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Document 62012CJ0595

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 6 de março de 2014.
Loredana Napoli contra Ministero della Giustizia — Dipartimento dell’Amministrazione penitenziaria.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio.
Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2006/54/CE — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional — Curso de formação para aquisição do estatuto de funcionário — Exclusão por ausência prolongada — Ausência por licença de maternidade.
Processo C‑595/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:128

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

6 de março de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2006/54/CE — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional — Curso de formação para aquisição do estatuto de funcionário — Exclusão por ausência prolongada — Ausência por licença de maternidade»

No processo C‑595/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Itália), por decisão de 4 de outubro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de dezembro de 2012, no processo

Loredana Napoli

contra

Ministero della Giustizia — Dipartimento dell’Amministrazione penitenziaria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, E. Levits, M. Berger, S. Rodin e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e D. Martin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, n.o 2, alínea c), 14.°, n.o 2, e 15.° da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO L 204, p. 23).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L. Napoli ao Ministero della Giustizia — Dipartimento dell’ Amministrazione penitenziaria (Ministério da Justiça — Departamento da Administração Prisional, a seguir «Amministrazione penitenziaria», a propósito da exclusão de L. Napoli do curso de formação para subcomissários da Polícia Prisional, na sequência da sua ausência desse curso durante mais de 30 dias por gozo de uma licença obrigatória de maternidade.

Quadro jurídico

O direito da União

3

Os considerandos 2, 23, 25 e 28 da Diretiva 2006/54 enunciam:

«(2)

A igualdade entre homens e mulheres é um princípio fundamental do direito comunitário consagrado no artigo 2.o e no n.o 2 do artigo 3.o do Tratado, bem como na jurisprudência do Tribunal de Justiça. As referidas disposições do Tratado proclamam a igualdade entre homens e mulheres como uma ‘missão’ e um ‘objetivo’ da Comunidade e impõem uma obrigação positiva de a promover em todas as suas ações.

[…]

(23)

Ressalta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que qualquer tratamento desfavorável de uma mulher relacionado com a gravidez ou a maternidade constitui uma discriminação sexual direta em razão do sexo. Importa pois incluir expressamente este tipo de tratamento na presente diretiva.

[…]

(25)

Por razões de clareza, é oportuno também consagrar expressamente a proteção no emprego dos direitos das mulheres em licença de maternidade, principalmente no que respeita ao direito de retomar o mesmo posto de trabalho ou um posto de trabalho equivalente, sem qualquer desvantagem nos respetivos termos e condições em resultado do usufruto dessa licença, bem como a beneficiar de quaisquer melhorias nas condições de trabalho a que teriam direito durante a sua ausência.

[…]

(28)

A aplicação efetiva do princípio da igualdade de tratamento requer a aplicação de procedimentos adequados por parte dos Estados‑Membros.»

4

O artigo 1.o da referida diretiva prevê:

«A presente diretiva visa assegurar a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na atividade profissional.

Para o efeito, contém disposições de aplicação do princípio da igualdade de tratamento em matéria de:

a)

Acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional;

b)

Condições de trabalho, incluindo remuneração;

c)

Regimes profissionais de segurança social.

A presente diretiva comporta igualmente disposições para garantir maior eficácia a essa aplicação, através do estabelecimento de procedimentos adequados.»

5

O artigo 2.o, n.o 2, da mesma diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, o conceito de discriminação inclui:

[…]

c)

Qualquer tratamento menos favorável de uma mulher, no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção da Diretiva 92/85/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO L 348, p. 1)].»

6

O artigo 14.o da Diretiva 2006/54 tem a seguinte redação:

«1.   Não haverá qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo, nos setores público e privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[…]

c)

Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento, bem como a remuneração, tal como estabelecido no artigo 141.o do Tratado;

[…]

2.   Os Estados‑Membros podem prever que, no que respeita ao acesso ao emprego, incluindo a formação pertinente, uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com o sexo não constitui discriminação sempre que, em virtude da natureza das atividades profissionais específicas em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito genuíno e determinante para o exercício da atividade profissional, na condição de o seu objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.»

7

O artigo 15.o desta diretiva, relativo à retoma após a licença de maternidade, dispõe:

«As mulheres que gozem de licença de maternidade têm o direito, após o termo da licença, de retomar o seu posto de trabalho ou um posto de trabalho equivalente em condições que não lhes sejam menos favoráveis, e a beneficiar de quaisquer melhorias nas condições de trabalho a que teriam tido direito durante a sua ausência.»

