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Document 52004IE1431

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Mutações industriais e auxílios estatais no sector siderúrgico»

JO C 120 de 20.5.2005, p. 37–46 (ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, NL, PL, PT, SK, SL, FI, SV)

20.5.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 120/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Mutações industriais e auxílios estatais no sector siderúrgico»

(2005/C 120/09)

Em 29 de Janeiro de 2004, nos termos do disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar parecer sobre as «Mutações industriais e auxílios estatais no sector siderúrgico».

A Comissão Consultiva das Mutações Industriais, incumbida da elaboração dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 9 de Setembro de 2004, tendo sido relator Göran LAGERHOLM e co-relator Albrecht KORMANN.

Na 412.a reunião plenária, de 27 e 28 de Outubro de 2004 (sessão de 27 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 154 votos a favor, 3 votos contra e 11 abstenções, o presente parecer.

1.   Introdução, objectivo e âmbito do parecer — Definições

1.1

O presente parecer de iniciativa foca a relação existente entre a mutação industrial e os auxílios de Estado, à luz do exemplo do sector siderúrgico.

1.2

Os autores do presente parecer de iniciativa entendem por «mutação industrial», o processo normal e constante de adaptação activa de um sector industrial aos movimentos dinâmicos ocorridos num determinado ramo económico por forma a manter a competitividade e criar oportunidades de crescimento.

1.3

A Europa não pode subtrair-se a uma mutação industrial constante. Ante uma globalização crescente dos mercados, as estruturas económicas terão, mais tarde ou mais cedo, de se adaptar aos acontecimentos que ocorrem no mercado mundial. Perante este contexto, a União Europeia tem de esforçar-se por desempenhar um papel activo na definição do enquadramento internacional.

1.4

O presente parecer de iniciativa tem por fundamento:

a cessação de vigência do Tratado CECA em 2002;

a privatização e reestruturação das indústrias siderúrgicas dos países da Europa Central e Oriental (PECO) no contexto do processo de adesão à UE;

as negociações na OCDE sobre um acordo internacional em matéria de subvenções ao sector siderúrgico;

a última edição do painel de avaliação dos auxílios estatais da UE;

a comunicação da Comissão Europeia — «Acompanhar as mutações estruturais: uma política industrial para a Europa alargada» (COM(2004) 274) publicada em Abril de 2004; e

o relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – «Primeiro relatório de acompanhamento da reestruturação do sector siderúrgico na República Checa e na Polónia» (COM(2004) 443 final) de 7 de Julho de 2004.

À luz do exemplo da indústria siderúrgica, o presente parecer de iniciativa analisa o modo como os auxílios estatais actuam sobre mutações industriais que se asseveram necessárias.

1.5

As empresas que não beneficiam de auxílios de Estado para assegurar a respectiva competitividade apresentam, frequentemente, uma desvantagem competitiva em relação aos seus concorrentes que beneficiam destas ajudas. As consequências negativas para o desenvolvimento destas empresas podem ser graves, podendo, em última instância, forçá-las a sair do mercado. Não obstante este facto, a experiência recolhida ao longo de várias décadas de reestruturação da indústria siderúrgica na Europa revela que os decisores políticos resistem com frequência a tomar a decisão de inviabilizar o pagamento de subvenções a grandes empresas, que empregam naturalmente um elevado número de trabalhadores, em risco de encerramento. Regra geral, isto significa que as sobrecapacidades e as actividades não rentáveis são mantidas no mercado para além do momento de saída por este imposto. Os indispensáveis processos de adaptação são postos em prática com hesitação.

1.6

Contudo, reina actualmente nos sectores político, económico e sindical consenso geral quanto à inevitabilidade da mutação industrial e também quanto à necessidade de estruturar esta mutação no âmbito de acordos-quadro internacionais (p. ex., OMC, OCDE, OIT, etc.). Este reconhecimento baseia-se na experiência adquirida ao longo de décadas de mutação industrial na indústria siderúrgica e do carvão. A reestruturação e a consolidação, bem como o diálogo social que as acompanha, são actualmente globalmente reconhecidos como pré-requisitos ou melhor enquadramentos necessários para assegurar a competitividade das empresas europeias em mercados cada vez mais integrados.

1.7

A Comissão Europeia referiu na sua comunicação sobre política industrial apresentada em finais de Abril de 2004 (1) que a mutação industrial não deve ser equiparada a um processo de desindustrialização absoluta. Esta última, caracteriza-se por uma diminuição concomitante do emprego, da produção e do crescimento da produtividade. A desindustrialização absoluta tem por consequência a perda de empregos de fraca produtividade para países em desenvolvimento e emergentes caracterizados por custos de trabalho mais baixos. A causa principal desta transferência de empregos reside no facto de as estruturas dos custos comparados serem mais favoráveis em países terceiros.

1.8

A Comissão Europeia conclui, no entanto, na sua análise em matéria de política industrial que, actualmente, para além da indústria mineira, a desindustrialização só ocorre num número reduzido de sectores (têxtil, vestuário, couro-calçado, construção e reparação navais, refinação de petróleo, produção e transformação de carvão e combustíveis nucleares). A mutação industrial é, sem dúvida, dolorosa para uma região, mas de um ponto de vista económico global é benéfica desde que antecipada, identificada e acompanhada de forma adequada.

1.9

A diminuição proporcional da percentagem da indústria na actividade económica global reflecte um processo estrutural a longo prazo. Apesar de a maioria dos sectores industriais, como o sector siderúrgico, ter reduzido consideravelmente o número dos seus trabalhadores ao longo das últimas décadas, estes sectores testemunharam, simultaneamente, um notório aumento do valor acrescentado dos seus produtos e da produtividade do seu trabalho.

1.10

O aumento da importância social do sector dos serviços é geralmente considerado pela opinião pública como um exemplo de um processo de mutação estrutural a expensas da indústria. Esta transferência carece, no entanto, de ser perspectivada à luz da interligação crescente entre estes dois sectores. Ao longo das últimas décadas, as indústrias de transformação têm «externalizado» inúmeras actividades (transporte, logística, processamento de dados, etc.), passando-as para fornecedores de serviços externos. Assim, há que fazer prova de prudência e de extrema cautela ao interpretar as estatísticas sobre mutação industrial. As ilações incorrectas, baseadas em análises superficiais ou em meias verdades de cariz político, podem despoletar rapidamente consequências industriais fatídicas.

