampla difusão dos resultados, assim como elaboração de indicadores úteis sobre o efeito no ambiente dos transportes que não se podem evitar;

abertura de um verdadeiro diálogo sobre os planos futuros relativos às questões climáticas, a fim de evitar distorções da concorrência e fenómenos de dumping social.

1.2.8   Além disso, a nível das empresas, o CESE considera que nas empresas e serviços da União Europeia é necessário:

encorajar a abertura do diálogo social e da negociação sobre as despesas de transportes e de energia incompressíveis, enquanto elemento do salário mínimo;

preconizar a negociação de um plano de mobilidade sustentável para empresas e serviços;

preconizar certificações para as empresas, de tipo EMAS;

avaliar os ganhos obtidos com a redução certificada do consumo de energia e de transportes nas empresas ou nos serviços, de acordo com critérios a definir, igualmente, através do diálogo, e partilha destes ganhos segundo modalidades negociadas entre a empresa e os seus trabalhadores;

efectuar estudos qualitativos sobre a saúde dos trabalhadores no que respeita à utilização dos transportes e das fontes de energia a que estão expostos, tendo em vista estabelecer medidas de precaução.

1.2.9   A nível comunitário, o CESE considera necessário abrir o diálogo civil sobre os seguintes temas:

a dimensão cultural e o desafio humano que importa ter em conta no território da União para que os transportes e a energia acessíveis a todos e a preços moderados contribuam para o bem-estar dos cidadãos e para a cabal compreensão da diversidade que caracteriza a UE;

a promoção de uma educação para a cidadania em matéria de boa gestão dos transportes e da energia, desde o primeiro ciclo da escolaridade básica;

a saúde dos cidadãos em geral mediante inquéritos sobre a utilização dos transportes e das fontes de energia a que estão expostos, tendo em vista o estabelecimento de medidas de precaução;

o CESE considera que a União poderia criar um sistema de afixação normalizado comparável ao do IVA (não uma marca) com o objectivo de sensibilizar todos os cidadãos para os desafios em matéria de transportes-energia-ambiente, a fim de incluir no rótulo de cada bem de consumo a indicação «APCO2 — Added Production of CO2» (produção acrescentada de CO2);

o CESE considera que as negociações na organização mundial do comércio poderiam utilizar, subsequentemente, este sistema normalizado concebido pelos europeus, podendo os resultados ser inseridos nos documentos comerciais existentes, à semelhança do modelo do Edifact (5), sob o controlo anual da sociedade civil, como faz a Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas, ao prestar contas, anualmente, ao Conselho Económico e Social das Nações Unidas (UN/ECE) sobre a situação do Edifact (6), aspecto de que a União poderia tirar proveito a nível mundial.

2.   Eixos de acção da União Europeia

2.1   Diplomacia

2.1.1   A independência energética da União, o desenvolvimento da economia, a manutenção do nível de vida dos europeus, a sustentabilidade social e ambiental, estão ligados à capacidade de aprovisionamento dos Estados-Membros.

2.2   Mercados

2.2.1   A procura de transportes e de energia e a produção de gases com efeito de estufa (GEE) estão a acelerar. No que respeita à energia e às indústrias de redes, os mercados europeus continuam fragmentados, não obstante haver uma tendência para a integração (o projecto de mercado trilateral entre a França, a Bélgica e os Países Baixos em 2006, eventualmente alargado à Alemanha em 2009, constituição de um mercado «spot» (7) europeu, procura de fusões). A via escolhida da liberalização, com separação das redes (gás, electricidade), pode apesar de tudo apresentar perigos como a compra por fundos estrangeiros à União (fundos soberanos), a ocorrência de crises sem capacidade de reserva gerida em comum ou as políticas de preços não controladas e catastróficas para os consumidores. A energia nuclear volta a ser uma questão incontornável para a União, pelo que seria irresponsável não a abordar a nível comunitário.

2.2.2   Poder circular permite trabalhar, viajar, conhecer os outros europeus e a Europa. Ora esta mobilidade diminui quando os preços da energia são demasiado elevados e afectam gravemente a vida das pessoas e das empresas, o emprego e a actividade económica.

