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Parecer do Comité Económico e Social sobre o «Livro verde relativo aos portos e às infra-estruturas marítimas»

Jornal Oficial nº C 407 de 28/12/1998 p. 0092 - 0099


Parecer do Comité Económico e Social sobre o «Livro verde relativo aos portos e às infra-estruturas marítimas»

(98/C 407/16)

Em 15 de Dezembro de 1997, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 198º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre o «Livro verde relativo aos portos e às infra-estruturas marítimas».

Incumbida dos correspondentes trabalhos, a Secção de Transportes e Comunicações emitiu parecer em 15 de Julho de 1998, sendo relator L. Kritz ().

Na 357ª reunião plenária de 9 e 10 de Setembro de 1998 (sessão de 9 de Setembro), o Comité Económico e Social adoptou o seguinte parecer, por 95 votos a favor e 1 abstenção.

1. Introdução

1.1. Os portos têm por função principal a transferência de passageiros e mercadorias do modo marítimo para os modos terrestres e vice-versa. A carga movimentada nos portos é tão variada como o próprio comércio internacional.

1.2. Algumas unidades industriais, nomeadamente refinarias, fundições, centrais eléctricas e siderurgias situam-se próximo dos portos. Estas são amiúde a razão da existência desse mesmo porto e não o contrário.

1.3. Um porto não é uma unidade operacional, mas consiste numa multiplicidade de organismos que prestam serviços portuários. As principais actividades exercidas num porto são:

a) Serviços relacionados com o navio

- assistência naval;

- pilotagem;

- reboque;

- acostagem;

- amarração;

- agentes de navegação;

- corretagem marítima;

- recepção de resíduos;

- limpeza de navios;

- reparação naval.

b) Serviços relacionados com a carga

- estiva;

- grupagem (contentores e paletes);

- armazenagem de carga;

- transitários.

c) Serviços de controlo e inspecção

- desembaraço aduaneiro;

- inspecção de segurança do navio;

- mercadorias perigosas;

- inspectores.

1.4. Alguns serviços portuários são protegidos por monopólios ou direitos exclusivos, ao passo que outros são assegurados por empresas que prestam um determinado serviço em condições de concorrência.

1.5. Há uma grande diversidade entre portos em termos de regime de propriedade, organização interna e participação pública na administração portuária, o que é reflexo de tradições históricas e filosofias diferentes quanto ao papel dos portos e ao grau de apoio, intervenção e controlo do governo no atinente ao financiamento e à tarifação. Governo neste caso significa administração central, regional ou local.

1.6. Em alguns Estados-Membros, o papel do governo central é importante e pode englobar a propriedade, o financiamento do investimento e a tarifação. Na Alemanha, as superfícies terrestre e marítima dos portos pertencem geralmente aos estados federados e/ou aos municípios. Nos Países Baixos, a maioria dos portos são administrados pelos municípios, mas os portos de Roterdão e Amsterdão são administrações portuárias autónomas (havenbedrijf) com uma participação importante do governo central. No Reino Unido, a maioria da carga é movimentada pelo sector portuário privado. Na Suécia, a administração portuária na maioria dos casos está nas mãos de sociedades de responsabilidade limitada, tendo por principal ou único accionista o município local.

1.7. A propriedade e a gestão da generalidade dos portos dependem de uma administração portuária. Este termo, contudo, não tem uma definição unívoca. Nalguns casos, a administração portuária controla apenas uma percentagem reduzida das actividades realizadas na sua área, enquanto noutros é um verdadeiro órgão administrativo, directamente responsável por uma vasta gama de actividades.

1.8. A alta tecnologia que equipa os navios actuais torna-os onerosos e as companhias de navegação esforçam-se por assegurar o maior número possível de viagens em cada ano. A capacidade portuária afecta o tempo de escala dos navios, que é de importância capital para o tráfego de pequeno curso que utiliza frequentemente eficientes sistemas de tráfego ro-ro (roll-on roll-off). A pressão para reduzir o tempo de escala nos portos continuará a fazer-se sentir, tanto para os navios de carga como para os transbordadores. A tanto não é alheia a importância crescente dos transportes marítimos de curta distância. Decisivas para os portos são, além disso, as ligações com o interior e a fiabilidade, cuja determinante fundamental são as relações entre os parceiros sociais.