1.11

Numa União Europeia baseada no conhecimento, o valor acrescentado da indústria continua a ser um elemento essencial. Tendo em conta o valor acrescentado global gerado por outros sectores da economia para a indústria, é evidente que, desde o início dos anos noventa, a indústria manteve a sua extrema importância para a UE. Na Alemanha, por exemplo, tendo em conta estes valores de prestação combinados, a indústria continua a representar uns bons 40 % do valor acrescentado bruto.

1.12

À luz da experiência (por vezes muito dolorosa) passada e com a privatização e a reestruturação a remontarem a há já cerca de 30 anos, a Comissão Europeia vem agora propor que as futuras medidas estruturais (tomadas nos PECO no sector do aço e noutros sectores) se baseiem na experiência adquirida pelo sector siderúrgico da UE na aplicação de medidas de adaptação.

1.13

As últimas décadas viram surgir alterações consideráveis no ambiente político, tecnológico e económico em que opera o sector siderúrgico comunitário. As crises petrolíferas, o mercado interno comunitário, o alargamento da UE e ainda a globalização deixaram uma marca profunda neste sector de produção de matéria-prima, importante para tantos outros sectores industriais. Não obstante todas as flutuações estruturais e conjunturais ocorridas desde a primeira crise em 1975, o nível de produção de aço na UE tem, contudo, permanecido virtualmente estável. Praticamente todos os quinze Estados-Membros da UE ainda produzem aço nos dias de hoje. Actualmente, porém, a produção de aço requer apenas aproximadamente um terço dos trabalhadores necessários em 1975, em virtude do progresso tecnológico. A percentagem de siderurgias na UE-15 em que o Estado detém uma posição dominante caiu de 53 % em 1985 para menos de 10 % nos dias de hoje. Ademais, as empresas estatais estão actualmente sujeitas às mesmas condições económicas que as empresas privadas.

1.14

Perante este contexto, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI) do Comité Económico e Social Europeu sente-se entusiasmada com a tarefa de examinar o papel que os auxílios estatais desempenham em geral no âmbito da mutação estrutural, bem como o papel que desempenharam especificamente ao nível da indústria siderúrgica comunitária. Para efeitos do presente parecer de iniciativa, entende-se por «sector siderúrgico» todas as actividades industriais relacionadas com a produção e comercialização do aço, bem como o papel fundamental que este sector desempenha para os sectores utilizadores de aço na UE.

2.   Auxílios de Estado e respectivo impacto geral

2.1

Os auxílios estatais são benefícios selectivos concedidos por organismos públicos a determinados ramos de produção e, em última análise, a determinados grupos. Por forma a determinar que tipo de medidas constitui um auxílio estatal, há que efectuar uma distinção entre as medidas que pretendem favorecer certas empresas ou certas produções, nos termos do n.o 1 do artigo 87.o do Tratado CE, e as medidas gerais, também aplicadas nos Estados-Membros, mas que visam beneficiar a economia no seu conjunto. As medidas que recaem nesta última categoria não constituem auxílio estatal na acepção do n.o 1 do artigo 87.o do Tratado, sendo consideradas como medidas gerais de política económica, igualmente aplicáveis a todas as empresas (por exemplo, benefícios fiscais gerais para prémios ao investimento).

2.2

Contudo, há que ter em mente que as actividades económicas em economias de mercado orientam-se pela situação da oferta e da procura e coordenam-se através do mecanismo dos preços. Assim, quaisquer medidas que comprometam o papel do factor preço no fornecimento de informação, orientação e estímulo podem, em princípio, vir a ser prejudiciais.

2.3

Os auxílios estatais podem comprometer de forma duradoura a livre concorrência, obstar a uma afectação eficaz dos recursos e constituir uma ameaça ao mercado interno da UE. A União Europeia reconhece, portanto, que a salvaguarda de uma concorrência livre e isenta de distorções é um dos princípios basilares da Comunidade.

2.4

A atribuição de auxílios estatais específicos (ajuda financeira ou benefícios fiscais) só se justifica se o mercado não estiver ainda totalmente operacional e se houver uma possibilidade realista de a concessão de subvenções conduzir a um melhor resultado económico. Em caso de inoperância do mercado, a intervenção do Estado, sob a forma de ajuda financeira, pode ser útil para evitar uma atribuição deficiente de recursos. Contudo, raras vezes o Estado possui o conhecimento necessário para assegurar a injecção do montante correcto de financiamento público necessário em caso de inoperância do mercado. As empresas que lutam com grandes dificuldades só com alguma reserva podem ser consideradas como fontes de informação em matéria de auxílios estatais.

2.5

A perpétua mutação do mercado é outro factor que dificulta a situação. Um auxílio estatal justificado inicialmente, pode, com o passar do tempo, deixar de ser necessário de um ponto de vista económico, mas continuar, porém, a ser concedido, simplesmente devido à lentidão do processo político ou devido à influência exercida por grupos de interesses regionais ou sectoriais.

2.6

A concessão de auxílios estatais fomenta, igualmente, com frequência, alterações nos padrões de comportamento dos intervenientes no mercado. Estes ao receberem subvenções tendem a perder a motivação para efectuar as adaptações necessários à manutenção ou restabelecimento da competitividade das respectivas empresas. As empresas subvencionadas podem também desenvolver uma mentalidade de «subsídio-dependência».

2.7

No mínimo a médio prazo, os auxílios estatais podem igualmente conduzir a um aumento da carga fiscal. A redução dos auxílios estatais é vital não só como meio para alcançar uma consolidação orçamental duradoura, mas também por razões de ordem económica e reguladora. A adopção de uma abordagem incorrecta em matéria de subvenções irá obstar às mutações estruturais.

2.8

Com o objectivo de proceder à necessária redução do volume global de auxílios estatais concedidos, fizeram-se vários apelos nas conclusões de diversas reuniões dos conselhos de ministros para que se passasse a apoiar mais os objectivos horizontais de interesse comum, incluindo objectivos de coesão, em vez de empresas individuais ou de ramos económicos. Os auxílios estatais concedidos a título de concretização de objectivos horizontais visam compensar, regra geral, uma inoperância do mercado, acarretando normalmente menos distorções da concorrência do que os auxílios sectoriais e os auxílios ad hoc. A grande maioria dos auxílios concedidos sob esta última forma serve para salvar ou reestruturar empresas em dificuldades.