2.2.3   Há que criar um cabaz energético e solidariedades intra-europeias para evitar novas fragmentações do mercado. Uma sociedade simultaneamente móvel e inclusiva precisa de regulamentações coerentes e organismos reguladores que assegurem o seu cumprimento. A sociedade civil pode ser o factor revelador dessa necessidade.

2.3   Formação dos preços

2.3.1   Factores que intervêm na formação dos preços no consumidor:

a liberalização: os consumidores não sentiram todas as diminuições de custos anunciadas;

a interacção dos preços: os preços repercutem-se uns nos outros, os da energia nos dos transportes e os do petróleo nos do gás e conjugam-se para formar a política de venda; de assinalar também as práticas dos produtores e dos distribuidores que exercem uma pressão em alta e retiram desta subida enormes benefícios, e que baixam o preço para metade, quando escasseia a liquidez;

a cotação da moeda: a valorização do euro face ao dólar deveria ser um factor de amortecimento da subida de preços, mas, antes da crise, a forte procura e os preços acabam por afectar os países do Eurogrupo, tanto mais duramente quanto mais altos (8) são os impostos que cada um deles aplica aos combustíveis, ao passo que, durante a crise, a queda do euro face ao dólar reduz o efeito da descida do preço na produção;

a situação dos mercados financeiros: a escassez de liquidez provocada pela crise de finais de 2008 levou à queda dos preços do petróleo bruto dado que os vendedores se adaptam às possibilidades dos compradores para não perderem demasiado; mas no início da crise o preço da gasolina a retalho beneficiou pouco das descidas ao mesmo tempo que as consequências económicas e sociais da crise começavam já a sentir-se;

a fiscalidade pesada sobre a energia e diferente de Estado-Membro para Estado-Membro, deveria ser revista e verdadeiramente harmonizada a nível europeu;

o sector das energias renováveis: estas energias tiraram partido do aumento global dos preços da energia, que atenuava o seu custo inicial, mas os ganhos para o consumidor médio ainda são pouco visíveis; ao invés, a redução dos custos pode enfraquecer a sua posição;

elementos externos: há elementos que intervêm, como o custo do princípio do poluidor-pagador, ou que poderão intervir, como a abertura à concorrência dos fornecedores de produtos petrolíferos ou o gasóleo europeu com um preço harmonizado.

2.3.2   O CESE entende que a União Europeia deve favorecer as solidariedades, promover um plano director para uma política industrial comum, baseada na investigação do desenvolvimento sustentável e de uma co-modalidade eficiente dos transportes, e valorizar a estabilidade política através de regulação. Um estudo sério sobre a incidência nos preços da separação entre as actividades de redes e as de distribuição ou de exploração seria útil para a elaboração dessas políticas.

2.4   Financiamento

2.4.1   A nível público

Pretende-se apenas aqui sublinhar alguns aspectos do ponto de vista das consequências sociais (9). No que respeita à utilização dos fundos públicos, a sua repartição entre as acções que produzem resultados a curto prazo e os esforços de investigação deveria ser judiciosamente equilibrada, a nível da UE, entre a protecção do clima, a independência energética da União e o bem-estar dos cidadãos. Os saldos de dotações comunitárias atribuídas e não utilizadas deveriam reverter sistematicamente para um fundo de auxílio à investigação e à inovação. O regime jurídico dos auxílios de Estado poderia isentar os fundos de auxílio nacionais das regras de concorrência, o que garantiria aos investidores uma segurança jurídica favorável à exploração de novas tecnologias e à criação e manutenção do emprego. As PME devem ser apoiadas para atingirem o nível de crescimento útil definido em Lisboa no ano 2000, manterem e desenvolverem o emprego e conservarem a sua capacidade de inovação.

2.4.2   A nível dos consumidores

A União dispõe de instrumentos poderosos (fundos estruturais, política regional). Antes da crise, os peritos mundiais consideravam que a tendência altista das matérias-primas energéticas ia durar. A Comissão Europeia poderia levar a cabo uma reflexão no sentido de accionar a solidariedade comunitária para limitar a exclusão provocada pela pobreza energética, evitando, assim, afectar o PIB da UE, caso as cotações voltem a subir e, em caso de depressão (descida dos preços acompanhada de quebra do consumo provocada pela descida do poder de compra, nomeadamente), para apoiar a procura.