O direito italiano

8

Resulta da decisão de reenvio que, de acordo com o artigo 9.o do Decreto Legislativo n.o 146 relativo à adaptação das estruturas e dos efetivos da Administração Prisional e do Gabinete Central da Justiça de Menores, e à instauração de um Corpo de enquadramento ordinário e especial da Polícia Prisional, em aplicação do artigo 12.o da Lei n.o 266, de 28 de julho de 1999 (decreto legislativo n. 146 — Adeguamento delle estrutture e degli organici dell’Amministrazione penitenziaria e dell’Ufficio centrale per la giustizia minorile, nonche’ istituzione dei ruoli direttivi ordinario e speciale del Corpo di polizia penitenziaria, a norma dell’articolo 12 della legge 28 luglio 1999, n. 266), de 21 de maio de 2000 (GURI n.o 132, de 8 de junho de 2000, p. 3, a seguir «Decreto Legislativo n.o 146/2000»), os candidatos aprovados no concurso para subcomissários do Corpo de enquadramento ordinário da Polícia Prisional são imediatamente nomeados subcomissários estagiários e devem frequentar um curso de formação teórica e prática durante doze meses, findo o qual deverão submeter‑se a um exame. Os candidatos aprovados nesse exame são promovidos a subcomissários, ao passo que, no caso contrário, devem participar no curso seguinte.

9

Nos termos do artigo 10.o, n.o 2, do referido decreto legislativo:

«O pessoal que, por causa justificada, não frequente o curso durante mais de 30 dias, pode frequentar um curso posterior. O pessoal de sexo feminino, cuja ausência por mais de 30 dias seja devida a licença de maternidade, é admitido na frequência do curso seguinte depois dos períodos de ausência no trabalho previstos pelas disposições sobre a proteção das mães trabalhadoras.»

10

O artigo 3.o do Decreto Legislativo n.o 151 relativo ao texto único das disposições legais em matéria de proteção e apoio à maternidade e à paternidade, previsto no artigo 15.o da Lei n.o 53, de 8 de março de 2000 (decreto legislativo n. 15 — Testo unico delle disposizioni legislativi in materia di tutela e sostegno della maternità e della paternitá, a norma dell’articolo 15 della legge 8 marzo 2000, n. 53), de 26 de abril de 2001 (suplemento ordinário da GURI n.o 96, de 26 de abril de 2001, a seguir «Decreto Legislativo n.o 151»), proíbe qualquer discriminação em razão do sexo e qualquer tratamento menos favorável relacionado com a gravidez ou com a maternidade. O artigo 16.o do referido decreto legislativo prevê uma licença de maternidade obrigatória, proibindo, em especial, o trabalho por parte da mãe nos três meses subsequentes ao parto. O artigo 22.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 151, determina a contagem integral dos períodos de licença de maternidade para efeitos de cálculo da antiguidade de serviço das mulheres em causa.

11

O artigo 1494.o do Decreto Legislativo n.o 66 relativo ao Código Militar (decreto legislativo n. 66 — Codice dell’ordinamento militare), de 15 de março de 2010 (suplemento ordinário da GURI n.o 106, de 8 de maio de 2010, a seguir «Decreto Legislativo n.o 66»), prevê no seu n.o 5, que respeita ao pessoal militar feminino pertencente às Forças Armadas, ao Corpo de Carabinieri e à Guardia di Finanza que, em caso de maternidade, o pessoal é excluído do concurso iniciado durante o período posterior ao parto, esclarecendo contudo que, na eventualidade de aprovação no exame do curso seguinte, o membro em causa do referido pessoal beneficiará da antiguidade com efeitos reportados à data do curso inicial.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

L. Napoli foi aprovada no concurso para subcomissário do Corpo de enquadramento ordinário e especial da Polícia Prisional, realizado em 20 de abril de 2009, tendo sido admitida, em 5 de dezembro de 2011, no curso de formação que deveria começar em 28 de dezembro seguinte.

13

Em 7 de dezembro de 2011, L. Napoli foi mãe. De acordo com a legislação nacional, gozou uma licença obrigatória de maternidade por um período de três meses, a saber, até 7 de março de 2012.