2.9

Os principais objectivos horizontais que se pretende alcançar com financiamento público são os seguintes:

investigação e desenvolvimento,

preservação do ambiente,

poupança de energia,

apoio às PME,

criação de emprego e

incentivo à formação.

Influência estatal na indústria siderúrgica europeia

2.10

O Estado tem exercido tradicionalmente influência considerável no âmbito da indústria siderúrgica. Não são estranhas a este facto considerações de ordem militar e de segurança, podendo-se mesmo afirmar que desempenharam um papel preponderante. Para ilustrar a ordem de grandeza da influência do Estado, realça-se o facto de, em 1980, cerca de 60 % da produção mundial de aço ser ainda oriunda de empresas que estavam directa ou indirectamente sob a alçada do Estado.

2.11

Quando as empresas siderúrgicas são propriedade do Estado, é este que, regra geral, assume largamente as perdas, o que corresponde na prática a uma garantia de sobrevivência para as empresas. Do ponto de vista da eficácia da concorrência, esta situação é tão prejudicial como a concessão de auxílios estatais para consolidar a posição concorrencial de empresas ou para prevenir o encerramento iminente de empresas que não são directamente controladas pelo Estado. Para além das medidas económicas tomadas para impedir estes encerramentos, acrescem ainda medidas de ordem política. Daqui pode resultar que o ónus de adaptação seja transferido para empresas mais competitivas ou que se desencadeie uma espiral de intervenção.

2.12

Assim, actualmente, para além da ajuda ao encerramento, a única ajuda que pode ser concedida à indústria siderúrgica europeia são os auxílios horizontais. Ante o ritmo extremamente lento do processo de mutação estrutural até finais da década de noventa, a indústria siderúrgica europeia reconheceu finalmente a necessidade de deixar os auxílios sectoriais e ad hoc e passar para os auxílios horizontais. Este reconhecimento foi ainda mais longe tendo o sector renunciado inclusive aos auxílios regionais no âmbito do seu regime de auxílios (2).

2.13

Na União Europeia dá-se extrema importância ao controlo de toda a despesa pública nacional. A Comissão Europeia tem de assegurar que a política de auxílios comunitária assenta numa supervisão e utilização transparentes dos auxílios estatais, como já acontece no sector siderúrgico.

2.14

A Comissão Europeia está actualmente a proceder ao exame das orientações gerais e das condições básicas que regem os auxílios estatais, as quais carecem de redacção mais simples e clara. Há discrepâncias que têm de ser eliminadas. A Comissão dará prioridade às seguintes medidas: novo exame das disposições que regem os auxílios de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldades; reforma das disposições comunitárias que regem os auxílios regionais, na sequência do alargamento da UE; elaboração de novas condições básicas para avaliação do que constitui um montante relativamente pequeno de auxílio; e clarificações em matéria de serviços de interesse económico geral.

2.15

A evolução futura do regime geral de auxílios comunitários ao longo dos próximos anos tem de ter em conta o contexto internacional, em particular os compromissos multilaterais. Os auxílios a mercadorias e produtos não agrícolas estão sujeitos ao acordo da OMC sobre as subvenções e as medidas compensatórias.

3.   Política comunitária de auxílios e respectiva importância para as mutações industriais do sector siderúrgico

Contorno da proibição geral CECA à concessão de auxílios

3.1

O Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço de 1952 contém regras claras quanto à autorização de auxílios concedidos pelos Estados-Membros a empresas no sector da indústria do carvão e do aço: «Consideram-se incompatíveis com o mercado comum do carvão e do aço e, consequentemente (...) proibidos, na Comunidade, nas condições previstas no presente Tratado: (...) c) As subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados (...), independentemente da forma que assumam». Esta proibição de qualquer forma de apoio por parte dos Estados às empresas, constante da alínea c) do artigo 4.o, era uma consequência lógica da supressão de todas as medidas nacionais proteccionistas no mercado comum.

3.2

No seguimento do estabelecimento do mercado comum, tornou-se, contudo, evidente que sem apoio estatal não seria possível assegurar nem o abastecimento energético da Europa nem a produção de ferro e de aço a partir de fontes internas de carvão. A procura de uma solução que não acarretasse uma alteração do Tratado CECA levou os decisores políticos a propor a reinterpretação de determinados tipos de auxílios de Estado como ajuda comunitária, a qual era, em princípio, autorizada. Recorreu-se ao artigo 95.o, adoptado para abranger todos os casos não previstos no Tratado, para se chegar a essa interpretação. Este artigo autoriza a intervenção comunitária sempre que necessária para alcançar um ou mais objectivos do Tratado.

3.3

A manutenção em funcionamento da indústria de extracção do carvão, em particular dos empregos a ela associados, era um desses objectivos. Desde então, os auxílios concedidos pelos Estados-Membros às suas empresas mineiras em troca de um abastecimento energético e de uma produção de aço garantidos passaram a ser considerados ajuda comunitária.

3.4

Na década de setenta, muitos Estados-Membros nem sequer se preocupavam em recorrer a este subterfúgio para justificar a ajuda que concediam às empresas siderúrgicas. Pelo contrário, pagavam milhões, a maior parte sem que fossem levantadas quaisquer objecções, inicialmente para fomentar a expansão do sector do aço e, posteriormente, para manter em funcionamento estas empresas, a maioria das quais controlada pelo Estado. Já no início dos anos oitenta, o então Director-Geral para a Concorrência da Comissão declarou abertamente que a proibição dos auxílios constante do Tratado CECA era obsoleta.

3.5

A partir de 1978, as empresas siderúrgicas privadas, que tinham sofrido consideravelmente devido a distorções da concorrência resultantes da «corrida aos auxílios» começaram a ver as suas tentativas para repor a proibição às subvenções a dar fruto.