Uma das consequências sociais da evolução do binómio transportes-energia é as pessoas ficarem prisioneiras do aumento dos preços, quando eles sobem, numa altura em que as pressões externas decorrentes da globalização e da «financialização» da economia, que conduziram à crise, pesam sobre os salários e o poder de compra das famílias, e a UE se encontra em situação de subemprego. Além disso, os preços dependem, em grande medida, de uma fiscalidade indirecta, sem progressividade.

O CESE considera que seria socialmente útil criar, por iniciativa europeia, uma diferenciação do preço entre a parte «vital» e a parte «escolhida» dos primeiros quilómetros percorridos, dos primeiros litros de gasolina consumidos ou, no caso da electricidade, dos primeiros quilowatts, partindo de uma estimativa de utilização e de categorias de destinatários, a definir através do diálogo. Deste modo, poderiam estabelecer-se sistemas de ajuda aos menos favorecidos para a parte vital incompressível.

Entende também que deveriam realizar-se estudos sobre a exequibilidade de um serviço de interesse geral (SIG) europeu da energia que pudesse ser posto ao serviço da política comum da energia. Uma abordagem comum dos preços faria deste parâmetro um instrumento de luta pela manutenção do desenvolvimento económico, bem como pela preservação do clima e dos interesses dos consumidores, através de uma repartição mais justa dos custos.

2.5   Fiscalidade

2.5.1   A fiscalidade intervém na formação dos preços, constituindo o selo ecológico o elemento mais recente. Os Estados-Membros conservaram uma margem de manobra, mas uma política de mercado mais integrada levaria a UE a rever a situação em matéria fiscal, que passaria a ser mais transparente para o cidadão-consumidor.

2.5.2   A TIPP, taxa definida pela União, baseia-se no volume e o IVA no valor; o IVA, como todos os impostos indirectos, ao aplicar-se sem distinção das capacidades contributivas é injusto, pois penaliza mais duramente as categorias socioeconómicas mais desfavorecidas. Os cidadãos dos Estados-Membros não são, porém, iguais face aos impostos sobre os combustíveis. Estes deveriam ser objecto de estudos e de inquéritos divulgados aos consumidores com vista identificar o melhor sistema possível no sentido da convergência. Um gasóleo «europeu» teria um efeito de transparência imediato (10).

2.6   Investigação

2.6.1   O relançamento dos investimentos produtivos deve fazer-se a um nível que provoque avanços significativos e rápidos, sem os quais nem a independência energética, nem a manutenção da liderança da União no combate às alterações climáticas, nem o nível de vida dos europeus, nem o futuro da Europa poderão ser preservados. Uma patente europeia gratuita em matéria de energia de fontes renováveis e de transportes limpos e económicos reduziria os tempos de espera entre a descoberta e a colocação no mercado. Uma tal política não estaria em contradição com o n.o 1, alínea c), do artigo 194.o do Tratado de Lisboa. É indispensável assumir riscos ponderados. O BEI exige presentemente, para investir, uma taxa de 20 % de aumento da eficácia energética. Esta poderia destinar-se às inovações (11) e ser oferecida a muitas empresas.

A possibilidade de as PME beneficiarem do MFPR (ver ponto 1.2.5.) poderia impulsionar a inovação a nível local. Por exemplo, há cada vez mais iniciativas de partilha do automóvel, mas, como acontece nos municípios de St. Brieuc ou de Rennes (12) continuam dependentes de subsídios locais, não obstante os benefícios em termos de mobilidade, redução de CO2, ganhos de tempo e projectos sociais acessíveis a camadas menos favorecidas, em razão do módico custo que a sua utilização envolve.

2.7   Territórios

2.7.1   Os transportes e a energia são os canais de irrigação das regiões e a oportunidade de desenvolvimento local (ver impacto da abertura das linhas de TGV para as regiões em França). Mas a mobilidade, que tradicionalmente era um dos motores da economia e do ordenamento do território, passa a ser um travão quando os preços da energia são elevados.