14

Por decisão de 4 de janeiro de 2012, a Amministrazione penitenziaria comunicou‑lhe que, nos termos do artigo 10.o, n.o 2 do Decreto Legislativo n.o 146/2000, decorridos os primeiros 30 dias do período de licença de maternidade, seria excluída do curso em questão com perda da retribuição. A Amministrazione penitenziaria precisou‑lhe que seria admitida de pleno direito no próximo curso a organizar.

15

Mediante um primeiro recurso, interposto em 27 de fevereiro de 2012 junto do Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio), L. Napoli impugnou a decisão de 4 de janeiro de 2012. Num segundo recurso interposto junto da mesma instância jurisdicional, com base em fundamentos complementares, foi, além disso, impugnada a decisão do Chefe de Serviço da Amministrazione penitenziaria, de 9 de março de 2012 que determinou a exclusão definitiva de L. Napoli do curso, reconhecendo‑lhe embora a possibilidade de frequentar o curso seguinte, com perda do vencimento até então recebido.

16

Para fundamentar esses recursos, L. Napoli alegou, a título principal, que a Amministrazione penitenziaria havia incorretamente aplicado o artigo 10.o do Decreto Legislativo n.o 146/2006, que exige que apenas sejam calculados como períodos de ausência do curso os períodos de ausência facultativa das mães trabalhadoras, com exclusão dos períodos de licença obrigatória previstos na lei. A título subsidiário, e a entender‑se que as decisões impugnadas não violam o disposto no referido decreto legislativo, a recorrente contestou a conformidade deste último com a Constituição italiana.

17

O Tribunale amministrativo regionale per il Lazio, mediante medidas provisórias, decidiu pela improcedência do fundamento principal e julgou procedente o subsidiário. Decidiu pela incompatibilidade do artigo 10.o do Decreto Legislativo n.o 146/2000, nomeadamente, com a Diretiva 2006/54, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de fevereiro de 2006, Sarkatzis Herrero (C-294/04, Colet., p. I-1513). O referido órgão jurisdicional determinou a suspensão da decisão de 9 de março de 2012 supramencionada e decidiu, consequentemente, que L. Napoli devia ser readmitida no curso, finda a licença de maternidade obrigatória.

18

Na sua decisão de reenvio, o referido órgão jurisdicional expõe que não lhe parece que o artigo 10.o do Decreto Legislativo n.o 146/2000 possa ser objeto de uma interpretação conforme à Constituição e ao direito da União. Com efeito, a formulação clara do referido artigo, que remete para os períodos de ausência previstos nas disposições de proteção das mães trabalhadoras entre as quais deveria necessariamente figurar o artigo 16.o do Decreto Legislativo n.o 151, que institui uma licença de maternidade obrigatória, não permite ao órgão jurisdicional nacional escolher, de entre os significados possíveis da regra em causa, aquele que mais respeita os princípios constitucionais nacionais e os princípios fundamentais do direito da União, sob pena de atribuir a esta formulação um sentido que não seja pretendido pelo legislador. De resto, a prossecução do objetivo visado pelo artigo 10.o do Decreto Legislativo n.o 146/2000, a saber, que cada subcomissário estagiário obtenha uma formação profissional adequada e completa antes de lhe serem atribuídas missões institucionais, seria posto em causa não só pelas ausências facultativas, mas também, e da mesma forma, pelas ausências obrigatórias.

19

O órgão jurisdicional nacional esclarece que existem outras disposições legislativas nacionais respeitantes, nomeadamente, ao exercício de funções nas Forças Armadas, como o artigo 1494.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 66, que excluem de cursos de formação algumas mulheres que beneficiaram de uma licença de maternidade obrigatória. No entanto, este preceito prevê que, em caso de aprovação no exame do curso seguinte, a candidata em causa beneficia da antiguidade com efeitos reportados à data do curso inicial de formação. Esta disposição, que reveste caráter geral no âmbito do ordenamento militar, não é, contudo, diretamente aplicável ao pessoal da Polícia Prisional, que constitui um corpo civil.