2. Documento da Comissão

2.1. O sector portuário não ocupou, até à data, um lugar central no debate sobre a política de transportes da União e só em pequena escala tem sido objecto de medidas adoptadas a nível comunitário. O objectivo do presente livro verde é lançar um amplo debate sobre o sector portuário para identificar as questões que é necessário abordar a nível comunitário tendo em vista o desenvolvimento, quando for caso disso, de políticas coerentes que melhorem o desempenho do sector e, ao mesmo tempo, vão ao encontro das necessidades económicas e sociais da Comunidade.

2.2. O principal objectivo de tais políticas deverá ser, em primeiro lugar, aumentar a eficiência dos portos e melhorar as infra-estruturas portuárias e marítimas integrando os portos na rede multimodal transeuropeia e, em segundo lugar, dar resposta às obrigações da Comunidade decorrentes do Tratado de assegurar uma concorrência livre e leal no sector portuário.

2.3. A Comissão sugere um conjunto de medidas que podem ser aplicadas no contexto das políticas existentes e identifica outros domínios, nomeadamente a tarifação portuária e o acesso ao mercado, em que deverão ser estudadas novas iniciativas.

2.4. O livro verde tem três capítulos principais. O primeiro trata de «Os portos e os aspectos específicos da política comum dos transportes» e sintetiza a evolução em sectores em que as questões portuárias foram incluídas nas políticas comunitárias. Subdivide-se nos pontos seguintes:

- Papel dos portos na rede transeuropeia de transportes;

- Conexões com os países terceiros vizinhos;

- Portos enquanto pontos de transferência na cadeia de transporte intermodal;

- Portos e desenvolvimento do transporte marítimo de curta distância na Europa;

- Segurança marítima e ambiente;

- Investigação e desenvolvimento.

2.5. O segundo capítulo versa sobre «Financiamento e tarifação a nível dos portos e infra-estruturas marítimas».

2.5.1. O financiamento dos portos e das infra-estruturas marítimas na Europa e as políticas de tarifação aplicadas são muito variados, reflectindo não só as consideráveis diferenças existentes a nível do regime de propriedade e da organização mas também as várias posições quanto à função e papel dos portos. A tendência actual é para cada vez mais considerar os portos como entidades comerciais com obrigações limitadas de serviço público.

2.5.2. A concorrência interportuária está a aumentar. Os hinterlands tradicionais estão a desaparecer gradualmente, por força do desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes, das evoluções tecnológicas no sector dos transportes e da realização do mercado interno. O processo de concentração no sector da navegação marítima também tem contribuído para uma maior concorrência interportuária. A Comissão acentua que os diversos mecanismos de financiamento e tarifação portuários acarretam crescentes distorções de concorrência e riscos de deficiente utilização dos recursos económicos.

2.5.3. Com o fim de atacar estes problemas, a Comissão tenciona examinar a possibilidade de criar um enquadramento comunitário para o financiamento e tarifação portuários, baseado no princípio de que sejam os utentes a suportar os custos das infra-estruturas que utilizam (princípio do utente-pagador). Tal enquadramento obrigará a associar as tarifas e custos e conterá orientações sobre a forma como essas tarifas devem reflectir o custo dos investimentos em infra-estruturas. O enquadramento para a tarifação aplicar-se-ia, em princípio, aos portos com tráfego internacional.

2.5.4. Como primeiro passo, a Comissão tenciona proceder a um levantamento dos financiamentos públicos concedidos aos principais portos com tráfego internacional e das práticas tarifárias desses portos.

2.5.5. Para que a União possa definir uma abordagem mais homogénea para a tarifação portuária deverá elaborar-se um enquadramento, a incluir numa proposta de directiva do Conselho, na opinião da Comissão.

2.5.6. Mais entende que a formulação de uma abordagem comunitária da tarifação e financiamento portuários terá de ser gradual e conjugar-se com o desenvolvimento de uma estratégia geral de tarifação e financiamento das infra-estruturas para todos os modos de transporte. A Comissão tenciona elaborar em 1998 uma comunicação sobre uma abordagem coerente neste domínio.

2.5.7. Em matéria de auxílios estatais, a Comissão continuará a examinar os auxílios financeiros públicos aos activos utilizados pelas empresas no exercício de actividades comerciais nos portos. Um enquadramento para a tarifação portuária poderia incluir normas sobre auxílios estatais no sector portuário.

2.5.8. A Comissão frisa que as infra-estruturas marítimas fora da zona portuária exigem particular atenção. Relativamente às ajudas costeiras à navegação na zona portuária e à dragagem dos canais de acesso ao porto, a aplicação do princípio do utente-pagador deverá ser ponderada com prudência, atendendo às diferentes situações geográficas dos portos.