2.7.2   A União está a dotar-se de uma política em matéria de energia e de clima com objectivos quantitativos e terá necessidade de instrumentos de medida. Seria interessante medir os aspectos qualitativos de forma harmonizada na União e, para avaliar as necessidades dos cidadãos, a dimensão territorial da energia e dos transportes é a que está em melhor posição para o fazer. O conhecimento profundo das tendências permite gerir melhor os recursos a nível local.

2.7.3   Os territórios recebem auxílios através da política regional da União, e a maneira como eles são repartidos pode ser um indicador de que se procura aumentar o bem-estar dos cidadãos em matéria de transportes e de energia. A evolução do binómio energia-transporte pode afectar amplos sectores da economia e ter graves consequências sociais, numa altura em que a conjugação de efeitos negativos atinge o sector das pescas que viu os seus lucros fortemente reduzidos em virtude da subida dos preços da energia e, consequentemente, do transporte.

2.7.4   A repartição das actividades económicas e a gestão da mobilidade residencial nas cidades  (13)condicionam as deslocações pendulares diárias. Poder-se-ia recorrer a uma cláusula obrigatória de contratação local (reserva de uma percentagem dos postos de trabalho a habitantes dessas zonas e concessão de isenções fiscais às empresas que enveredem por essa via) associada a fundos estruturais adaptados para o efeito. O emprego, a habitação, a igualdade de oportunidades, e portanto o salário, e o quarto factor — os transportes — podem jogar a favor ou contra a inclusão social.

Novas prioridades e a coordenação das políticas públicas de habitação, emprego e mobilidade podem trazer soluções que evitem um ajustamento dos custos colectivos com os consequentes efeitos negativos no plano social.

Com um quadro nacional e europeu juridicamente seguro, seria mais fácil repartir as acções entre as colectividades territoriais, as empresas e os agregados familiares.

2.8   Serviços públicos

2.8.1   Em relação à energia, a situação é mais oligopólica do que plenamente concorrencial. As consequências em termos de acesso à rede e de políticas de preços não são do agrado dos utilizadores (por exemplo, supressão das pequenas estações ferroviárias e das redes de autocarros consideradas não rentáveis, aumento dos preços no consumidor, custo da energia, etc.). O papel dos serviços públicos nacionais está na encruzilhada das legislações, da acção dos poderes locais, do respeito dos direitos fundamentais do cidadão, e do emprego.

Cabe aos poderes públicos atenuar os efeitos da evolução e das incertezas que as mudanças acarretam para os cidadãos. Os poderes locais deveriam apresentar-se como animadores do seu próprio território de modo a amortecer os choques económicos e financeiros. Mas, directamente confrontadas com a evolução do binómio transportes/energia, estas entidades andam à procuram de soluções.

São precisos novos instrumentos de governação entre os diferentes níveis de intervenção local, regional, nacional e comunitário. Os programas comunitários poderiam dar maior espaço à experimentação e ser divulgados mais eficazmente.

2.8.2   Haveria uma melhor distribuição dos postos de trabalho nas bacias de emprego se ela estivesse ligada à organização dos transportes urbanos. Os serviços públicos locais de emprego desempenham um papel muito importante e deveriam ter em conta os novos condicionalismos que afectam a energia e os transportes.

2.8.3   A malhagem do território é o resultado das escolhas políticas e dos investimentos. Agir sobre a formação dos preços é permitir o acesso e o custo abordáveis e a inclusão dos segmentos da população menos favorecidos. O transporte, pela sua necessidade, sua carestia e por vezes escassez, transformou-se no quarto factor de exclusão, depois da habitação, do emprego e do salário. Além disso, é indispensável uma vigilância social das consequências das novas obrigações que vão ser impostas aos transportes (pacote energia/clima). A almejada eficácia económica é possível através de uma abordagem sistémica das políticas de mobilidade, das grandes conexões intermodais, da rentabilização competitiva de todos os nichos geográficos e temporais (14), da investigação técnica e social, a fim de potenciar os recursos, reduzindo os custos. Isto depende de uma vontade política e da mobilização dos actores envolvidos.

2.9   Saúde

Como a evolução do binómio transportes-energia também se repercute na saúde da população, impõem-se medidas que reequilibrem as escolhas anteriores no respeito do «pacote energia e clima» já em embrião no Livro Branco da Comissão sobre os Transportes.

