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Document 52012AE1045

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Rumo a uma política da UE em matéria penal: assegurar o recurso ao direito penal para uma aplicação efetiva das políticas da UE [COM(2011) 573 final]

JO C 191 de 29.6.2012, p. 97–102 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

29.6.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 191/97


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Rumo a uma política da UE em matéria penal: assegurar o recurso ao direito penal para uma aplicação efetiva das políticas da UE

[COM(2011) 573 final]

2012/C 191/17

Relator: Edouard DE LAMAZE

Em 20 de setembro de 2011, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Rumo a uma política da UE em matéria penal: assegurar o recurso ao direito penal para uma aplicação efetiva das políticas da UE

COM(2011) 573 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 22 de março de 2012.

Na 480.a reunião plenária de 25 e 26 de abril de 2012 (sessão de 25 de abril), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 131 votos a favor, sem votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE acolhe favoravelmente o propósito da comunicação de prever o exercício da competência da UE em matéria penal que lhe é reconhecido pelo artigo 83.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), em novos setores harmonizados. Deste modo, a UE disporia de um instrumento eficaz para melhorar e reforçar a aplicação das suas políticas, o que se inscreve na linha dos avanços da jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu em 2005 e das duas diretivas de 2008 e de 2009 que estabeleciam «um direito penal ambiental».

1.2   A comunicação da Comissão constitui um progresso inegável visto a UE propor, pela primeira vez, a definição de uma política que norteie a sua ação em matéria penal, a qual deverá ser, no entender do CESE, estribada por um forte impulso político.

1.3   Referindo-se à evolução jurídica antes citada, o CESE recorda, a título preliminar, que a vontade de velar pela realização das políticas da União não é, como tal, uma justificação suficiente para o recurso ao direito penal, na medida em que o alargamento do campo penal europeu está subordinado ao respeito dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

1.4   Face à natureza corporal e infamante da sanção penal, a incriminação de um dado comportamento deverá ser utilizada como solução de último recurso (ultima ratio) imposta pela União aos Estados-Membros. As dificuldades encontradas pelos Estados-Membros na aplicação de uma política da UE, e que comprometem a sua eficácia, não devem bastar, por si só, para justificar o recurso ao direito penal. É preciso, para além disso, que os comportamentos em questão constituam um atentado grave a um interesse considerado fundamental.

1.5   O CESE considera que o projeto da Comissão pressupõe desde logo demarcar melhor o que poderia abarcar a noção de um interesse geral definido ao nível europeu, uma noção por enquanto ainda inexistente no plano jurídico, mas necessária para justificar o facto de proferir sanções penais estabelecidas ao nível da UE contra os cidadãos europeus. O interesse dos consumidores, por si só, não deve, com efeito, bastar para justificar essas medidas.

1.6   O CESE convida, em termos mais gerais, a analisar de que forma, futuramente, os direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais, poderão ser protegidos por sanções penais definidas ao nível da UE, o que implicará, no caso dos segundos, refletir na melhor via para harmonizá-los nos vários Estados-Membros. Constatando que a definição de incriminações e de sanções pode variar de um Estado-Membro para outro, ao ponto de atentar contra os direitos fundamentais e violar os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, o CESE considera, além disso, que seria em tais casos necessária uma harmonização em matéria penal.

1.7   A decisão de adotar novas medidas penais ao nível europeu deverá ser previamente justificada por uma avaliação de impacto elaborada em cooperação com peritos dos vários Estados-Membros compreendendo, designadamente, um estudo de direito comparado sobre os sistemas incumbidos da aplicação da regulamentação relevante ao nível dos Estados-Membros e uma análise da necessidade de melhorar o Estado de direito que demonstre o imperativo de adotar esta nova disposição ao nível europeu.

1.8   Por outras palavras, a análise a realizar deverá evidenciar a necessidade de uma norma europeia em matéria penal, à luz do princípio da subsidiariedade da necessidade-proporcionalidade (requisito ultima ratio) da sanção penal. O CESE regozija-se com o facto de ser neste espírito que a Comissão considera o alargamento da intervenção da UE em matéria penal.

1.9   A eficácia e o impacto nos direitos fundamentais do instrumento penal definido ao nível europeu deverão ser objeto, na opinião do CESE, de uma avaliação científica e independente, como complemento indispensável do estudo de impacto que a antecede.

1.10   O CESE considera indispensável especificar o conteúdo de uma política de harmonização em matéria penal e, nomeadamente, quando o seu propósito for aproximar as definições de sanções e infrações.