2.6. O terceiro capítulo do livro verde versa sobre «Serviços portuários: organização e acesso ao mercado».

2.6.1. Os portos oferecem uma miscelânea de serviços e instalações, que se podem distinguir entre os relacionados com o navio e os relacionados com a carga. Os serviços portuários funcionam geralmente em sistemas fechados, protegidos por direitos exclusivos e/ou monopólios de direito ou de facto de carácter público ou privado. No último decénio, tem-se assistido a uma orientação mais comercial dos serviços de movimentação de carga, devido ao desenvolvimento tecnológico e à intensificação da concorrência interportuária, enquanto no mercado dos serviços relacionados com o navio continuam a existir restrições.

2.6.2. O Tribunal de Justiça e a Comissão adoptaram várias decisões relativas aos portos, em especial no domínio da concorrência (por abuso de posição dominante, por tarifas discriminatórias, etc.).

2.6.3. Em complemento desta abordagem casuística, a Comissão propõe um quadro regulamentar a nível comunitário apontado para uma liberalização mais sistemática do mercado dos serviços portuários nos principais portos com tráfego internacional, a fim de criar, num período de tempo razoável, condições equitativas de concorrência interportuária.

2.6.4. O objectivo das medidas de liberalização seria assegurar o livre acesso ao mercado dos serviços portuários com base na transparência, na não-discriminação e em certos princípios de tarifação, criando simultaneamente um quadro adequado para o cumprimento das obrigações de serviço público, sempre que estas sejam consideradas necessárias.

2.6.5. A Comissão sublinha que a heterogeneidade destes serviços e a diversidade dos portos exigem uma abordagem diferenciada da liberalização dos vários tipos de serviços portuários. As medidas de liberalização teriam de ser introduzidas gradualmente, para que o sector disponha do tempo suficiente para se adaptar.

3. Considerações na generalidade

3.1. O Comité Económico e Social concorda com a Comissão que o livro verde evidenciará a importância para a União de um sector portuário eficiente. Pelos portos da Comunidade passa mais de 90 % do comércio da União com os países terceiros, cerca de 30 % do tráfego intracomunitário e um número superior a 200 milhões de passageiros por ano.

3.2. O objectivo do livro verde é lançar um amplo debate para identificar os problemas do sector portuário. Várias medidas tendentes a solucionar esses problemas seriam avaliadas e, se necessário, seguidas de propostas concretas de legislação comunitária. O Comité é favorável à abordagem gradual de uma política nesse domínio, porquanto o sector portuário só tem beneficiado de medidas comunitárias em pequena escala.

3.3. O Comité subscreve os objectivos principais do livro verde de uma política comunitária para o sector portuário que aumente a eficiência dos portos, melhore as infra-estruturas portuárias e marítimas integrando os portos na rede transeuropeia de transportes e assegure uma concorrência livre e leal no sector portuário. O intuito final deve ser a promoção da competitividade industrial da Europa e o incremento do bem-estar dos cidadãos nos Estados-Membros.

3.4. O livro verde apresenta uma descrição e uma análise equilibradas dos problemas do sector portuário tal como são entendidos pelos utentes e pelos próprios portos. O Comité defenderia, no entanto, uma abordagem mais sistemática na descrição das várias actividades que têm lugar nos portos e na sua cintura e na análise da necessidade de acções para cada uma dessas actividades. Ademais, uma deficiência do livro verde consiste na falta de dados fundamentais, por exemplo sobre a estrutura do sistema portuário europeu, sobre receitas e despesas, e sobre o montante das tarifas cobradas em diferentes portos por serviços similares.

3.5. Há uma tendência manifesta para considerar e tratar os portos como entidades comerciais, que devem repercutir os seus preços nos utentes que deles beneficiam directamente, independentemente do regime de propriedade. O Comité felicita-se por esta evolução e opina que a política portuária da Comunidade deve fundar-se na noção que os portos são entidades comerciais que operam numa economia de mercado e aplicam o princípio do utente-pagador. Tal abordagem facilitará a elaboração da política, na medida em que as operações portuárias deverão ser submetidas, em princípio, às mesmas normas que a maioria das outras actividades económicas.

3.6. O livro verde assinala ser necessário abordar com prudência a aplicação do princípio do utente-pagador a determinadas infra-estruturas marítimas e serviços portuários, como faróis e outras ajudas à navegação, quebra-mares, comportas, dragagens e quebra-gelos. Nalguns Estados-Membros o investimento e a utilização dessas instalações são financiados pelo contribuinte e noutros pelo utente do porto. No entender do Comité, esta situação não é aceitável. O princípio de transparência não é respeitado sempre, ocorrendo uma distorção da concorrência interportuária. Urge, pois, que a Comissão emita orientações que definam quem paga tais instalações.