3.6

O Código dos Auxílios à Siderurgia, baseado no artigo 95.o, estipulava que a partir de 1980 os auxílios a empresas siderúrgicas só seriam autorizados no âmbito de circunstâncias rigorosamente definidas. Contudo, os tipos de auxílios permitidos inicialmente incluíam, de qualquer das maneiras, a quase totalidade das ajudas já concedidas pelos Estados-Membros às suas empresas. Assim, na sua grande maioria, o primeiro código dos auxílios só serviu para legalizar as práticas existentes. Só gradualmente se começaram a proibir por completo os tipos de auxílios que mais prejudicavam a concorrência, nomeadamente os auxílios de emergência e ao funcionamento e investimento.

3.7

A partir da segunda metade da década de oitenta, o código dos auxílios só autorizava ajudas à investigação e desenvolvimento, ao ambiente e ao encerramento. Não obstante, algumas empresas controladas pelo Estado ainda receberam financiamento público até meados dos anos noventa para pagamento de dívidas e para reestruturação, financiamento este fundamentado em mais derrogações feitas ao abrigo do artigo 95.o

3.8

Por fim, a concessão de mais «ajudas comunitárias» passou a ser subordinada a reduções importantes da capacidade de produção. Finalmente, chegou-se a um consenso entre os Estados-Membros, segundo o qual não seriam permitidas mais derrogações à proibição das subvenções, para além das permitidas no código dos auxílios.

3.9

Esta legislação estrita em matéria de auxílios à siderurgia, que os fundadores da Tratado CECA já tinham tido em mente e cuja responsabilidade passou a ser assumida pela Comissão após o termo de vigência do mesmo em 2002, foi igualmente conseguida graças aos esforços políticos contínuos e às acções judiciais interpostas pela indústria siderúrgica. Mesmo que nem todas as queixas apresentadas perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tenham culminado na supressão da autorização da concessão de auxílio objecto de contestação, serviram contudo para ajudar a definir de forma precisa e restringir ainda mais os limites jurídicos das derrogações à proibição dos auxílios à siderurgia.

3.10

O valor total do financiamento canalizado para as empresas siderúrgicas CECA é considerável: mais de 70 mil milhões de euros desde 1975! Este montante reparte-se como segue:

entre 1975 e 1980, na altura da entrada em vigor do código dos auxílios, foram concedidos cerca de 12 mil milhões de euros em auxílios de Estado na UE;

entre 1980 e 1985, ou seja no período em que as subvenções eram autorizadas sem grandes restrições em matéria de redução de capacidades, a Comissão Europeia autorizou o pagamento de cerca de 41 mil milhões de euros em auxílios estatais;

entre 1986 e 1995, foram concedidos mais 17 mil milhões de euros, dos quais 7 mil milhões foram concedidos unicamente em 1994, no seguimento de uma decisão «first time, last time» (auxílio único) baseada no artigo 95.o

3.11

Segundo o mais recente painel de avaliação dos auxílios da Comissão Europeia, a percentagem dos auxílios à indústria siderúrgica no quadro total dos auxílios da UE eleva-se, actualmente, a menos de dois milésimos do total. Este auxílio dirige-se na sua quase totalidade a medidas de protecção ambiental. Hoje em dia, a legislação e as práticas em matéria de auxílios à siderurgia são claramente mais rigorosas do que as disposições de auxílios da CE para outros sectores industriais.

Desenvolvimento da mentalidade dependente de auxílios estatais no sector do aço nos anos 70

3.12

Nos anos sessenta e durante a primeira metade dos anos setenta, o consumo mundial de aço deu mostras de crescimento forte e contínuo com uma média de mais de 5 % ao ano. Em 1974, a produção de aço bruto na então Comunidade Europeia dos Nove atingiu níveis históricos de quase 156 milhões de toneladas com uma capacidade de utilização de 87 %.

3.13

Todavia, um ano mais tarde, em 1975, a crise do preço do petróleo provocou uma forte queda na produção do aço e, em consequência, no espaço de um ano a produção na CE decaíra em 30 milhões de toneladas (19 %). A queda correspondente dos preços do aço ultrapassou o declínio da produção. Simultaneamente, as empresas siderúrgicas da CECA viram-se confrontadas com o aumento das importações, acompanhado por uma clara quebra das suas exportações. O declínio da utilização do aço no mercado único foi exacerbado por uma supressão das existências de aço.

3.14

Inicialmente, pensou-se que seria apenas uma fase descendente particularmente aguda do ciclo conjuntural. Todos os peritos acreditavam, portanto, que se lhe seguiria, em breve, a fase ascendente. Os institutos económicos questionados pela Comissão Europeia confirmaram que a recuperação seria particularmente forte e duradoura. As previsões a longo prazo da Comissão, Objectivos Gerais para 1985, elaboradas juntamente com produtores, consumidores e comerciantes, previam que a produção de aço para esse ano atingiria no mínimo 188 milhões de toneladas nos nove países da CE. Na verdade, apenas 120 milhões foram com efeito produzidos. Os planos de investimento a médio e longo prazo das empresas siderúrgicas basearam-se, portanto, em parâmetros totalmente incorrectos; geraram-se capacidades excedentárias e o fosso entre a oferta e a procura alargou-se cada vez mais.

3.15

A actividade de investimento dos consumidores de aço diminuiu drasticamente devido ao arrefecimento do crescimento económico a nível mundial, com um impacto particularmente negativo no consumo de aço, já que cerca de dois terços deste consumo nos países altamente industrializados está associado ao investimento.

3.16

Outra razão fundamental que explica a estagnação da procura de aço ao nível mundial desde 1975 prende-se com a menor utilização de aço para fins específicos, uma vez que é agora utilizado de forma mais racional. A transferência constante de crescimento quantitativo para qualitativo e a expansão do sector terciário levaram, igualmente, a uma queda na procura de aço na Europa.

3.17

Não obstante a estagnação do consumo de aço desde 1975, as capacidades de aço foram novamente aumentadas de forma significativa. A capacidade mundial de aço bruto nominal aumentou cerca de 150 milhões de toneladas unicamente entre 1974 e 1983, ao passo que a procura global caiu em 44 milhões de toneladas durante o mesmo período. Paralelamente, o desenvolvimento de capacidades nos «novos» países do aço e nos países do bloco de Leste foi particularmente notório. Comparado com o verdadeiro consumo de aço, o excedente de capacidade nominal em 1974 era de 130 milhões de toneladas a nível mundial, tendo praticamente triplicado no espaço de dez anos (343 milhões de toneladas).