1.11   O CESE considera que as regras mínimas adotadas ao nível da UE não deverão interferir na definição pelas instâncias nacionais das categorias de infrações, a qual depende, além disso, do sistema judicial vigente, e que se lhes deveria permitir definir a sua própria estratégia de aplicação da lei em estrita conformidade com o princípio da subsidiariedade.

1.12   O CESE sublinha que, de qualquer modo, uma aproximação gradual das regras do direito penal de caráter substancial não será organicamente exequível com base na estreita cooperação entre as autoridades de investigação e de ação penal (ministérios da Justiça e procuradores) e entre as autoridades judiciais, a qual deveria ser garantida por um orçamento específico. Esta aproximação não deverá, contudo, comprometer a heterogeneidade das regras nacionais de processo penal e, em particular, a garantia concreta do exercício dos direitos de defesa (por exemplo, o exercício dos direitos de recurso, etc.). A matéria processual não faz, aliás, parte do âmbito da comunicação. Daí resulta que os processos penais e as práticas dos vários sistemas de aplicação da lei engendram variações que o regulador europeu não consegue prever. Nestes termos, o CESE reputa fundamental que o futuro procurador europeu se encarregue de acompanhar, no limite das suas competências, a aproximação gradual das legislações penais nacionais que servirem de base aos futuros processos judiciais.

1.13   Além disso, o CESE considera que convirá refletir atentamente sobre a responsabilidade penal das pessoas coletivas que neste momento é rejeitada por todos os Estados-Membros. Ora, esta desigualdade face à lei requer uma reflexão prioritária que terá como ponto de partida o facto de um número substancial de infrações no âmbito económico, social e ambiental ser imputável a empresas industriais e comerciais.

1.14   No alargamento do campo penal europeu é indispensável, a título preliminar, uma reflexão sobre temas tais como:

o primado do direito penal relativamente aos outros sistemas de prevenção e de reparação, como os regimes de sanções administrativas, ou até mesmo fiscais, e a possibilidade de recorrer a ações coletivas (class action), e também à mediação;

a determinação da pertinência da sanção a definir ao nível europeu para evitar que as medidas de direito penal acabem por assumir um caráter menos dissuasivo do que muitas das legislações que seriam substituídas;

o papel da Eurojust e do futuro procurador europeu.

1.15   Por último, o CESE considera que uma reflexão sobre o princípio do alargamento do direito penal europeu requer correlativamente outra sobre o respeito dos direitos de defesa que se afiguram muito menos garantidos no quadro judicial oferecido pelo processo penal. Ora, o alargamento do espaço penal europeu, justamente pela eficácia que se espera desta diligência, torna necessário o reforço dos direitos de defesa, nomeadamente no âmbito da Eurojust e da Europol. Estes direitos deverão ser realmente garantidos na prática e para todos os cidadãos da UE. Só nesta condição é que o direito penal europeu satisfará a exigência de respeito dos direitos fundamentais consagrados nos tratados (artigo 67.o, n.o 1 e artigo 83.o, n.o 3, do TFUE).

2.   Conteúdo da comunicação

2.1   No setor financeiro e em matéria de proteção dos interesses financeiros da União e da proteção do euro contra a falsificação, a Comissão afirma que a intervenção da UE em matéria penal é reconhecida como necessária para reforçar a aplicação efetiva das políticas da UE.

2.2   Convida a avaliar o fundamento de torná-la extensível aos domínios seguintes: transporte rodoviário, proteção de dados, regras aduaneiras, proteção do ambiente, política das pescas e políticas relativas ao mercado interno (contrafação, corrupção ou os contratos públicos). A lista não é exaustiva.

2.3   Esta intervenção da UE teria por base jurídica o artigo 83.o, n.o 2, do TFUE que permite ao Parlamento Europeu e ao Conselho «estabelecer regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções», sempre que a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros em matéria penal se afigure indispensável para assegurar a execução efetiva de uma política da União num domínio que tenha sido objeto de medidas de harmonização.

2.4   Se o Tratado de Lisboa confere uma base jurídica que facilita a adoção de diretivas em matéria de direito penal, estas deverão respeitar estritamente não só os direitos fundamentais, garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, mas também os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, devendo-se lançar mão do direito penal, conforme especifica a comunicação, enquanto instrumento de último recurso (ultima ratio).

