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Document 52017IE1220

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Sistemas de segurança social e de proteção social sustentáveis na era digital» (parecer de iniciativa)

JO C 129 de 11.4.2018, p. 7–10 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

11.4.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 129/7


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Sistemas de segurança social e de proteção social sustentáveis na era digital»

(parecer de iniciativa)

(2018/C 129/02)

Relator:

Petru Sorin DANDEA

Decisão da Plenária

26.1.2017

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

8.11.2017

Data da adoção em plenária

6.12.2017

Reunião plenária n.o

530

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

157/3/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A digitalização cria novas formas de emprego que exercem grande pressão sobre os sistemas de segurança social. O CESE recomenda aos Estados-Membros, mas também às instâncias europeias, que regulamentem estas novas formas de emprego de modo a que o empregador e o trabalhador possam ser claramente identificados. A este propósito, o CESE recomenda recorrer à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que reconheceu o estatuto de trabalhador a pessoas que, embora não tivessem um contrato de trabalho tradicional, exerciam uma atividade remunerada por conta de outrem.

1.2.

Em muitos casos, o contrato individual de trabalho está na base do financiamento dos atuais sistemas de segurança social. Muitas das novas formas de atividade económica e de emprego que surgiram na sequência da evolução da tecnologia digital parece estarem excluídas do âmbito do contrato de trabalho. O CESE entende que esta situação é extremamente arriscada para os trabalhadores que exercem uma atividade nestas condições, na medida em que deixam de estar protegidos pela regulamentação em matéria de salários, de condições de trabalho ou de segurança social.

1.3.

O CESE considera que os Estados-Membros devem ponderar instituir, na legislação nacional que rege os sistemas de pensões, a obrigatoriedade a todas as pessoas que exercem uma atividade profissional remunerada do pagamento de uma contribuição. Esta medida impõe-se dado que, em muitos casos, os trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho criadas pela digitalização não estão devidamente abrangidos pelas atuais disposições dos regulamentos relativos aos sistemas de pensões.

1.4.

O CESE considera que os Estados-Membros devem ponderar uma interligação entre os sistemas eletrónicos do organismo que administra o sistema nacional de pensões ou o sistema de seguros de saúde e os da administração fiscal. Tal permitiria aos Estados-Membros identificar rapidamente as pessoas que, embora exerçam uma atividade profissional remunerada, não se encontram seguradas através dos sistemas públicos de pensões ou de seguros de saúde.

1.5.

Os Estados-Membros, na sua regulamentação, conferem igualmente aos beneficiários dos sistemas nacionais de proteção social outros direitos a prestações. Entre eles, contam-se a licença parental, os abonos de família, o abono por filho a cargo, bem como outros tipos de prestações. Apesar de estes direitos serem frequentemente de natureza não contributiva, as respetivas prestações são atribuídas com base no critério da elegibilidade, que, em muitos casos, exige que o potencial beneficiário tenha o estatuto de assalariado. O CESE recomenda aos Estados-Membros que procurem soluções para que os trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho estejam devidamente cobertos por tais prestações.

1.6.

O CESE considera que uma reforma geral do modo de financiamento do sistema pode constituir uma solução global para os problemas relacionados com o reconhecimento dos direitos em matéria de segurança social dos trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho. O CESE insta os Estados-Membros a procurarem soluções de financiamento que permitam assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social e o acesso aos mesmos às pessoas que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho. Poder-se-ia considerar a possibilidade de utilizar uma parte do «dividendo da digitalização» para assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social também no futuro e aliviar o fardo que pesa sobre o fator trabalho.

1.7.

O CESE considera que os debates lançados pela Comissão Europeia sobre o desenvolvimento do pilar europeu dos direitos sociais devem obrigatoriamente abordar a situação dos trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho e, sobretudo, o modo de reconhecimento do seu estatuto, bem como a garantia do seu acesso adequado à segurança social e à proteção social.

2.   Contexto — A digitalização e os seus efeitos nos sistemas de segurança social e de proteção social

2.1.