3.18

Uma vez que o colapso da procura nessa altura era ainda considerado como um fenómeno puramente conjuntural, as capacidades mantiveram-se, não obstante as medidas de crise, que não tiveram êxito para conter a pressão da oferta, impedir as guerras de preços no mercado europeu do aço e travar a queda dos preços. As empresas com elevados custos de produção e poucas reservas começaram a enfrentar dificuldades cada vez maiores e a exigir apoio do Estado que, regra geral, acabavam por receber dos seus governos nacionais. Os problemas com que algumas empresas se confrontavam passaram, assim, a ser problemas inerentes a todo o sector. O sistema de restrições voluntárias, em que participavam os membros da Confederação Europeia da Indústria Siderúrgica «Eurofer» acabada de criar, acabou por ruir, quando todas as grandes empresas se retiraram do mesmo.

Regulamentação forçada do mercado (1980-1985)

3.19

Após o colapso do sistema voluntário, no Outono de 1980, a Comissão viu-se forçada a declarar a existência de «crise manifesta» e introduziu um sistema vinculativo de quotas de produção (sistema de quotas obrigatórias) que abrangia todas as fábricas da CE. A partir dessa data, as quotas de produção passaram a ser estipuladas trimestralmente pela Comissão. O sistema previa a possibilidade de sanções em caso de incumprimento e fixava temporariamente preços mínimos para produtos específicos. A abordagem adoptada centrava-se numa estabilização dos preços e numa redução sustentável em termos sociais e regionais das capacidades. Cada empresa siderúrgica da CE viu serem-lhe atribuídas quotas de produção e quotas de abastecimento do mercado comum. Foram concluídos acordos de restrição voluntária com 15 países importadores. Tendo em conta o baixo nível dos preços no mercado mundial para os produtos siderúrgicos, convinha sobretudo evitar perdas nas exportações que, à luz do sistema de crise, iriam requerer subvenções adicionais da parte da CE. No início dos anos oitenta, cerca de 70 % da produção europeia de aço estava sujeita ao sistema de quotas.

3.20

Inicialmente, porém, o objectivo político de uma redução gradual das capacidades não foi atingido. A expectativa que as empresas envolvidas colocaram num relançamento da procura e na eliminação dos concorrentes, a par dos auxílios estatais e da limitação da oferta, obstaram a uma redução das capacidades pelas empresas menos competitivas. A redução das capacidades só se iniciou gradualmente com o segundo código dos auxílios que estipulava como condição para a concessão de auxílios a realização de um programa de reestruturação. O sistema de quotas obrigatórias, previsto inicialmente para decorrer unicamente até 1981, teve de ser prorrogado inúmeras vezes por razões de concorrência.

3.21

Para pôr em prática a imperiosa redução das capacidades, a Comissão optou por recorrer aos auxílios de Estado proibidos nos termos do Tratado CECA como meio de pressão, legalizando, ao mesmo tempo, com a introdução do código dos auxílios, esta prática até então ilegal. Simultaneamente, porém, reclamou um direito de autorização que associou à obrigação de redução das capacidades. Esta fase da política siderúrgica durou até ao fim de 1985. A contrapartida à autorização dos auxílios estatais foi o desmantelamento de capacidades equivalentes a cerca de 44 milhões de toneladas de aço bruto e 32 milhões de toneladas de aço laminado a quente ao abrigo da protecção das existências do sistema de quotas.

Liberalização gradual do mercado (a partir de 1985)

3.22

Exclusivamente entre 1983 e 1985, as empresas siderúrgicas receberam cerca de 15 mil milhões de euros em auxílios de Estado. Em vez de harmonizarem as regras da concorrência, os decisores políticos fizeram pouco uso da possibilidade de imporem um encerramento de capacidades adequado às empresas financeiramente fortes. Adiaram, assim, a supressão das capacidades excedentárias há muito exigida pelo mercado.

3.23

Em 1985, afirmando que a crise manifesta havia passado, a Comissão Europeia apelou finalmente a uma reorientação radical da política comunitária do mercado do aço. Pouco depois da concessão de 15 mil milhões de euros em auxílios estatais, as forças do mercado deveriam, primeiro no âmbito de uma flexibilização do sistema de quotas e depois de uma total «liberalização», ser capazes de proceder a uma eliminação das capacidades excedentárias, o que visivelmente não poderia ser conseguido com medidas dirigistas de Bruxelas. Contudo, durante esta súbita mudança de direcção, a Comissão ignorou o facto de que os milhões de ajuda que autorizara até finais de 1985 só iriam ter efeito sobre a concorrência a partir dos anos seguintes. Em finais de 1986, a Comissão reduzira drasticamente o número de produtos regulamentados.

3.24

No entanto, não obstante uma supressão de capacidades de cerca de 40 milhões de toneladas e da perda de dezenas de milhar de empregos, havia ainda um potencial de produção excedentária de cerca de 25 milhões de toneladas que pressionava o mercado na altura.

3.25

A partir de 1987, um ligeiro aumento a curto prazo da procura veio finalmente confirmar os argumentos da Comissão de que a indústria siderúrgica já não deveria ser considerada como estando em «crise manifesta». As medidas reguladoras como os certificados de produção e a notificação obrigatória das quantidades fornecidas foram abolidas. A pressão exercida sobre os governos nacionais e a Comissão aumentou, de molde que em 1985 foi adoptado o terceiro código dos auxílios, em 1989, o quarto e, em 1992, o quinto, com o objectivo de interromper definitivamente o caudal de auxílios comunitários. De futuro, os auxílios só poderiam ser concedidos nos Estados-Membros para investigação e desenvolvimento, protecção do ambiente e algumas ajudas ao encerramento (3), devendo provir quase exclusivamente do Fundo da CECA financiado pelas contribuições das empresas do carvão e do aço.

3.26

Após um curto aumento passageiro em 1990, a procura de aço diminuiu novamente. Os preços caíram também em cerca de 20 %. Assim, em 1992, multiplicaram-se novamente as vozes que reclamavam uma nova intervenção da Comissão. Reivindicavam, em particular, previsões trimestrais da produção e da oferta por produto, a simplificação das fusões, a protecção contra as importações da Europa de Leste e ajudas à reestruturação. Por forma a reduzir as sobrecapacidades, propunham a criação de um cartel de crise estrutural, uma repartição interna dos encargos entre as empresas e uma redução definitiva das capacidades de 20 % até ao fim de 1996, associada ao despedimento de 50 mil trabalhadores.