2.9.1   A utilização quotidiana e repetida de transportes em longos trajectos entre a casa e o trabalho afecta a saúde e repercute-se nos sistemas sociais: dificuldade de permanência no emprego, stress, astenia, devido ao grande número de doenças dos adultos (alergias, perturbações músculo-esqueléticas) e das crianças (alergias, bronquiolite, etc.)

A utilização de energias não sustentáveis polui o ar, as águas fluviais e marítimas, os solos, os alimentos que deles extraímos, etc. É necessário reconsiderar o retorno à energia nuclear e seus perigos potenciais, mas também a educação da população em relação a esta fonte de energia, que começa a ser necessária em virtude do aumento da procura nos Estados-Membros produtores e do envelhecimento das centrais.

2.10   Emprego

2.10.1   Crescimento, emprego (Estratégia de Lisboa) e desenvolvimento sustentável deparam-se com o elevado preço da energia e dos transportes e com os efeitos da crise financeira. As questões sociais e as questões ligadas ao emprego e à vertente social da Estratégia de Lisboa devem ser tidas em conta. A liberalização já teve sérias consequências para os trabalhadores dos sectores do gás e da electricidade.

2.10.2   A comunitarização crescente da política climática da União implica que, a nível macroeconómico, se encete um verdadeiro diálogo social que desemboque numa negociação dos futuros planos respeitantes ao clima da Europa, a fim de evitar distorções da concorrência e o dumping social. A Comissão Europeia poderia ajudar os parceiros sociais através de um mecanismo que lhes permita «antecipar, prevenir e acompanhar, se for caso disso» as transformações económicas e sociais decorrentes da adopção de novas políticas climáticas com impacto no binómio transporte-energia.

2.10.3   O CESE considera que é necessário aumentar substancialmente os meios consagrados à investigação aplicada, para que o desenvolvimento das tecnologias inovadoras crie maior número de postos de trabalho, em especial nas PME e nas microempresas.

2.10.4   O CESE é favorável a um alargamento do FEG (Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização) tendo em vista limitar as consequências perniciosas do combate às alterações climáticas para os trabalhadores. O CESE considera que o FEG devia abranger todas as populações em dificuldades, em risco de pobreza ou excluídas, e os mecanismos de funcionamento do fundo deviam ser revistos, começando por alargar os critérios de acesso ao fundo.

2.10.5   No entender do CESE, as despesas obrigatórias pesam cada vez mais sobre os mais desfavorecidos e põem em risco a sua e -integração na sociedade da informação, factor suplementar de desemprego e de exclusão social A União deve desenvolver a sua capacidade para garantir aos seus cidadãos uma evolução dos preços suportável, reforçando simultaneamente a sua segurança energética.

2.11   Diálogo social na empresa

2.11.1   A evolução do binómio transportes/energia tem consequências na empresa ao nível microeconómico e o diálogo social deve considerar estas questões, em particular:

a formação do pessoal e dos dirigentes em matéria de comportamentos sustentáveis, que consomem pouca energia, e de transportes não poluentes;

a obrigação de negociar um plano de mobilidade sustentável para a empresa ou o serviço;

o reconhecimento, por parte do empregador, das despesas de transporte dos trabalhadores como um dos elementos do salário mínimo, de acordo com escalas a definir pelo diálogo social;

a criação de certificações da empresa  (15);

a partilha dos ganhos obtidos com a redução do consumo de energia e dos transportes na actividade profissional, avaliados segundo critérios a definir no âmbito do diálogo.

Há aqui um vasto campo para o diálogo social na empresa.

2.12   Cultura e educação

2.12.1   Os transportes e a energia adquiriram, desde há muito, uma dimensão cultural que a sua democratização pôs ao alcance de grande número de cidadãos. Esta dimensão, que hoje se tornou consubstancial à construção europeia, deve ser preservada e constitui um desafio humano a ter em conta para a compreensão e a prática da diversidade europeia.