20

L. Napoli sofre, assim, um prejuízo em consequência da sua maternidade, visto que a coloca numa posição menos favorável do que a dos seus colegas do sexo masculino, aprovados no mesmo concurso e admitidos no mesmo curso de formação. Mesmo que se pudesse, por analogia, atribuir à recorrente a garantia relativa aos efeitos jurídicos da nomeação, prevista no artigo 1494.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 66, não se lhe aplicariam retroativamente os efeitos económicos. L. Napoli perderia necessariamente as retribuições e as contribuições sociais de que teria beneficiado se tivesse podido frequentar o curso inicial.

21

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta ainda que o direito, reconhecido à trabalhadora excluída de um primeiro curso na sequência de uma licença de maternidade, de ser admitida no curso seguinte não obriga a administração em causa a organizar um novo curso. A realização do mesmo fica sujeita a uma avaliação discricionária por parte dessa administração quanto à necessidade de preencher os lugares a prover e quanto aos recursos económicos disponíveis para o fazer. Por conseguinte, podendo decorrer vários anos entre um curso e o seguinte, é incerta a possibilidade de essa trabalhadora frequentar outro curso. O prejuízo sofrido pela referida trabalhadora pode, assim, assumir dimensões importantes.

22

É verdade que ao garantir à mesma trabalhadora a oportunidade de participar no curso seguinte, a lei italiana pretendeu conciliar os direitos das mulheres ao trabalho com o interesse público de admitir na Polícia Prisional, para o exercício das funções institucionalmente previstas, apenas os candidatos adequadamente preparados graças ao curso de formação em causa. Contudo, coloca‑se a questão de saber se a prossecução deste objetivo de interesse público é suscetível de justificar um tratamento desfavorável reservado a uma mulher, ao excluí‑la de um curso na sequência de uma licença obrigatória de maternidade.

23

Foi nestas condições que o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

[O] artigo 15.o da Diretiva [2006/54] (retoma após licença de maternidade) é aplicável à frequência de um curso de formação profissional inerente a uma relação de trabalho e deve ser interpretado no sentido de que, no fim do período de licença, a trabalhadora tem o direito de ser readmitida no mesmo curso que ainda esteja a decorrer, ou […] pode ser interpretado no sentido de que a trabalhadora pode ser inscrita no curso seguinte, ainda que incerto pelo menos quanto à data?

2)

[Deve] o artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva [2006/54], que considera discriminatório qualquer tratamento menos favorável por razões ligadas à licença de maternidade, […] ser interpretado no sentido de que garante à trabalhadora uma proteção absoluta, e não limitada por outros interesses divergentes, contra qualquer desigualdade de natureza substancial [acórdão de 30 de abril de 1998, Thibault, C-136/95, Colet., p. I-2011], de modo que se opõe a uma legislação nacional que, ao impor a exclusão de um curso profissional, garantindo a faculdade de se inscrever no curso seguinte, prossegue o objetivo de assegurar uma formação adequada, mas priva a trabalhadora da oportunidade de aceder, numa data anterior, a um novo posto de trabalho [ao mesmo tempo que] os colegas masculinos do concurso e do curso, recebendo a retribuição correspondente?

3)

[Deve] o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva [2006/54], segundo o qual não é discriminatória uma diferença de tratamento baseada em características que constituem um requisito essencial para o exercício da atividade laboral, […] ser interpretado no sentido de que permite ao Estado‑Membro atrasar o acesso ao trabalho em prejuízo da trabalhadora que não pôde beneficiar de uma formação profissional completa devido à licença de maternidade?

4)

N[uma tal] hipótese […], admitindo em teoria que o artigo 14.o, n.o 2, [da Diretiva 2006/54] seja aplicável nessa situação [à questão anterior], [deve essa disposição], conjugada com o princípio geral de proporcionalidade, […] ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a exclusão do curso da trabalhadora ausente por licença de maternidade, em vez de assegurar a organização de cursos paralelos de recuperação, que permitam obviar ao deficit em termos de formação, conciliando assim os direitos da mãe trabalhadora e o interesse público, apesar dos custos organizativos e financeiros inerentes a tal opção?

5)

[A] Diretiva [2006/54], no caso de ser interpretada no sentido de que se opõe à legislação nacional já referida, prevê a este respeito normas self‑executing diretamente aplicáveis pelo tribunal nacional?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às primeira e segunda questões

24

Com as primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea c), e o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/54, lidos conjuntamente, bem como o artigo 15.o desta diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por motivos de interesse público, exclui uma mulher que goze de licença de maternidade de uma formação profissional que faz parte integrante do seu posto e que é obrigatória para poder obter uma nomeação definitiva num cargo de funcionário e para beneficiar de uma melhoria das suas condições de trabalho, garantindo‑lhe, porém, o direito de participar numa próxima formação a organizar, mas cuja data é incerta.