A digitalização induz alterações profundas na economia, nos mercados de trabalho e na sociedade em geral, a nível nacional, regional e mundial. Embora se reconheça que a digitalização traz benefícios evidentes, é também claro que constituirá um desafio para muitas das estruturas da sociedade e da economia e poderá ter um impacto negativo em certos setores incapazes de se adaptar ao novo contexto. O sistema de segurança social é um dos setores em que a digitalização poderá ter impacto negativo no sistema de segurança social.

2.2.

Na Europa, os sistemas de segurança social, tal como são conhecidos hoje, foram concebidos há mais de um século e, em grande medida, assentam na relação direta com o mercado de trabalho, sendo essencialmente financiados pelas contribuições pagas por trabalhadores e empregadores e, a diversos níveis, pelos impostos. Em muitos Estados-Membros, a existência de um contrato individual de trabalho registado oficialmente é a condição essencial para determinar a qualidade de segurado de um assalariado nos três principais pilares do sistema de segurança social: seguro de pensões, seguro de saúde e seguro de desemprego.

2.3.

A digitalização originou e origina alterações profundas no mercado de trabalho. Estas alterações dizem respeito à heterogeneidade nas formas de contratação distintas dos pressupostos em que assenta o contrato individual de trabalho permanente que, nas últimas décadas, foi predominante nas relações laborais. Com efeito, estas novas formas de trabalho, disfarçadas sob a designação de «contratante independente» ou de «associado», foram criadas, em alguns casos, precisamente para contornar os conceitos tradicionais de «trabalhador por conta de outrem», «empresário» ou «trabalhador por conta própria» (1). Os sistemas de segurança social têm de adaptar-se a este contexto para que possam continuar a ser sustentáveis e adequados a longo prazo.

2.4.

À medida que os numerosos trabalhadores da chamada geração do baby boom forem saindo do mercado de trabalho, sendo, em certa medida, substituídos por trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho, como, por exemplo, o contrato de zero horas, os contratos a pedido ou os contratos de direito civil, a segurança social e os sistemas de proteção social serão submetidos a uma pressão cada vez maior. Esta pressão aumentará proporcionalmente ao agravamento do fenómeno de envelhecimento da população europeia.

2.5.

Neste contexto, é evidente que os sistemas de segurança social e de proteção social devem ser adaptados às alterações já provocadas pela digitalização no mercado do trabalho. Em alguns Estados-Membros, os parceiros sociais encetaram o diálogo necessário no sentido de identificar as opções políticas e as medidas que devem ser aplicadas para assegurar que o sistema de assistência social se mantém viável e adequado neste novo contexto da digitalização. São igualmente necessárias diretrizes para clarificar as eventuais zonas cinzentas do estatuto de emprego no que diz respeito à fiscalidade e à segurança social.

2.6.

É possível que uma percentagem crescente da população ativa não contribua para os sistemas de segurança social existentes, ou beneficie dos mesmos, nomeadamente no caso de prestações de desemprego, de saúde e de pensões. Esta situação deve ser analisada com acuidade pelos parceiros sociais e governos dos Estados-Membros, mas as discussões devem ser alargadas a nível da União Europeia e envolver os poderes locais, outros atores da sociedade civil, associações e prestadores, a fim de definir medidas políticas e legislativas viáveis e sustentáveis e ações complementares que assegurem o acesso de todos os trabalhadores a níveis adequados de proteção social, incluindo os trabalhadores por conta própria.

3.   Políticas em favor da sustentabilidade dos sistemas de segurança social e de proteção social na era digital

3.1.

A digitalização originou e origina alterações profundas no mercado de trabalho. Hoje em dia há muitas formas de contratação que não se inserem no âmbito da relação do tipo empregador-trabalhador tradicional, tais como os trabalhadores de plataformas, frequentemente considerados trabalhadores por conta própria. Este fenómeno exerce uma forte pressão sobre os sistemas de segurança social. O CESE recomenda aos Estados-Membros que tenham em conta e, se necessário, regulamentem estes fenómenos no âmbito das reformas que realizarem nos seus mercados de trabalho e sistemas de segurança social.