2.5   De acordo com o princípio da subsidiariedade, como explica a comunicação, a UE poderá intervir unicamente se os Estados-Membros não lograrem fazer respeitar o direito da União ou se surgirem, na matéria, divergências consideráveis entre os Estados-Membros que levem a incoerências na sua aplicação.

2.6   Segundo o requisito da ultima ratio, a Comissão anuncia que a escolha entre sanções penais e administrativas terá por base uma análise de impacto aprofundada. Um grupo de peritos ajudará na realização desta tarefa, que se dedicará, além disso, a interpretar conceitos essenciais de direito penal («sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas», «casos menos graves», «cumplicidade e incitamento», etc.).

2.7   A Comissão avalia o valor acrescentado de uma intervenção da UE no domínio penal tendo em mente quatro objetivos:

livre circulação e aquisição de bens ou serviços transfronteiras (mediante a adoção de normas mínimas relativas aos direitos processuais);

evitar a existência de «portos de abrigo»;

reforçar a confiança mútua entre as autoridades judiciais e as autoridades responsáveis pela aplicação da lei;

prevenir e sancionar infrações graves contra o direito da UE (ambiente, luta contra o trabalho ilegal, etc.).

2.8   A comunicação não se refere às medidas que, nos termos do artigo 83.o, n.o 1, do TFUE, poderão ser adotadas para lutar contra infrações designadas sucintamente como «eurocrimes», devido à sua particular gravidade e ao seu caráter transfronteiriço (1).

3.   Observações na generalidade

3.1   O tema da presente comunicação é especialmente sensível visto a política em matéria penal relevar desde a origem dos Estados do poder real e as normas de aplicação da lei tocarem diretamente as liberdades individuais e os direitos de todos os cidadãos.

3.2   Se, em certos domínios, e nomeadamente na luta contra o tráfico de seres humanos e na exploração sexual de mulheres e crianças, que relevam do artigo 83.o, n.o 1, do TFUE, há incontestavelmente o imperativo de intervenção da União, em matéria penal o CESE não está seguro de existir uma necessidade semelhante nos domínios enunciados nesse artigo.

3.3   Os fundamentos de uma legislação europeia em matéria penal

3.3.1   A necessidade de um interesse legítimo suficiente

3.3.1.1   As inovações introduzidas pelo Tratado de Lisboa representam uma conquista com a qual o CESE não pode deixar de se regozijar. Desde então é mais fácil a adoção de diretivas em matéria penal e mais garantida a proteção dos direitos fundamentais.

3.3.1.2   No entanto, o CESE propõe-se desde já desfazer uma possível confusão: o artigo 83.o, n.o 2, do TFUE não pode fazer supor que a vontade de garantir a aplicação efetiva das políticas da União basta, por si só, para legitimar o recurso ao direito penal.

3.3.1.3   A recuperação económica a que se refere a Comissão como motivo para alargar o campo de intervenção da UE em matéria penal (p. 10), um objetivo assaz fundamental e cuja prioridade todos se aprontarão a reconhecer, não poderá constituir, por si só, um interesse legítimo suficiente para justificar o recurso ao direito penal. Este objetivo depende, além disso, de muito mais do que apenas da luta contra «a economia subterrânea e a criminalidade financeira», a que a intervenção da UE em matéria penal não se deveria, além disso, circunscrever no entender da Comissão.

3.3.1.4   O CESE considera que o projeto da Comissão pressupõe desde logo demarcar melhor o que poderia abarcar a noção de um interesse geral definido ao nível europeu, uma noção por enquanto ainda inexistente no plano jurídico, mas necessária para justificar o facto de proferir sanções penais estabelecidas ao nível da UE contra os cidadãos europeus. O interesse dos consumidores, por si só, não deve, com efeito, bastar para justificar essas medidas.

3.3.1.5   O CESE convida, em termos mais gerais, a analisar de que forma, futuramente, os direitos fundamentais e os direitos sociais poderão ser protegidos por sanções penais definidas ao nível da UE, o que implicará, no caso dos segundos, refletir na melhor via para harmonizá-los nos vários Estados-Membros. Constatando que a definição de incriminações e de sanções pode variar de um Estado-Membro para outro, ao ponto de atentar contra os direitos fundamentais e violar os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, o CESE considera, além disso, que seria em tais casos necessária uma harmonização em matéria penal.