3.27

A Comissão rejeitou, contudo, a ideia de um cartel de crise estrutural e de um novo sistema de quotas de produção. Em 1993, apresentou a sua própria proposta que consistia apenas em medidas indirectas, as quais previam um pré-financiamento pela Comissão ao encerramento das capacidades, a promoção das fusões e cooperativas de produção, uma protecção temporária do mercado do aço contra as importações da Europa de Leste, um aumento da transparência do mercado através de informação sobre a produção e a oferta dentro da UE e medidas sociais de acompanhamento como incentivo para a supressão de capacidades. Introduziu-se um processo de reestruturação durante o qual a capacidade de produção foi reduzida em mais 19 milhões de toneladas, tendo sido despedidas cerca de cem mil pessoas na indústria siderúrgica da CE. Nunca se chegou, contudo, a utilizar o modelo de pré-financiamento que fora, entretanto, aprovado em Conselho de Ministros.

3.28

Em Dezembro de 1993, não obstante o quinto código dos auxílios, o Conselho de Ministros da UE aprovou, por unanimidade, a concessão de mais auxílios de Estado, elevando-se a quase 7 mil milhões de euros a diferentes empresas siderúrgicas da UE no seguimento de proposta da Comissão e em contrapartida da redução de capacidades; foi, porém, salientado que estas ajudas não se repetiriam.

Resumindo:

3.29

O Tratado CECA caracterizava-se por uma proibição rigorosa dos auxílios estatais nos termos do seu artigo 4.o, alínea c). Contudo, esta proibição teve um resultado mitigado para impedir os Estados-Membros da CE de apoiar as indústrias siderúrgicas, com a conivência total do mais alto nível europeu. Mais de 70 mil milhões de euros provenientes do dinheiro dos contribuintes, concedidos até ao termo de vigência do Tratado CECA, atrasaram as adaptações necessárias devido às mutações industriais, mas foram incapazes, no fim, de as impedir. Durante a década de 90, a Comissão Europeia manteve a abordagem já experimentada e com provas dadas de autorizar auxílios estatais em contrapartida da redução de capacidades, aquando da reestruturação das indústrias siderúrgicas dos PECO, no âmbito dos preparativos para a adesão à UE.

3.30

Em 1982, os Estados-Membros da CE contornaram os princípios do mercado ao chegarem a acordo político visando repartir as necessárias reduções de capacidades de forma homogénea pelos países da Comunidade, e isto em contradição com o Tratado CECA que estipulava no seu artigo 2.o que o aço deveria ser produzido no local onde os custos de produção fossem os menos elevados. Em vez de promover a saída atempada do mercado das empresas não rentáveis, prevendo ao mesmo tempo medidas de acompanhamento sociais e assim restabelecer rapidamente o equilíbrio entre a oferta e a procura, os Estados-Membros da UE e a Comissão Europeia recorreram aos instrumentos previstos pelo Tratado CECA em caso de crise, o que não foi necessariamente bom para todas as empresas siderúrgicas. Por razões de política social, regional e de repartição, as capacidades não rentáveis foram mantidas, ao passo que as rentáveis (sobretudo privadas) desapareceram, juntamente com postos de trabalho que, no âmbito de uma comparação dos desempenhos, deveriam, no entanto, ser considerados como seguros.

3.31

Contudo, há que ter presente que os anos de crise do sector siderúrgico da UE já estão ultrapassados, mesmo que com imensas dificuldades. No final de contas, a indústria siderúrgica comunitária conseguiu, porém, adquirir as necessárias estruturas competitivas ao nível internacional. É verdade que teve de pagar um preço muito elevado com a supressão de mais de 550 mil empregos, a maior parte dos quais no âmbito de acordos sociais. Este processo só pôde ser concluído graças a um diálogo intenso realizado com os parceiros sociais.

Estímulo da competitividade mediante auxílios à investigação e desenvolvimento

3.32

Muitas das inovações tecnológicas que transformaram a indústria siderúrgica europeia foram lançadas ou aprofundadas consideravelmente no âmbito do programa de investigação da CECA, financiado pelas contribuições das empresas do carvão e do aço. O Tratado CECA previa disponibilizar meios para a investigação comunitária, por forma a fomentar a competitividade geral da indústria e melhorar a segurança no local de trabalho.

3.33

O primeiro programa de investigação CECA começou já no ano de 1955. A partir desta data, investigadores e engenheiros a trabalhar na inovação tecnológica de ponta orientaram cada vez mais o seu trabalho para uma abordagem europeia alicerçada na cooperação. A indústria siderúrgica, e com ela toda a sociedade europeia, beneficiaram deste tipo de investigação «cooperativa», no âmbito da qual os esforços são coordenados, as diligências são efectuadas conjuntamente e os resultados são postos à disposição de todos os envolvidos. A inovação industrial progrediu, portanto, rapidamente graças a melhorias constantes.

3.34

A investigação CECA conseguiu igualmente obter resultados palpáveis num domínio de importância capital para a sociedade como o ambiente. As emissões de dióxido de enxofre foram reduzidas em 70 % e as de fuligem em 60 %. As emissões de dióxido de carbono diminuíram em metade em relação aos níveis no início dos anos oitenta. Os produtores europeus de aço utilizam actualmente menos 40 % de energia por tonelada de aço produzido do que há vinte anos atrás.

3.35

Inicialmente, apenas sete milhões de euros foram atribuídos para investigação comunitária a título do orçamento CECA para 1955. Nos anos noventa, na Europa dos 15, este valor subira para aproximadamente 50 milhões de euros por ano. O programa de investigação CECA financiava no âmbito dos projectos comunitários até 60 % as actividades de investigação com vista a melhorar procedimentos, materiais e o ambiente. A partir de 1983, atribuíam-se ainda auxílios de 40 % para projectos-piloto e de investigação.