3.2.

A legislação aplicável ao mercado de trabalho em vigor na maioria dos Estados-Membros estabelece que a relação laboral assenta no contrato individual de trabalho. Muitas das novas formas de emprego que surgiram na sequência da evolução das tecnologias digitais já não recorrem a contratos de trabalho. O CESE entende que a situação destes trabalhadores deve ser clarificada de modo a poderem usufruir de uma cobertura adequada, de acordo com os princípios fundamentais dos sistemas nacionais no que diz respeito ao mercado de trabalho e à segurança social. A perda do emprego tornaria estes trabalhadores diretamente vulneráveis à pobreza pelo facto de não estarem protegidos pelo sistema de proteção social.

3.3.

Os sistemas públicos de pensões dos Estados-Membros baseiam-se no princípio da solidariedade intergeracional. No entanto, o montante da pensão de reforma é geralmente calculado com base na carreira em função do valor das contribuições pagas pelo trabalhador e pelo empregador ao longo de todo o período de vida ativa. Tal significa que os trabalhadores em situações laborais atípicas, que não se baseiam no contrato de trabalho tradicional, em muitos casos, terão dificuldade em constituir direitos a uma pensão adequada relativamente a esses períodos. Se os períodos de atividade sem contrato de trabalho forem longos, o nível da pensão que receberão será, com toda a certeza, extremamente baixo, havendo o risco de essas pessoas se encontrarem abaixo do limiar de pobreza. O CESE considera que os Estados-Membros devem instituir, na legislação nacional que rege os sistemas de pensões, a obrigatoriedade de pagamento de uma contribuição para todas as pessoas que exercem uma atividade profissional remunerada.

3.4.

A maioria dos Estados-Membros impõe, na respetiva legislação sobre pensões, aos trabalhadores por conta própria a obrigatoriedade do pagamento de contribuições para o regime de pensões. As definições relativas à atividade por conta própria e ao trabalho por conta de outrem são regulamentadas pela legislação fiscal ou pela legislação laboral. Contudo, em muitos casos, as autoridades têm dificuldades em identificar a natureza da atividade, especialmente quando se trata de trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho. O CESE recomenda aos Estados-Membros que clarifiquem a legislação, sempre que necessário, de modo que as formas de atividade por conta de outrem possam ser identificadas mais facilmente. Assim, os trabalhadores que exercem uma atividade em linha ou enquadrada noutras novas formas de trabalho poderão ser identificados mais facilmente e os Estados-Membros poderão proteger melhor a constituição dos seus direitos à pensão.

3.5.

A fim de facilitar a identificação dos trabalhadores que, pelo facto de num determinado momento exercerem uma atividade que se enquadra numa nova forma de trabalho, não estão cobertos pelo sistema público de pensões, o CESE considera que os Estados-Membros devem ponderar uma interligação entre os sistemas eletrónicos do organismo que administra o sistema nacional de pensões e os da administração fiscal. Tal permitiria aos Estados-Membros identificar rapidamente as pessoas que, não obstante exercerem uma atividade remunerada, não se encontram seguradas no sistema público de pensões. Desta forma, estas passariam rapidamente a fazer parte da categoria de pessoas seguradas.

3.6.

No que diz respeito ao seguro de desemprego, o CESE recomenda que se examine em maior profundidade a proposta apresentada relativa à criação de um seguro que funcione a nível da UE (2), se tal regime for financiado pelas contribuições pagas por todas as empresas da UE. Além disso, também importa examinar a possibilidade de introduzir normas mínimas europeias nos regimes nacionais de seguro de desemprego, em parte para assegurar que qualquer pessoa à procura de emprego possa beneficiar de apoio financeiro, incluindo quem tenha exercido uma atividade enquadrada em novas formas de emprego.

3.7.