25

Para responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, recordar que o artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54, prevê que qualquer tratamento menos favorável de uma mulher, no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, constitui uma discriminação em razão do sexo e que o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva especifica os setores em que não se poderá verificar qualquer discriminação. Assim, são proibidas discriminações diretas ou indiretas no que diz respeito às condições de acesso ao emprego, incluindo os critérios de seleção e as condições de contratação, ao acesso a todos os tipos e a todos os níveis de orientação profissional, à formação profissional, à formação profissional avançada e à reconversão profissional, incluindo a aquisição de experiência profissional, às condições de emprego e de trabalho e à participação numa organização de trabalhadores ou outras (v., neste sentido, acórdão Sarkatzis Herrero, já referido, n.o 36).

26

Em segundo lugar, importa realçar que o artigo 15.o da referida diretiva prevê que as mulheres que gozem de licença de maternidade têm o direito, após o termo da licença, de retomar o seu posto de trabalho ou um posto de trabalho equivalente em condições que não lhes sejam menos favoráveis, e de beneficiar de quaisquer melhorias nas condições de trabalho a que teriam tido direito durante a sua ausência.

27

Neste caso, como resulta da decisão de reenvio, está assente que L. Napoli é parte numa relação de trabalho e que os cursos de que foi excluída na sequência da sua ausência por gozo de licença de maternidade são ministrados no quadro dessa relação de trabalho e se destinam a prepará‑la para um exame que, em caso de aprovação, lhe permitirá aceder a um nível hierárquico superior.

28

Por conseguinte, os referidos cursos deverão ser considerados, quer na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/54, quer na aceção do artigo 15.o desta Diretiva, parte das condições de trabalho próprias ao posto de L. Napoli (v., por analogia, acórdão Thibault, já referido, n.o 27, e acórdão de 18 de novembro de 2004, Sass, C-284/02, Colet., p. I-11143, n.os 30 e 31).

29

Todavia, na medida em que a situação em causa no processo principal trata da retoma após licença de maternidade e respeita, como decorre do número anterior do presente acórdão, às condições de trabalho aplicáveis a uma trabalhadora após o termo da licença de maternidade, há que apreciar a questão colocada à luz do artigo 15.o da referida diretiva, que constitui a disposição específica aplicável ao caso em análise.

30

Tratando‑se de saber se, numa situação como a presente, a trabalhadora que regressa de uma licença de maternidade retoma o seu posto em condições que não lhe são menos favoráveis e beneficia de todas as melhorias das condições de trabalho a que teria tido direito durante a sua ausência, importa sublinhar que o gozo da licença de maternidade não interferiu na categoria desta trabalhadora, na medida em que o estatuto de subcomissária estagiária que assegura a inscrição no curso seguinte foi salvaguardado em favor de L. Napoli, e que a referida trabalhadora retomou o posto de trabalho ao qual estava afetada antes da sua licença de maternidade.

31

Tal não obsta a que a exclusão do curso de formação com fundamento no gozo da licença de maternidade tenha tido uma incidência negativa sobre as condições de trabalho de L. Napoli.

32

Com efeito, os restantes trabalhadores admitidos no primeiro curso de formação tiveram a possibilidade de o seguir na íntegra e de aceder, em caso de aprovação no exame que concluiu a formação, ao nível hierárquico superior de subcomissário e de receber a remuneração correspondente antes de L. Napoli. Esta última viu‑se obrigada a esperar pelo início do curso de formação seguinte, o qual, de acordo com as considerações do órgão jurisdicional nacional, constitui um evento incerto quanto à data.

33

Ora, a exclusão do primeiro curso e a proibição subsequente de participar no respetivo exame final têm por consequência a perda de uma oportunidade de a interessada beneficiar, em igualdade de circunstâncias com os seus colegas, duma melhoria nas condições de trabalho, pelo que devem ser consideradas constitutivas de um tratamento desfavorável na aceção do artigo 15.o da Diretiva 2006/54.