3.7. O sector dos transportes inclui actividades económicas que, em princípio, se assemelham aos portos: aeroportos, estações ferroviárias, e terminais de transporte combinado rodoviário-ferroviário. Como os portos, não são modos de transporte, mas pontos de transferência na cadeia de transporte intermodal. O Comité gostaria que o livro verde tivesse incluído referências e comparações com aeroportos, por exemplo, já que partilham características similares aos portos, apesar de a concorrência entre aeroportos ser menos acentuada que a concorrência entre portos marítimos. Uma directiva do Conselho relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade foi adoptada em 1996 e em 1997 a Comissão apresentou uma proposta de directiva do Conselho relativa às taxas aeroportuárias. No presente livro verde, o acesso ao mercado dos serviços portuários e o enquadramento tarifário são duas questões vitais.

3.8. O livro verde afirma que: Os serviços portuários devem ser considerados parte integrante do sistema de transporte marítimo visto serem indispensáveis para o bom funcionamento deste modo de transporte. Trata-se, no entender do Comité, de uma afirmação infeliz, porquanto todo o sistema de transportes terrestres (ferroviário, rodoviário, fluvial) está, relativamente aos portos, em igualdade de circunstâncias com o sistema de transporte marítimo. No entender do Comité, os portos têm simultaneamente de satisfazer as necessidades do sistema de transporte terrestre e do sistema de transporte marítimo.

3.9. O livro verde acentua que a concorrência interportuária se tem intensificado, especialmente no atinente ao tráfego de contentores. Significa isto que as decisões em matéria de tarifário, desenvolvimento portuário e financiamento de um determinado porto podem ter efeitos marcados nos portos vizinhos, a nível quer nacional quer internacional. A intensificação da concorrência interportuária resulta em sistemas de transporte mais eficientes, mas o Comité considera essencial que ela se processe em condições de igualdade e lealdade e não seja distorcida por auxílios estatais ou práticas desleais. Apraz, pois, ao Comité que a Comissão tencione actualizar a informação relativa aos fluxos financeiros do sector público para os vários tipos de portos nos Estados-Membros e proceder ao levantamento dos financiamentos públicos concedidos aos principais portos com tráfego internacional e das práticas tarifárias desses portos. O Comité sugere que o pedido de informação sobre as fontes de financiamento seja dirigido aos Estados-Membros e não aos portos.

3.10. O Comité gostaria de chamar a atenção para o facto de a concorrência interportuária ser afectada não só pelo que é feito pelos portos mas também pelo desenvolvimento das ligações rodoviárias, ferroviárias e fluviais com o interior. A melhoria das infra-estruturas rodoviárias ou ferroviárias pode beneficiar certos portos em detrimento de outros. Há casos em que foram fixadas taxas de frete ferroviário para promover fluxos de tráfego de e para certos portos marítimos. No entender do Comité, a Comissão e os Estados-Membros deverão dar mais atenção a essa eventual distorção da concorrência interportuária.

3.11. Para elaborar uma política comunitária para o sector portuário, têm de ser contemplados todos os aspectos e pontos de vista. Há que considerar, por exemplo, as consequências sociais das medidas adoptadas. Nesse contexto, o Comité deseja salientar o seguinte. Do que agora se trata é de prosseguir consequentemente o diálogo entre todos os participantes, que o livro verde lançou, contemplando especialmente a dimensão social. O CES a tal prestou um contributo, levando a efeito, em 11 de Maio de 1998, a sua audição dos parceiros sociais ao nível sectorial. Cada modo de transporte dispõe de um comité paritário para o diálogo social a nível sectorial. Existe um grupo de trabalho «transporte combinado» para promover o contacto entre os comités e para coordenar as suas actividades. Os portos marítimos não são abrangidos, quando, em contrapartida, o comité paritário da aviação civil inclui explicitamente os aeroportos. O pedido dos trabalhadores de um comité paritário dos portos marítimos ainda não foi deferido. O Comité aplaude, pois, a iniciativa de um diálogo organizado entre os parceiros sociais no sector portuário.