3.36

Deste modo, cada euro investido na investigação CECA rendeu em média 13 euros. Tendo em conta este contexto, não é portanto de estranhar que, com o termo de vigência do Tratado CECA, os Estados-Membros da UE tenham decidido por unanimidade utilizar os recursos remanescentes das contribuições das empresas do carvão e do aço, exclusivamente para a prossecução da investigação sectorial específica ao sector siderúrgico. As orientações adoptadas previam a utilização do produto anual dos juros pós-CECA, de cerca de 60 milhões de euros, exclusivamente para a investigação siderúrgica e no sector do carvão, em particular, no que respeita ao aço, para:

concepção e continuação do desenvolvimento dos métodos de produção e de transformação,

desenvolvimento e utilização de materiais,

melhoria da utilização dos recursos,

protecção do ambiente e

saúde e segurança no local de trabalho.

Uma indústria siderúrgica competitiva no dealbar do século XXI

3.37

A indústria siderúrgica da Europa está bem equipada para enfrentar a concorrência global após o alargamento da UE. Ao longo dos últimos anos, a indústria siderúrgica comunitária reforçou a sua posição, não só em termos tecnológicos e económicos, mas também ambientais. Algumas das empresas anteriormente nacionalizadas fizeram um uso orientado do apoio financeiro que receberam, conseguindo assim chegar, através de uma adaptação tecnológica e de uma racionalização das suas estruturas, a uma posição de líderes do mercado mundial.

3.38

A indústria siderúrgica conseguiu adaptar-se às exigências da globalização e do desenvolvimento sustentável. É notório que a indústria siderúrgica europeia soube aprender com as lições das crises do aço dos anos setenta, oitenta e noventa. Este sector é actualmente tão competitivo que mesmo em período de dificuldades económicas é fundamentalmente capaz de não entrar no vermelho.

3.39

A forte procura de aço registada no mercado interno da UE salienta os grandes esforços efectuados pelas empresas europeias no sentido de aumentarem, com êxito, a sua rentabilidade melhorando paralelamente a qualidade e a proximidade com o cliente. Graças às fusões e aquisições, ao aumento de eficácia e aos cortes nos custos, os produtores de aço europeus estabeleceram os fundamentos de uma indústria siderúrgica competitiva para o século XXI. Expressões como «auxílios estatais de emergência e à reestruturação» desapareceram do vocabulário dos empresários. Ao fazerem um claro apelo à manutenção das rigorosas regras em matéria de concessão de auxílios estatais mesmo após o termo de vigência do Tratado CECA, as empresas siderúrgicas da UE deram um claro sinal de que gostariam de dar por concluído, de uma vez por todas, o tempo da mentalidade da «subsídio-dependência» e das distorções da concorrência.

3.40

Contudo, a consolidação e a mutação industrial estão longe ainda de estar concluídas. Algumas empresas preparam já fusões transcontinentais. O aparecimento da China enquanto potência industrial está a ter actualmente grande impacto na competitividade das empresas. O rápido crescimento da procura de aço na China está a exacerbar a situação da procura nos mercados internacionais de matérias-primas. As importações chinesas, por exemplo de minério de ferro e resíduos de metal, estão a levar a estrangulamentos nos mercados mundiais e a conduzir a uma explosão dos preços no sector das matérias-primas e nas tarifas de transporte.

3.41

Na indústrias siderúrgicas dos novos Estados-Membros assiste-se também actualmente a um ritmo mais acelerado de mutação estrutural. Os desafios com que estes países se confrontam na reestruturação da sua indústria siderúrgica são mais ou menos comparáveis com a situação vivida na Europa Ocidental há 25 anos, não obstante o facto de a globalização dos mercados se ter acentuado consideravelmente desde então. Perante este contexto, é essencial que os parceiros da Europa Central e Oriental beneficiem da experiência adquirida com a reestruturação da indústria siderúrgica na Europa Ocidental, incluindo o diálogo social.

3.42

Em contrapartida aos auxílios especiais concedidos («période de grâce»), já nos acordos de adesão no início dos anos noventa se exigia aos PECO que aplicassem medidas de reestruturação eficazes, eliminassem largamente as capacidades excessivas e demonstrassem que as empresas destinatárias dos auxílios tinham aumentado a sua viabilidade comercial. Por forma a assegurar uma concorrência livre e equitativa no mercado do aço da UE, mesmo após o alargamento, os novos Estados-Membros têm a obrigação, nos termos dos tratados de adesão, de respeitar o acervo comunitário (ou seja, directivas e decisões-quadro nos domínios da concorrência e dos auxílios estatais, fiscalidade, ambiente, política social, etc.). A Comissão Europeia deve vigiar de forma rigorosa que os apoios estatais concedidos pelos governos nacionais dos países da Europa Central e Oriental não violam o rigoroso regime de auxílios comunitários acordado e que as capacidades ineficazes, tendo em conta o verdadeiro nível da procura, são realmente eliminadas como previsto.

4.   O actual regime de auxílios estatais da UE para o sector siderúrgico – Um modelo para os acordos internacionais em matéria de auxílios?

4.1

As consequências nos Estados Unidos da difícil situação do mercado mundial do aço levaram a Administração norte-americana a introduzir, em Março de 2002, direitos aduaneiros temporários ao abrigo do artigo 201.o do direito comercial americano com o intuito de proteger o mercado do aço nacional, violando deste modo as regras da OMC. Perante o contexto de uma extrema volatilidade do comércio do aço devido à existência ao nível mundial de capacidades de produção ineficazes e excedentárias, a Administração Bush anunciou ao mesmo tempo que estava disposta a apoiar a abertura de negociações internacionais sobre a eliminação das capacidades ineficazes e a restrição ao nível mundial dos auxílios estatais na indústria siderúrgica.

4.2

Os Estados-Membros da UE e a Comissão Europeia apoiam qualquer iniciativa com o objectivo de estabelecer uma maior disciplina ao nível mundial no que concerne a concessão de auxílios no sector do aço. A abertura de negociações multilaterais sob a égide da OCDE em Paris, em Dezembro de 2002, constituiu uma oportunidade para a UE de propor o seu regime de auxílios para a indústria siderúrgica, o qual já deu provas da sua eficácia, como base de um acordo internacional sobre as subvenções ao sector siderúrgico.