3.3.2   O «metaprincípio» da subsidiariedade e o requisito «ultima ratio»

3.3.2.1   No âmbito de uma legislação europeia em matéria penal, o CESE atribui uma importância particular ao respeito do princípio da subsidiariedade, pelo facto de os valores sociais protegidos pela via penal se encontrarem estreitamente ligados com a estrutura social e a própria identidade das sociedades dos Estados-Membros. Esta identidade é consagrada pelo TFUE que refere que os Estados-Membros não devem hesitar em usar das suas prerrogativas e a acionar o chamado «travão de emergência», caso considerem que a legislação proposta afeta aspetos fundamentais do seu sistema de justiça penal (artigo 83.o, n.o 3).

3.3.2.2   O CESE considera que as regras mínimas estabelecidas ao nível europeu em matéria penal não deverão interferir na definição pelas instâncias nacionais das categorias de infrações, a qual depende, além disso, do sistema judicial vigente, e que se lhes deveria permitir definir a sua própria estratégia em matéria de aplicação da lei em estrita conformidade com o princípio da subsidiariedade.

3.3.2.3   O CESE assinala que a Comissão especifica que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, a intervenção da UE em matéria penal justifica-se unicamente se todos os Estados-Membros ou uma parte deles não lograrem fazer respeitar o direito da União com as capacidades legislativas de que dispõem. A questão de uma intervenção da UE merece ser colocada na hipótese de um único ou um pequeno número de Estados-Membros se encontrar nessa situação.

3.3.2.4   Por ser suscetível de atentar contra os direitos das pessoas, toda a legislação europeia penal deverá assentar, além disso, no princípio da proporcionalidade e, em particular, no requisito da ultima ratio que pressupõe a prova prévia de que não existe outra via menos impositiva para alcançar o objetivo almejado.

3.3.2.5   A comunicação insiste na importância da aplicação destes princípios, o que pressupõe a realização de avaliações que tenham em conta todas as medidas alternativas previstas.

3.3.2.6   O CESE é sensível à vontade afirmada pela Comissão em realizar estudos desse tipo. A Comissão anuncia que «elaborará sistemas de recolha de dados estatísticos e de elementos factuais suplementares para poder intervir nos domínios referidos no artigo 325.o, n.o 4, e no artigo 83.o, n.o 2» (ponto 2.2.2)

3.3.2.7   Em aplicação do requisito de ultima ratio, anuncia que o legislador deverá basear-se em avaliações de impacto que comportem uma «uma avaliação para determinar se os regimes de sanções dos Estados-Membros atingem o resultado desejado, bem como as dificuldades com que deparam as autoridades nacionais no âmbito da aplicação da legislação da UE». (ponto 2.2.1)

3.3.2.8   É forçoso reconhecer que as avaliações da transposição e da aplicação da legislação europeia pelos Estados-Membros e os trabalhos de investigação comparada dos vários sistemas jurídicos são neste momento uma raridade. A primeira tarefa consiste em desenvolver essas atividades. Apenas perante os seus resultados é que será realmente possível estabelecer, na opinião do CESE, o caráter «indispensável» de um esforço de harmonização.

3.3.2.9   O CESE insiste no facto de ser necessário caracterizar, ao mesmo tempo, a insuficiência do ordenamento jurídico dos Estados-Membros e a natureza das dificuldades causadas ao nível da União pelas diferenças de conceção em matéria de incriminação, de sanção e de eficácia repressiva.

3.3.2.10   O CESE considera que o instrumento penal europeu deverá, ele também, ser objeto de uma avaliação científica e independente que apreciará a sua eficácia e o seu impacto nos direitos fundamentais. Só com uma tal avaliação se poderá reforçar as medidas realmente eficazes e abandonar as que não são. Tal pressupõe que os Estados-Membros se dotem de um instrumento financeiro específico que lhes permita afetar, no âmbito do seu orçamento, os recursos financeiros necessários e que seja definida, ao nível europeu, uma metodologia comum para a definição dos principais indicadores e instrumentos de avaliação.

3.3.2.11   O CESE está ciente de que a reflexão sobre o princípio da subsidiariedade em matéria de legislação penal se encontra numa fase muito preliminar e a jurisprudência é ainda incipiente. Sublinha, neste contexto, o interesse de desenvolver essa reflexão a fim de melhor demarcar este conceito. Em termos mais gerais, considera que se deveria refletir mais a fundo sobre os princípios que servem de base a toda a legislação europeia em matéria penal.

3.3.2.12   Na opinião do CESE, convém aprofundar as razões apontadas na comunicação para demonstrar o valor acrescentado de uma intervenção da UE em matéria penal.