4. Observações na especialidade

4.1. Enquadramento para a tarifação portuária

4.1.1. O livro verde examina a possibilidade de criar um enquadramento comunitário para a tarifação portuária a fim de resolver os problemas de concorrência desleal, abuso de posição dominante e discriminação entre utentes. Para os serviços portuários, a Comissão sugere que tal enquadramento assente em certos princípios gerais com vista a assegurar que os preços cobrados reflictam o custo dos serviços prestados. No atinente às infra-estruturas, a Comissão considera que as tarifas podem ser fixadas em função dos custos marginais, reflectindo os novos investimentos. O enquadramento sugerido suscita várias questões importantes e práticas sobre as quais o Comité se pronuncia a seguir.

4.1.2. Como já se assinalou atrás, os portos só muito raramente pertencem e são operados pela mesma organização, mas são entidades complexas e diversas que compreendem vários organismos, cada um especializado em determinadas actividades e serviços (cf. pontos 1.3 e 3.4 supra). Por conseguinte, pode ser difícil criar um enquadramento geral para a tarifação portuária, que se aplicaria, a um tempo, a infra-estruturas e serviços.

4.1.3. Em nota ao ponto 52, o livro verde afirma que «Embora os custos de trânsito globais possam, no caso do tráfego de longo curso, não representar uma fracção significativa dos custos totais do transporte porta-a-porta (5-10 %), no caso do tráfego de curta distância tais custos portuários representam 40 a 60 % dos custos totais [...]». Seria desejável que tais custos fossem indicados por tipo de serviço para se ter uma ideia da sua importância respectiva na aplicação do princípio da tarifação em função dos custos.

4.1.4. No que tange às infra-estruturas, o livro verde examina vários princípios de tarifação. Faltam, contudo, definições precisas do que deverá ser incluído no termo infra-estrutura (é evidente que as docas e zonas terrestres limítrofes são de incluir no termo infra-estrutura bem como faróis e outro equipamento de assistência naval, mas como proceder com os pórticos e armazéns?).

4.1.5. Os portos são em larga medida entidades comerciais. Por isso, deverão estar submetidos às mesmas regras que a maioria das outras actividades económicas que operam numa economia de mercado e o princípio do utente-pagador deverá aplicar-se com raras excepções. Nesta perspectiva, um enquadramento específico para a tarifação portuária não é relevante.

4.1.6. O Comité concorda com a Comissão que ocorrem problemas de concorrência desleal, abuso de posição dominante e discriminação entre utentes, pese embora desconhecer-se a dimensão do problema. Duvida-se, no entanto, que uma directiva do Conselho sobre um enquadramento para a tarifação portuária seja o instrumento adequado para dar resposta a tais problemas. No entender do Comité, a existência de preceitos claros sobre auxílios estatais, o cumprimento rigoroso desses mesmos preceitos e a aplicação estrita das regras de concorrência (artigos 85º e 86º do Tratado) deverão bastar para solucionar os problemas.

4.1.7. Quanto aos auxílios estatais, a Comissão tem encarado o investimento público em infra-estruturas - acessível a todos os utentes numa base não-discriminatória - como uma medida geral de política económica não abrangida pelas regras relativas aos auxílios estatais na acepção do artigo 92º do Tratado. Por outro lado, sempre que os investimentos favorecem certos operadores em lugar de outros, estes são considerados subsídios. Podem, no entanto, beneficiar de isenções previstas no Tratado, por exemplo no caso dos projectos de desenvolvimento de regiões económicas [artigo 92º, nº 3, alínea c)]. O auxílio estatal a empresas prestadoras de serviços é geralmente considerado como abrangido pelo artigo 92º (com as isenções previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo). Trata-se de matéria de grande complexidade e a interpretação do que é considerado auxílio estatal no sector portuário difere de um Estado-Membro para outro, podendo dar origem a concorrência desleal entre portos ou operadores. No entender do Comité, a Comissão deve dar orientações às entidades portuárias sobre os auxílios estatais para que fiquem em situação comparável. Essas orientações terão de definir o que se entende por «auxílio» e por «infra-estrutura» e de clarificar o conceito de «acesso livre».

4.2. Serviços portuários e acesso ao mercado

4.2.1. Os serviços portuários funcionam geralmente em sistemas fechados, protegidos por direitos exclusivos e/ou monopólios de direito ou de facto. Esta organização tradicional tem sido amplamente criticada e em resultado desta atitude crítica, assistiu-se no último decénio ao levantamento gradual das restrições, principalmente no mercado dos serviços de movimentação de carga. Apesar disso, as práticas actuais têm dado origem a várias denúncias de utentes e fornecedores potenciais de tais serviços, tendo o Tribunal de Justiça e a Comissão adoptado várias decisões. (Uma compilação dos processos recentes foi publicada num artigo sobre «Ports maritimes et concurrence» em Competition Policy Newsletter (D.-G. IV), 1998, nº 1, Fevereiro.)