4.3

O Comité Económico e Social Europeu apoia a acção da Comissão Europeia, não obstante o facto de a indústria siderúrgica comunitária parecer duvidar fortemente da determinação dos outros países e regiões quanto à eliminação dos auxílios à siderurgia e, logicamente, quanto à possibilidade de ratificarem um acordo eficaz nesta matéria, prevendo obrigações de notificação e sanções. Ademais, é causa de preocupação para o Comité o facto de a questão dos auxílios e das capacidades não estar a ser examinada em simultâneo com a questão dos mecanismos de defesa comercial, utilizados frequentemente sem justificação, o que resulta em distorções da concorrência.

4.4

Os produtores de aço comunitários vão mais longe do que a maioria dos representantes nacionais na OCDE quanto ao âmbito de aplicação de um eventual acordo em matéria de auxílios. Nas negociações na OCDE, os produtores de aço da UE requerem em uníssono a proibição ao abrigo do acordo de todos os auxílios estatais que contribuam para um aumento de capacidades ou para a manutenção de capacidades não rentáveis. Esta exigência não diz, portanto, respeito unicamente aos auxílios específicos atribuídos a determinadas empresas siderúrgicas, mas abrange igualmente os auxílios não-específicos, ditos genéricos.

4.5

O Comité Económico e Social Europeu partilha da opinião dos produtores europeus de aço de que os auxílios estatais só devem ser permitidos caso não tenham qualquer impacto negativo no desenvolvimento de capacidades no sector siderúrgico, na concorrência leal e no fluxo comercial. Sendo este o caso, eis as derrogações que o Comité preconiza sejam debatidas no âmbito da OCDE:

ajuda aos encerramentos definitivos: inclui auxílios ao desmantelamento, recuperação dos terrenos e atenuação do impacto social dos encerramentos;

ajuda limitada e claramente definida à investigação e ao desenvolvimento, bem como para protecção do ambiente, incluindo o desagravamento da energia e das ecotaxas. No que concerne o auxílio à protecção ambiental, deve ficar claro que não é autorizado um apoio financeiro do Estado para cumprimento de normas ambientais obrigatórias. Aliás, tal não é sequer exigido pela indústria siderúrgica. Contudo, pode-se conceder uma ajuda limitada a investimentos voluntários, por forma a incentivar as empresas a irem além do cumprimento dos requisitos ambientais mínimos da UE nas suas actividades comerciais.

4.6

No âmbito do acordo sobre as subvenções, há que considerar igualmente pelo menos que algumas economias em desenvolvimento já têm uma indústria siderúrgica plenamente competitiva. Os produtores de aço de países em desenvolvimento ou emergentes beneficiam de vantagens competitivas como o baixo custo da mão-de-obra, acesso às matérias-primas, normas ambientais menos rigorosas e a protecção de direitos de importação elevados. Assim, os auxílios estatais às empresas siderúrgicas nestas economias só podem ser considerados caso preencham as seguintes condições:

o auxílio estatal é autorizado caso a caso, consoante a situação da empresa e do país e a utilização do financiamento tem de ser acompanhada à luz dos respectivos objectivos;

o auxílio estatal está sujeito a prazos de termo de vigência rigorosos;

o auxílio é aplicado no contexto de um plano de reestruturação aprovado que assegure a viabilidade a longo prazo das empresas envolvidas;

em circunstâncias normais, o auxílio resultará numa redução das capacidades e não leva, em circunstância alguma, a um aumento destas.

5.   Conclusões

5.1

A experiência do passado com a reestruturação da indústria siderúrgica europeia revela que os auxílios estatais são uma faca de dois gumes. Se forem atribuídos enquanto auxílios ao funcionamento beneficiam apenas determinadas empresas e conduzem a uma atribuição deficiente dos recursos, já que são mantidas a médio prazo no mercado capacidades não-rentáveis. Contudo, se os auxílios estatais forem atribuídos no âmbito de uma programa de reestruturação previamente negociado, podem atenuar as dificuldades sociais e as consequências da mutação industrial, promovendo assim a sua aceitação. A gestão deste processo através do diálogo social já deu bons resultados.

5.2

Paira igualmente a questão de saber se não se poderia ter feito melhor uso das avultadas somas de recursos financeiros provenientes do contribuinte, nomeadamente no domínio da formação ou da investigação.

5.3

Outro problema que surgiu durante os anos de crise na indústria siderúrgica foi que, apesar de existir uma base jurídica (artigo 4.o, alínea c) do Tratado CECA) aparentemente clara em relação aos auxílios de Estado (proibição de todos os auxílios estatais), os vários códigos dos auxílios, as decisões em Conselho de Ministros e os acórdãos do Tribunal diluíram esta primeira linha de acção enveredada tornando-a imprevisível. As empresas siderúrgicas sofreram com a incerteza do planeamento e do calendário e de execução.

5.4

No contexto da adesão de dez ou mesmo doze novos Estados-Membros, torna-se ainda mais premente insistir na aplicação rigorosa das regras claras em matéria de auxílios à indústria siderúrgica, sancionando-se de imediato qualquer infracção, à semelhança do ocorrido com a USS Kosice.

5.5

Os erros cometidos durante a época da UE dos quinze não podem ser repetidos.

5.6

As negociações, entretanto interrompidas, no âmbito da OCDE só fazem sentido se conduzirem a uma melhoria duradoura da presente situação, ou seja:

ausência de concessões excessivas a países em vias de desenvolvimento, emergentes ou de transição, como a China,

ausência de proibições de regulamentação necessária no âmbito da UE nos domínios da investigação e do desenvolvimento, da política ambiental (por exemplo, limites para os custos de adaptação de empresas para prevenção de distorções da concorrência no caso de medidas a favor do ambiente) e do encerramento de capacidades inviáveis, assim como

inexistência de direitos de compensação para as exportações de aço devido a tais derrogações.

Bruxelas, 27 de Outubro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  COM(2004) 274 final: esta comunicação é actualmente objecto de parecer no âmbito do dossiê CCMI/017 (relator: Joost Van IERSEL) e do parecer de iniciativa CCMI/014 sobre a deslocalização de empresas (relator: Jose Ignacio RODRIGUEZ GARCIA-CARO).

(2)  A última derrogação à proibição geral dos auxílios estatais registou-se no âmbito de subvenções ao investimento regional para os produtores de aço gregos que chegou ao seu termo em 2000.

(3)  Ao lado destes auxílios subsistem ainda ajudas regionais ao investimento em Portugal, na Grécia e no território da ex-RDA.


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