34

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento de que a exigência, por razões de interesse público, de apenas admitir a exame os candidatos adequadamente preparados para o exercício das suas novas funções pressupõe a sua participação em todos os cursos que integram a formação em causa.

35

Com efeito, mesmo que as autoridades nacionais disponham, consoante as circunstâncias, de uma certa margem de apreciação quando adotam medidas que entendem necessárias para garantir a segurança pública de um Estado‑Membro (v., nomeadamente, acórdão de 11 de janeiro de 2000, Kreil, C-285/98, Colet., p. I-69, n.o 24), é suposto que ao instituírem medidas derrogatórias de um direito fundamental, como a igualdade de tratamento entre homens e mulheres que a Diretiva visa assegurar, respeitem o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão Kreil, já referido, n.o 23).

36

Ora, não se pode deixar de observar que uma decisão como a que está em causa no processo principal, que prevê a exclusão automática de um curso de formação e implica a impossibilidade de se apresentar a exame final, sem ter em conta, nomeadamente, em que fase do referido curso tem lugar a ausência por licença de maternidade e a formação já adquirida, e que se limita a reconhecer à mulher que gozou tal licença o direito de participar num curso de formação a ter lugar em data posterior mas incerta, não se afigura conforme ao referido princípio da proporcionalidade.

37

O desrespeito deste princípio é de tal modo flagrante que, tal como o órgão jurisdicional nacional observou, a circunstância de o início do próximo curso de formação constituir um evento incerto decorre do facto de as autoridades competentes não terem obrigação de organizar um curso desse tipo em datas determinadas.

38

A este respeito, importa acrescentar que, com vista a assegurar a igualdade substantiva entre homens e mulheres que a Diretiva 2006/54 visa alcançar (v., por analogia, acórdão Thibault, já referido, n.o 26), os Estados‑Membros dispõem de uma determinada margem de apreciação, sendo admissível que possam ser concebidas medidas menos atentatórias do princípio da legalidade entre homens e mulheres que aquela aqui em causa. Tal como o próprio órgão jurisdicional nacional sublinhou, as autoridades nacionais poderiam, eventualmente, tentar conciliar a exigência de formação completa dos candidatos com os direitos da trabalhadora, prevendo, para a trabalhadora que regressa de uma licença de maternidade, cursos paralelos de formação equivalentes aos cursos de formação iniciais, de maneira a que essa trabalhadora pudesse ser admitida, em tempo útil, ao exame que lhe permitisse aceder, com a maior brevidade, a um nível hierárquico superior, assegurando igualmente que o percurso da sua carreira não fosse mais desfavorável do que o percurso da carreira de um colega masculino aprovado no mesmo concurso e admitido no mesmo curso de formação inicial.

39

Resulta destas considerações que há que responder às primeira e segunda questões que o artigo 15.o da Diretiva 2006/54 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, por motivos de interesse público, exclui uma mulher que goze de licença de maternidade de uma formação profissional que faz parte integrante do seu posto e que é obrigatória para poder obter uma nomeação definitiva num cargo de funcionário e para beneficiar de uma melhoria das suas condições de trabalho, garantindo‑lhe, porém, o direito de participar numa próxima formação a organizar, mas cuja data é incerta.

Quanto à terceira questão

40

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2006/54 se aplica a uma legislação nacional, como aquela aqui em causa, que não reserva o exercício de determinada atividade apenas aos trabalhadores de sexo masculino, mas atrasa o acesso a essa atividade por parte de trabalhadoras que não puderam beneficiar de uma formação profissional completa devido a uma licença de maternidade obrigatória.

41

A este propósito, importa sublinhar que o artigo 14.o, n.o 2, da referida diretiva, como o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), que substituiu, reveste o caráter de uma disposição derrogatória de um direito individual consagrado pela Diretiva 2006/54, na medida em que autoriza os Estados‑Membros a prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com o sexo não constitui, em determinadas condições, uma discriminação na aceção dessa diretiva. Por conseguinte, é de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdãos de 15 de maio de 1986, Johnston, 222/84, Colet., p. 1651, n.o 36, e de 26 de outubro de 1999, Sirdar, C-273/97, Colet., p. I-7403, n.o 23).