2.12.2   O CESE considera que a evolução em curso pode ser aproveitada para promover a educação cidadã desde a escola, tendo em vista melhorar o conhecimento dos outros europeus e utilizar correctamente os dois fluxos. A educação visaria também o ensino de actos de cidadania quotidianos, tendo em conta os segmentos da população mais desfavorecidos pela deficiência, a velhice ou a exclusão. A educação cidadã poderia estar associada à da saúde, que sairia reforçada (16).

2.13   Acção da sociedade civil organizada

2.13.1   Individual

Cada cidadão tem a obrigação de se informar e o direito de esperar transparência das decisões que emanam das instituições e de estruturas como as entidades reguladoras. O CESE entende que, neste aspecto, é necessário realizar uma ampla acção de divulgação.

O CESE reitera o seu apoio à proposta da Comissão, de 5 de Julho de 2007 (17), relativa a uma Carta dos direitos dos consumidores de energia que garanta esses direitos, os quais «não são garantidos se deixados unicamente ao critério de mecanismos de mercado» (Carta, pontos 1.2 e 1.8).

2.13.2   Global

Responder aos desafios da política energética requer uma mobilização social que, por seu turno, requer a adesão dos cidadãos e a sua acção voluntarista.

Para o efeito, o CESE apresenta uma proposta susceptível de provocar uma consciencialização dos cidadãos e consumidores, isto é, a indicação em todos os produtos de consumo da produção acrescentada de CO2 .

Os cidadãos, quando têm a possibilidade de fazer escolhas responsáveis, não dispõem de uma informação visível. A União poderia agir a dois níveis complementares, mantendo simultaneamente a competitividade das suas empresas:

o nível macroeconómico, tal como demonstrou o parecer do CESE de 20 de Fevereiro de 2008 (18);

o nível microeconómico, em que os consumidores poderiam fazer as suas escolhas se, a partir de uma certificação normalizada de tipo EMAS, as empresas indicassem no rótulo de cada produto, bem ou serviço a quantidade de carbono acrescentada em cada etapa da cadeia de valor. Já estão em curso experiências parciais neste sentido na Grã-Bretanha e, fora da UE, por exemplo em Vancouver, no Canadá.

Este sistema de rotulagem, comparável ao do IVA, sensibilizaria todos os cidadãos aquando do consumo de cada bem ou serviço; a indicação « APC Added Production of CO2 » constaria de todos os documentos contabilísticos relativos a cada produto ou serviço, fossem eles o talão de compras no supermercado ou o recibo do salário, e permitiria que qualquer pessoa da União fizesse seu este desafio com base em dados objectivos.

O pagamento dos custos da produção de CO2 não estaria associado a esta medida. Urgente é que, em todos os sectores, todos tomem consciência do problema e através de um meio simples.

O CESE considera que as negociações mundiais sobre o comércio poderiam adoptar esta prática europeia. Os resultados poderiam integrar documentos comerciais já normalizados, seguindo o modelo do Edifact e sob o controlo anual da sociedade civil: é assim que a Comissão Económica para a Europa presta contas, anualmente, ao Conselho Económico e Social das Nações Unidas (UNECE) sobre a situação do Edifac.

A União Europeia está na dianteira na tomada de consciência de que é absolutamente indispensável tratar conjuntamente os três capítulos — Transportes, Energia, Ambiente — como vertentes de uma mesma política, e poderia tirar partido desta situação a nível mundial.

Bruxelas, 4 de Dezembro de 2008.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI

O Secretário-Geral do Comité Económico e Social Europeu

Martin WESTLAKE


(1)  MFPR: Mecanismo de Financiamento com Partilha de Riscos, acordo de cooperação, estabelecido pelo BEI, em 5 de Junho de 2007, para a investigação, desenvolvimento e inovação, com uma dotação de 10 mil milhões de euros.

(2)  FEG: Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização.

(3)  Definição de co-modalidade: «Utilização eficiente de diferentes modos de transporte, isoladamente ou em combinação», Revisão intercalar do Livro Branco da Comissão de 2006 sobre a política Europeia dos Transportes no horizonte 2010.