Os sistemas nacionais de seguro de saúde da UE são sistemas que proporcionam uma cobertura quase universal. Os trabalhadores por conta própria têm, muitas vezes, a obrigação legal de contribuírem para o sistema público de seguros de saúde, tendo por conseguinte a qualidade de segurados, nomeadamente de beneficiários. Porém, alguns dos trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada numa das novas formas de trabalho e que não declaram oficialmente os rendimentos profissionais correm o risco de não beneficiar da qualidade de segurado no sistema público de seguros de saúde. O CESE insta os Estados-Membros a tomarem as medidas necessárias para assegurar a cobertura das pessoas nesta situação.

3.8.

Para além dos direitos de segurança social baseados no pagamento de uma contribuição pelo trabalhador e pelo empregador, alguns Estados-Membros, na sua regulamentação, conferem aos beneficiários dos sistemas nacionais de proteção social outros direitos a prestações. Entre eles, contam-se a licença parental, os abonos de família, o abono por filho a cargo, bem como outros tipos de prestações. Apesar de estes direitos serem de natureza não contributiva, as respetivas prestações são atribuídas com base no critério da elegibilidade, que, em alguns Estados-Membros e em alguns casos, exige que o potencial beneficiário tenha o estatuto de assalariado. Esta situação exclui de facto os trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho e que não podem beneficiar do reconhecimento desses direitos.

3.9.

O CESE considera que as instituições europeias e os Estados-Membros devem envidar esforços no sentido de procurar soluções para que seja reconhecido o estatuto de trabalhador às pessoas que exercem novas atividades profissionais específicas às tecnologias digitais. A este propósito, o CESE recomenda recorrer à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que reconheceu o estatuto de trabalhador a pessoas que, embora não tivessem um contrato de trabalho tradicional, exerciam uma atividade remunerada por conta de outrem. O facto de se reconhecer o estatuto de trabalhador a essas pessoas poderia constituir uma solução para poderem beneficiar do sistema de segurança e de proteção social, tal como acontece no caso dos trabalhadores tradicionais.

3.10.

O CESE felicitou a Comissão Europeia por ter lançado debates sobre o desenvolvimento do pilar europeu dos direitos sociais. Estes debates devem obrigatoriamente abordar a situação dos trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho e, sobretudo, o modo de reconhecimento do seu estatuto, bem como as formas de assegurar o acesso a prestações adequadas financiadas pelos sistemas de segurança social e de proteção social.

3.11.

O CESE recomenda aos Estados-Membros que organizem plataformas com a participação dos parceiros sociais e de organizações da sociedade civil e que apresentem propostas de adaptação do mercado de trabalho ao contexto da digitalização. Para responder aos desafios colocados pela era da digitalização, o CESE considera que o mercado de trabalho deve adaptar-se às novas realidades, garantindo a livre circulação de trabalhadores, mas também a cobertura dos mesmos por regimes de segurança social e por regulamentos em matéria de condições de trabalho.

3.12.

Tendo em conta a complexidade da situação em que se encontram os trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho específicas da era digital, o CESE considera que importa procurar uma solução global para os problemas relacionados com o reconhecimento dos direitos de segurança social dessas pessoas, através de uma reforma geral da forma de financiamento do sistema. Por conseguinte, o CESE insta os Estados-Membros a procurarem soluções para o financiamento dos sistemas de segurança social com meios que permitam assegurar a sua sustentabilidade, e a atenderem à necessidade de proporcionar aos trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho o acesso aos mesmos. Poder-se-ia considerar a possibilidade de utilizar uma parte do «dividendo da digitalização» para assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social também no futuro e aliviar o fardo que pesa sobre o fator trabalho.

Bruxelas, 6 de dezembro de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  The world of work we want [O mundo do trabalho que queremos] — OIT — Conferência do CESE sobre o futuro do trabalho, realizada em Bruxelas, em 15 e 16 de novembro de 2016.

(2)  JO C 230 de 14.7.2015, p. 24.


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