4.2.2. Em complemento da abordagem casuística, o livro verde propõe o estabelecimento de um quadro regulamentar comunitário apontado para uma liberalização mais sistemática do mercado dos serviços portuários a fim de criar condições equitativas de concorrência entre e nos portos comunitários.

4.2.3. O Comité dá todo o seu apoio à proposta da Comissão. No sector da movimentação de carga, é importante que possam entrar no mercado não só novos operadores «tradicionais» mas também armadores, agentes de navegação e transitários (autoprestação).

4.2.4. O Comité constata que o princípio do livre acesso ao mercado não pode ser aplicado a todas as situações, devido à heterogeneidade desses serviços e à diversidade dos portos em termos de dimensões, funções e características geográficas. O livro verde sugere que o quadro regulamentar seria aplicado «aos portos com tráfego internacional». Cabe notar que na maioria dos portos europeus - independentemente da dimensão - o comércio internacional é significativamente mais importante que o doméstico. O Comité entende que o quadro regulamentar deveria observar os requisitos de segurança marítima e portuária.

4.3. Transporte marítimo de curta distância

4.3.1. Promover o desenvolvimento do transporte marítimo de curta distância é uma das prioridades da política de transportes comunitária, como elemento da melhoria da eficiência dos portos. Em complemento do que se afirmou no ponto 4.2, há, no entender do Comité, um sector que carece de acção comunitária, nomeadamente as formalidades aduaneiras e de trânsito (fora do controlo directo dos operadores portuários). A complexidade das formalidades portuárias (documentais e processuais) impõe custos significativos a operadores e utentes.

4.3.2. O Comité aplaude, pois, a iniciativa da Comissão de proceder a um estudo da situação a fim de identificar os requisitos portuários que afectam o transporte marítimo e os comparar com os existentes nos modos de transporte terrestre; o estudo incide sobretudo nas formalidades aduaneiras.

4.3.3. Como fazia notar o parecer do Comité () sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões intitulada «O transporte marítimo de curta distância: perspectivas e desafios» (): o sector do transporte marítimo de curta distância compreende uma multiplicidade de actividades e de serviços diversificados, sem características homogéneas. Nos transportes marítimos, os principais tipos de serviços são, entre outros, o transporte de granéis, o «ro-ro», os serviços de redistribuição e os transportes regulares de linha. O Comité salientava ainda a pouca atenção dada ao facto de em muitos corredores de tráfego comercial na Europa o transporte marítimo de pequeno curso fazer concorrência ao transporte ferroviário e não ao transporte rodoviário. Convém que esse elemento seja reconhecido na formulação das políticas comunitárias relativas aos portos marítimos e ao transporte marítimo de curta distância.

4.4. Papel dos portos na rede transeuropeia de transportes

4.4.1. A Comissão considera a plena integração dos portos na rede transeuropeia de transportes desejável para a criação da rede multimodal, tendo em conta, em especial, a necessidade de assegurar as ligações com as regiões periféricas e promover o transporte marítimo de curta distância. Em paralelo com o presente livro verde foi apresentada uma proposta () que altera as actuais orientações comunitárias para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes [Decisão (CE) nº 1692/96 ()].

4.4.2. O Comité adoptou recentemente um parecer () sobre esta proposta, não se lhe afigurando necessário tecer mais comentários. Contudo, especialmente no que se refere ao desenvolvimento do transporte intermodal, o Comité não pode deixar de reiterar o que reza naquele parecer: O Comité manifesta o seu desagrado pelo que aparenta ser a quase total eliminação do transporte rodoviário do desenvolvimento de portos marítimos e do transporte combinado no contexto da RTE. Embora apoie o desenvolvimento do transporte intermodal como condição essencial da manutenção da mobilidade sustentável, o Comité sugere que a Comissão não pode ignorar o facto de que uma proporção substancial das mercadorias que passam pelos portos comunitários é actualmente transportada por estrada e que os projectos de transporte rodoviário serão necessários para a integração dos portos e terminais na RTE.

4.5. Dimensão social da política comunitária para o sector portuário

4.5.1. A evolução técnica, comercial e organizativa em curso no sector portuário tem efeitos significativos no emprego e nas condições de trabalho dos trabalhadores portuários. O livro verde refere tal facto, mas deveria tê-lo abordado mais sistematicamente.