42

Ora, não se pode deixar de observar que, no litígio principal, não é mencionado nem sequer alegado que as disposições nacionais aplicáveis preveem que uma característica relacionada com o sexo constitua uma exigência profissional verdadeira e determinante para poder exercer essa função ou que as autoridades competentes tenham, por se tratar do exercício da função de subcomissário da Polícia Prisional, utilizado a margem de apreciação assim atribuída pela referida diretiva ou decidido prevalecer‑se dessa margem de apreciação.

43

Resulta destas considerações que há que responder à terceira questão que o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2006/54 não se aplica a uma legislação nacional, como a que está aqui em causa, que não reserva o exercício de determinada atividade apenas aos trabalhadores de sexo masculino, mas atrasa o acesso a essa atividade por parte de trabalhadoras que não puderam beneficiar de uma formação profissional completa devido a uma licença de maternidade obrigatória.

Quanto à quarta questão

44

Tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não há que responder à quarta questão.

Quanto à quinta questão

45

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se as disposições dos artigos 14.°, n.o 1, alínea c), e artigo 15.o da Diretiva 2006/54 são suficientemente claras, precisas e incondicionais para poderem produzir efeito direto.

46

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, sempre que as disposições de uma diretiva sejam, atento o seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, podem ser invocadas pelos particulares nos tribunais nacionais contra o Estado‑Membro (v., designadamente, acórdãos de 12 de julho de 1990, Foster e o., C-188/89, Colet., p. I-13313, n.o 16, e de 20 de março de 2003, Kutz‑Bauer, C-187/00, Colet., p. I-2741, n.o 69).

47

Ora, não se pode deixar de observar que os artigos 14, n.o 1, alínea c), e 15.° da Diretiva 2006/54 satisfazem estas exigências.

48

Com efeito, quanto ao artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva, que contém as disposições que concretizam o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, importa sublinhar que este exclui, de maneira geral e em termos inequívocos, qualquer discriminação em razão do sexo nos domínios que enumera (v., neste sentido, acórdão Sarkatzis Herrero, já referido, n.o 36).

49

Da mesma forma, o artigo 15.o da mesma diretiva prevê, em termos claros, precisos e incondicionais, que uma mulher que goze de licença de maternidade tem o direito, após o termo da licença, de retomar o seu posto de trabalho ou um posto de trabalho equivalente em condições que não lhe sejam menos favoráveis, e de beneficiar de todas as melhorias das condições de trabalho a que teria tido direito durante a sua ausência.

50

As duas disposições em causa têm efeito direto, pelo que importa ter presente que, de acordo com jurisprudência constante, o juiz nacional responsável, no âmbito da sua competência, pela aplicação das disposições do direito da União tem a obrigação de garantir o pleno efeito dessas normas, afastando, se for necessário, no exercício da sua própria autoridade, a aplicação de qualquer disposição contrária da legislação nacional sem ter de solicitar ou esperar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional (v., nomeadamente, acórdãos de 19 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colet., p. 629, n.o 24, e Kutz‑Bauer, já referido, n.o 73). Por conseguinte, os artigos 14.°, n.o 1, alínea c), e 15.° da Diretiva 2006/54 podem ser invocados por um particular contra o Estado‑Membro em causa e ser aplicados por um órgão jurisdicional nacional, com vista a afastar a aplicação de qualquer disposição nacional não conforme com os referidos artigos.

51

Resulta das considerações precedentes que deve responder‑se à quinta questão que as disposições do artigo 14.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 15.o da Diretiva 2006/54 são suficientemente claras, precisas e incondicionais para poderem produzir efeito direto.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 15.o da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, por motivos de interesse público, exclui uma mulher que goze de licença de maternidade de uma formação profissional que faz parte integrante do seu posto e que é obrigatória para poder obter uma nomeação definitiva num cargo de funcionário e para beneficiar de uma melhoria das suas condições de trabalho, garantindo‑lhe, porém, o direito de participar numa próxima formação a organizar, mas cuja data é incerta.

 

2)

O artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2006/54 não se aplica a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que não reserva o exercício de determinada atividade apenas aos trabalhadores de sexo masculino, mas atrasa o acesso a essa atividade por parte de trabalhadoras que não puderam beneficiar de uma formação profissional completa devido a uma licença de maternidade obrigatória.

 

3)

As disposições dos artigos 14.°, n.o 1, alínea c), e 15.° da Diretiva 2006/54 são suficientemente claras, precisas e incondicionais para poderem produzir efeito direto.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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