(4)  Artigo 73.o — Tratado CE: «São compatíveis com o presente Tratado os auxílios que vão ao encontro das necessidades de coordenação dos transportes ou correspondam ao reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público». Ver também Regulamento (CEE) n.o 1107/70 do Conselho, de 4 de Junho de 1970, relativo aos auxílios concedidos no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável, JO n.o L 130 de 15.6.1970 p. 1-3 e REGULAMENTO (CE) N.o 1370/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 23 de Outubro de 2007 relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho.

(5)  Edifact: acrónimo de «Echange de données informatisées pour l'Administration, le commerce et le transport» (Eletronic Data Interchange for Administration, Commerce and Transport) — Intercâmbio Electrónico de Dados para Administração, Comércio e Transportes — é uma norma das Nações Unidas que define simultaneamente uma sintaxe e um conteúdo, adaptado pelos organismos de normalização nacionais e sectoriais para que as necessidades de cada actividade sejam tidas em conta.

(6)  Constituída por 56 membros, a Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa é uma das cinco comissões regionais do Conselho Económico e Social da ONU. Ela inclui, para além dos países da Europa, os Estados Unidos, o Canadá, Israel e as repúblicas da Ásia Central.

(7)  Um «mercado spot» abrange as divisas, as taxas ou as matérias-primas, tendo em vista uma entrega ultra-rápida, no dia seguinte ou em menos de 24 horas.

(8)  DESTATIS, serviço federal alemão de estatística: os preços da energia fazem subir os preços na produção em 3,8 % num ano. No mesmo período, os preços aumentaram 7 %, os derivados petrolíferos 19 % e a electricidade quase 10 %. Se não fosse a energia, os preços apenas teriam aumentado 2,7 % num ano ano (em: Journal Les ECHOS, France, 21/22 de Março de 2008).

(9)  Parecer do CESE, em particular: Allewelt, «As infra-estruturas de transportes do futuro: planificação e países limítrofes, mobilidade sustentável, financiamento», 28.1.2004, CESE 93/2004; Krzaklewkski, «Redes transeuropeias: Para uma abordagem integrada», 28.3.2008, JO C 204 de 9.8.2008, p. 25.

(10)  O imposto sobre os combustíveis completa a tarificação devida pela utilização das infra-estruturas de transporte a fim de integrar os custos externos nos preços pagos pelos utilizadores. Permite, em particular, incorporar a componente dos custos externos ligados às emissões de gases com efeito de estufa. Ora, num momento em que a abertura à concorrência no sector dos transportes rodoviários é total, o facto de não haver harmonização ao nível da tributação dos combustíveis surge cada vez mais como um entrave ao bom funcionamento do mercado interno. Livro Branco sobre os Transportes no horizonte 2010, Comissão Europeia, 2001.

(11)  Ver Parecer do CESE (relator Gerd Wolf), «O eventual efeito positivo ou negativo de exigências políticas acrescidas no domínio do ambiente e da energia para a competitividade da indústria europeia», 20.2.2008, JO C 162 de 25.6.2008, p. 72.

(12)  Municípios de Bretanha (22) França; o grupo de estudo que preparou o presente parecer realizou uma audição na cidade de Saint Brieuc.

(13)  Parecer do CESE, Ribbe, «Transportes nas áreas urbanas e metropolitanas», CESE JO C 168 de 20.7.2007, p. 77.

(14)  Município de Saint-Brieuc, Bretanha (22), França, audição de 6 de Outubro: implementação de linhas «virtuais» de transporte local activadas a solicitação em itinerários específicos graças a uma central de mobilidade informatizada vocacionada para a gestão integrada dos modos de transporte pelos utilizadores locais e para a informação sobre as outras redes (ITS — Sistema de Transporte Inteligente).

(15)  Certificações de tipo EMAS (Eco Management & Audit Scheme), Regulamento de 1995, revisto em 2002 e 2004, Regulamento 761/2001 sobre a participação voluntária.

(16)  Parecer do CESE, Sharma, «Obesidade na Europa — papel e responsabilidades dos parceiros da sociedade civil», (CESE JO C 24 de 31.1.2006, p. 63).

(17)  Parecer do CESE, Iozia, «Para uma Carta Europeia dos Direitos dos Consumidores de Energia», 16.1.2008, JO C 151 de 17.6.2008, p. 27.

(18)  Parecer CESE, Wolff, supracitado.


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