4.5.2. Nos últimos decénios, o desenvolvimento das modernas tecnologias de movimentação de carga acarretou reduções substanciais no emprego portuário directo. Ao mesmo tempo, começaram a ser exigidas qualificações mais elevadas aos trabalhadores portuários e estes viram-se forçados a aceitar um horário de trabalho mais flexível e irregular. O Comité considera essencial que uma política europeia para o sector portuário integre também a dimensão laboral com vista a garantir e a explorar a oportunidade de criação de postos de trabalho qualificados. Nesse contexto, importa também promover a formação com vista à adaptação dos trabalhadores portuários às novas tecnologias e formas de organização do trabalho.

4.5.3. O Comité é de opinião que, nos portos de maiores dimensões, os centros de recrutamento podem continuar a ser um mecanismo de ajustamento útil para dar resposta à flutuação das necessidades de mão-de-obra dos operadores portuários e das empresas individuais. O recrutamento dos trabalhadores portuários nesses centros rege-se pelas condições de trabalho legais, incluindo o regime obrigatório de segurança social. Os encargos que incumbem ao empregador devem ser suportados pelas empresas que recorrem aos trabalhadores registados nos centros de recrutamento.

4.5.4. O livro verde faz referência fortuita aos instrumentos pertinentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Comité sublinha que esses instrumentos deveriam ser contemplados mais exaustivamente no processo de reflexão sobre as futuras políticas comunitárias para o sector portuário.

4.5.5. A OIT adoptou duas convenções sobre o trabalho portuário:

- convenção sobre as consequências sociais dos novos métodos de movimentação de carga nos portos (nº 137) e

- convenção sobre a segurança e a saúde dos trabalhadores no trabalho portuário (nº 152).

As duas convenções foram até à data ratificadas por sete Estados-Membros.

4.5.6. A ratificação das convenções da OIT não é da competência da União mas de cada um dos Estados-Membros. No entanto, o Tribunal de Justiça recomendou, numa opinião dos juizes de 1991 sobre a competência da Comissão Europeia e dos Estados-Membros em assuntos da OIT (em especial no sector da segurança e da saúde dos trabalhadores), que as duas partes deveriam cooperar estreitamente com vista a negociar, ratificar e aplicar as convenções da OIT. Nesse contexto, o Comité recomenda à Comissão que tome uma iniciativa de cooperação no futuro próximo, esperando que ela resulte na ratificação das duas convenções pelos Estados-Membros que ainda o não fizeram.

5. Síntese e conclusões

5.1. Há uma grande diversidade entre portos em termos de regime de propriedade, organização interna e participação pública na administração portuária, o que é reflexo de tradições históricas e filosofias diferentes quanto ao papel dos portos e ao grau de apoio, intervenção e controlo do governo no atinente ao financiamento e à tarifação.

5.2. O objectivo do livro verde é lançar um amplo debate para identificar os problemas do sector portuário. Várias medidas tendentes a solucionar esses problemas seriam avaliadas e, se necessário, seguidas de propostas concretas de legislação comunitária. O Comité é favorável à abordagem casuística de uma política nesse domínio, porquanto o sector portuário só tem beneficiado de medidas comunitárias em pequena escala.

5.3. O Comité subscreve o principal objectivo do livro verde de uma política comunitária portuária destinada a aumentar a eficiência dos portos e melhorar as infra-estruturas portuárias e marítimas integrando os portos na rede multimodal transeuropeia e a assegurar uma concorrência livre e leal no sector portuário.

5.4. A intensificação da concorrência interportuária resulta em sistemas de transporte mais eficientes, mas o Comité considera essencial que ela se processe em condições de igualdade e lealdade e não seja distorcida por auxílios estatais ou práticas desleais. Apraz, pois, ao Comité que a Comissão tencione actualizar a informação relativa aos fluxos financeiros do sector público para os vários tipos de portos nos Estados-Membros e proceder ao levantamento dos financiamentos públicos concedidos aos principais portos com tráfego internacional e das práticas tarifárias desses portos.

5.5. O Comité gostaria de chamar a atenção para o facto de a concorrência interportuária ser afectada não só pelo que é feito pelos portos mas também pelo desenvolvimento das ligações rodoviárias, ferroviárias e fluviais com o interior. No entender do Comité, estes aspectos são não raro descurados.

5.6. Há uma tendência manifesta para considerar e tratar os portos como entidades comerciais, que devem repercutir os seus preços nos utentes que deles beneficiam directamente, independentemente do regime de propriedade. O Comité felicita-se por esta evolução e opina que a política portuária da Comunidade deve fundar-se na noção que os portos são entidades comerciais que operam numa economia de mercado e aplicam o princípio do utente-pagador.