3.3.2.12.1   Em particular, se o argumento das diferenças entre as sanções aplicadas na UE coloca sobretudo a questão, segundo o CESE, de discriminações entre cidadãos da UE relativamente aos direitos fundamentais, é preciso relativizá-lo: primeiro, em virtude do poder discricionário do juiz em muitos Estados e, depois, porque o efeito dissuasor depende antes de mais na eficácia dos serviços incumbidos da aplicação da lei.

3.3.2.12.2   O CESE sublinha que, de qualquer modo, uma aproximação gradual das regras do direito penal de caráter substancial não será organicamente exequível com base na cooperação entre as autoridades judiciais nacionais, a qual deverá ser assegurada por uma dotação específica. Chama a atenção para o facto de a harmonização almejada não poder apagar completamente as diferenças entre os processos penais e, em particular, na conceção do contraditório e dos direitos de defesa.

3.3.2.12.3   O CESE chama, além disso, a atenção para o facto de, sempre que se afigure indispensável uma intervenção em matéria de direito penal, será necessário optar por uma harmonização das normas que disciplinem a produção de provas.

3.3.2.13   Por último, o CESE recorda que, face ao requisito de ultima ratio, convém explorar a via dos instrumentos de prevenção (sobretudo mediante ações no domínio social), que é possível combinar eficazmente com sanções penais.

3.3.3   Outros princípios

3.3.3.1   O CESE lembra ainda que, em aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o legislador tem o dever de garantir a clareza e a exatidão na enumeração das incriminações, a qual não é mais do que o reflexo de uma obrigação geral de segurança jurídica. Ora, na opinião do CESE, esta obrigação deveria ser extensível a comportamentos secundários como a tentativa e a cumplicidade cuja definição varia consoante o Estado-Membro.

3.3.3.2   Conforme salienta a Comissão, o propósito de aproximar as legislações não deverá aumentar os níveis das sanções aplicáveis nos vários Estados-Membros. Remetendo para o princípio da coerência (vertical), o CESE recorda que as penas mínimas previstas pela UE não devem conduzir a um agravamento das penas máximas incorridas dentro de um Estado-Membro, o qual entraria em conflito com o sistema jurídico desse Estado (artigo 67.o, n.o 1, do TFUE). Convida a estabelecer uma distinção entre as noções de severidade e de eficácia, a fim de avaliar uma sanção.

3.3.3.3   Tratando-se de sanções preconizadas pela UE, o CESE considera oportuno ter igualmente em conta, no respeito da coerência horizontal, os níveis das sanções penais já fixados por atos jurídicos europeus.

3.4   Noções jurídicas a clarificar

3.4.1   A Comissão teve manifestamente o propósito de lançar um debate antes mesmo de definir certas noções essenciais. Daí constatar-se uma certa falta de clareza na comunicação. O CESE não tem dúvidas quanto ao alcance político do documento, mas lamenta que o debate não possa fundar-se, como teria desejado, em bases sólidas. Salienta, nomeadamente, a complexidade de uma distinção, aliás necessária, entre as noções de sanção penal e de sanção administrativa, interrogando-se o que se entende por «violação grave» do direito da União.

3.4.2   Os trabalhos do grupo de peritos deveriam contribuir para remover certas ambiguidades. O CESE zelará para que os peritos sejam, conforme anunciado, realmente designados dentre juristas, advogados, magistrados, criminologistas, etc.

3.5   A que setores se deve estender a intervenção da UE em matéria penal?

3.5.1   A comunicação menciona, acertadamente, alternativas ao direito penal, mas sem extrair daí, na opinião do CESE, todas as consequências. A reação da UE a comportamentos desviantes em matéria financeira, social e económica deverá ser, a seu ver, integrar também a opção económica, ou seja, sanções administrativas e civis (por exemplo, a proibição do exercício de uma profissão).

3.5.2   A falta de uma estratégia global em matéria de política penal ao nível europeu implica uma falta de justificação rigorosa para a lista dos setores em que a Comissão poderia ponderar adotar iniciativas.

3.5.3   A intervenção da UE deveria basear-se, na opinião do CESE, em três critérios: o nível de gravidade (a definir), a dimensão transnacional da infração e, além disso, o critério comum do seu «caráter atentatório», em função da importância do interesse afetado.