5.7. O livro verde assinala ser necessário abordar com prudência a aplicação do princípio do utente-pagador. Nalguns Estados-Membros o investimento e a utilização de determinadas infra-estruturas marítimas e serviços portuários, como faróis e outras ajudas à navegação, quebra-mares, comportas, dragagens e quebra-gelos, são financiados pelo contribuinte e noutros pelo utente do porto. No entender do Comité, esta situação não é aceitável, porque redunda numa distorção da concorrência interportuária. Urge, pois, que a Comissão emita orientações que definam quem paga tais instalações.

5.8. Para elaborar uma política comunitária para o sector portuário, têm de ser contemplados todos os aspectos e pontos de vista. Há que considerar, por exemplo, as consequências sociais das medidas adoptadas. O Comité aplaude, pois, a criação de um comité paritário no sector portuário como instância para um diálogo organizado entre os parceiros sociais.

5.9. O livro verde examina a possibilidade de criar um enquadramento comunitário para a tarifação portuária a fim de resolver os problemas de concorrência desleal, abuso de posição dominante e discriminação entre utentes. O Comité chama a atenção para alguns aspectos práticos relacionados com o enquadramento sugerido e duvida que uma directiva do Conselho sobre um enquadramento para a tarifação portuária seja o instrumento adequado para dar resposta a tais problemas. No entender do Comité, a existência de preceitos claros sobre auxílios estatais, o cumprimento rigoroso desses mesmos preceitos e a aplicação estrita das regras de concorrência (artigos 85º e 86º do Tratado) deverão bastar para solucionar os problemas.

5.10. O livro verde propõe o estabelecimento de um quadro regulamentar comunitário apontado para uma liberalização mais sistemática do mercado dos serviços portuários nos principais portos com tráfego internacional, a fim de criar, num período de tempo razoável, condições equitativas de concorrência interportuária. O Comité dá todo o seu apoio à proposta da Comissão, mas reconhece que o princípio do livre acesso ao mercado não pode ser aplicado a todas as situações, devido à heterogeneidade desses serviços e à diversidade dos portos em termos de dimensões, funções e características geográficas.

5.11. O Comité aplaude a iniciativa da Comissão de proceder a um estudo da situação a fim de identificar os requisitos portuários que afectam o transporte marítimo e os comparar com os existentes nos modos de transporte terrestre. A complexidade das formalidades portuárias (documentais e processuais) impõe custos significativos a operadores e utentes.

5.12. A evolução técnica, comercial e organizativa em curso no sector portuário tem efeitos significativos no emprego e nas condições de trabalho dos trabalhadores portuários. O livro verde refere tal facto, mas deveria tê-lo abordado mais sistematicamente. O Comité considera essencial que uma política europeia para o sector portuário integre também a dimensão laboral com vista a garantir e a explorar a oportunidade de criação de postos de trabalho qualificados.

5.13. O Comité sublinha que as convenções pertinentes da OIT deveriam ser contempladas mais exaustivamente no processo de reflexão sobre as futuras políticas comunitárias para o sector portuário. O Comité recomenda à Comissão que tome iniciativas de cooperação com os Estados-Membros, com vista a ratificar e aplicar as convenções da OIT.

Bruxelas, 9 de Setembro de 1998.

O Presidente do Comité Económico e Social

Tom JENKINS

() A secção convidou administrações portuárias, sindicatos, agentes de navegação e armadores para uma audição do grupo de estudo em 11 de Maio de 1998. Também foram apresentados depoimentos escritos. Participaram na referida audição as organizações seguintes: FEPORT (Federação dos Operadores Portuários Privados), ESPO (Organização dos Portos Marítimos Europeus), Federação dos Sindicatos do Sector dos Transportes na UE, ESC (Conselho dos Agentes de Navegação Europeus) e ECSA (Associação dos Armadores da Comunidade Europeia).

() COM(95) 317 final.

() JO C 97 de 1.4.1996, p. 15.

() Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Decisão (CE) nº 1692/96 relativamente aos portos marítimos, portos de navegação interior e terminais intermodais, bem como ao projecto nº 8 do Anexo III (COM(97) 618 final) - JO C 120 de 18.4.1998, p. 14.

() Decisão (CE) nº 1692/96 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Julho de 1996 sobre as orientações comunitárias para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes - JO L 228 de 9.9.1996, p. 1; parecer do Comité Económico e Social - JO C 397 de 31.12.1994, p. 23.

() JO C 214 de 10.7.1998, p. 40.

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