3.6   Qual o nível de harmonização?

3.6.1   O CESE regista o objetivo da Comissão de estabelecer normas mínimas. O Tratado não permite que se vá além disso e exclui a harmonização completa. Todavia, regras mínimas podem traduzir uma vontade de harmonização mais ou menos ambiciosa. O CESE considera essencial definir precisamente o nível de harmonização almejado, em função dos setores considerados. Se o Parlamento Europeu conseguir imprimir a dinâmica política necessária sem deixar de garantir a legitimidade democrática, é fundamental que, ao nível nacional, os parlamentos se ocupem deste tema e se pronunciem na matéria, de acordo com as suas novas atribuições, com o fito de aumentar a confiança no direito penal europeu.

3.6.2   Isto é tanto mais verdade quanto o colossal empreendimento sem fim que constitui o trabalho de harmonização das definições das infrações e das sanções, ainda que mínima, não poderá, na opinião do CESE, afetar de modo algum a identidade de cada sistema jurídico nacional.

3.7   Direitos de defesa

3.7.1   O CESE adverte que, se para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem qualquer sanção, seja ela administrativa ou penal, comporta garantias equivalentes para o acusado (aplicação do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), na realidade dos factos podem surgir diferenças na proteção dos direitos de defesa, consoante a natureza da sanção escolhida. Esta situação de facto exige, aos olhos do CESE, uma definição clara e prévia dos casos em que se deve aplicar, respetivamente, uma sanção administrativa ou uma sanção penal.

3.7.2   Para melhor proteger os direitos de defesa em caso de sanção administrativa, o CESE é favorável à instauração de princípios destinados à sua jurisdicionalização.

3.7.3   O CESE insiste em sublinhar que a questão dos direitos de defesa se coloca igualmente no âmbito da cooperação entre os serviços judiciais e de aplicação da lei (como a Eurojust e a Europol).

3.8   Questões subsidiárias

3.8.1   A questão do regime de responsabilidade (penal ou civil) a aplicar às pessoas coletivas.

3.8.1.1   O facto de certos Estados ignorarem atualmente a responsabilidade penal das pessoas coletivas cria um hiato entre a eficácia das formas de repressão possíveis e a função dos juízes competentes (penais ou civis conforme as regras estabelecidas pelo direito internacional privado; daí o risco do chamado «forum shopping», ou seja, da busca da jurisdição mais vantajosa). Por exemplo, não é preciso sublinhar que uma reação de caráter penal a grandes crimes ambientais transfronteiriços, que são geralmente da responsabilidade de empresas, é mais eficaz do que um processo restrito exclusivamente contra os responsáveis sociais, muitas vezes simples empregados. Trata-se aqui de um tema que merecia ser aprofundado, em particular a possibilidade de delegação de responsabilidade dentro da empresa, sem a qual não haveria uma equivalência na medida repressiva e, por conseguinte, no efeito de intimidação do arsenal preventivo.

3.8.1.2   Na medida em que a harmonização do direito penal das sociedades se depara com dificuldades relacionadas com a diferença de conceitos entre os Estados-Membros, as medidas repressivas contra a violação das regras fundamentais que garantem a introdução das normas europeias continuam a ter um caráter exclusivamente administrativo seja ela da iniciativa da Comissão, dos Estados-Membros e/ou das suas autoridades independentes. É essencial garantir os direitos de defesa das pessoas coletivas chamadas a responder perante estas instâncias que dispõem de poderes sancionatórios do mesmo modo como o seriam num tribunal penal.

3.8.2   Outras questões colocadas pela Comissão

3.8.2.1   É necessário definir negligência grave na legislação da União?

3.8.2.2   Fiel ao princípio de «nulla poena sine culpa», o CESE considera que, mesmo que a legislação da UE em matéria de direito penal defina o conceito de comportamento intencional, os Estados-Membros continuam a deter a competência exclusiva de instituir sanções a aplicar no caso de negligência grave (a debater).

3.8.3   É necessário introduzir medidas de confisco na legislação da União?

3.8.3.1   Embora não pareça haver nela um princípio contrário à introdução na legislação europeia de uma sanção de confisco (que não se deve confundir com apreensão de bens), nomeadamente no caso do tráfico de estupefacientes, a questão poderia ser objeto de um debate aprofundado a partir do momento em que se contemple a possibilidade de introduzir uma medida de confisco geral do património, a qual, para além de ser desconhecida em muitos sistemas jurídicos nacionais, poderia levantar a questão da proporcionalidade e da incerteza da sanção.

Bruxelas, 25 de abril de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Terrorismo, tráfico de seres humanos e exploração sexual de mulheres e crianças, tráfico ilícito de droga, tráfico ilícito de armas, branqueamento de capitais, corrupção, contrafação dos meios de pagamento, criminalidade organizada.


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