17.11.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/34


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Conselho relativa à vigilância e ao controlo das transferências de resíduos radioactivos e combustível usado»

COM(2004) 716 final - 2004/0249 (CNS)

(2005/C 286/07)

Em 12 de Novembro de 2004, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 31.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

A Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 19 de Maio de 2005, sendo relator S. BUFFETAUT.

Na 418.a reunião plenária de 8 e 9 de Junho de 2005 (sessão de 9 de Junho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 120 votos a favor e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

A supervisão e controlo das transferências de resíduos radioactivos entre Estados-Membros é regida pela Directiva 92/3 do Conselho de 3 de Fevereiro de 1992.

1.2

A directiva é aplicável não só às transferências entre Estados-Membros como também às importações para a Comunidade e às exportações para fora da Comunidade. Tem em vista garantir que os Estados-Membros de destino e de trânsito sejam informados da transferência de resíduos radioactivos para ou através do seu país, que podem aceitar ou recusar.

1.3

No que respeita às exportações, as autoridades do país terceiro de destino são informadas da transferência.

1.4

Após mais de dez anos de aplicação globalmente satisfatória, a Comissão considerou necessário proceder a adaptações que se justificam por razões práticas e jurídicas.

1.5

O processo de revisão inscreve-se no contexto da 5.1a fase da iniciativa para uma simplificação da legislação do mercado interno (SLIM Simple Legislation for Internal Market).

1.5.1

Tinha por objectivo interrogar-se sobre a oportunidade:

de incorporar novas disposições técnicas;

tornar a directiva coerente com as novas directivas Euratom e com determinados acordos internacionais;

esclarecer ou eliminar as incoerências relativas ao direito dos países terceiros a serem consultados sobre a transferência dos resíduos radioactivos em questão;

estender o campo de aplicação da directiva, a fim de incluir o combustível usado destinado ao reprocessamento;

análise e esclarecimento das regras da directiva para a recusa de autorização das transferências de resíduos radioactivos;

simplificar o documento uniforme de notificação;

substituição da directiva por um regulamento.

1.5.2

A discussão dessas questões levou a que fossem apresentadas 14 recomendações, que serviram de base de reflexão para a revisão da directiva.

2.   A nova proposta de directiva

2.1

A Comissão Europeia apresentou quatro razões para a alteração da Directiva 92/3.

coerência com as últimas directivas Euratom;

coerência com as convenções internacionais;

clarificação do processo na prática: trata-se de clarificar determinados conceitos, modificar as definições existentes ou aditar novas definições, eliminar incoerências e simplificar o processo;

extensão do campo de aplicação ao combustível irradiado: nos termos da Directiva 92/3, o combustível usado para o qual não se prevê utilização posterior é considerado como um «resíduo radioactivo», portanto sujeito ao controlo definido na directiva. Em contrapartida, as transferências de combustível usado para reprocessamento não estão sujeitas a este processo. A Comissão pretende englobar o combustível usado, destinado ao reprocessamento, no campo de aplicação da directiva, pois considera ilógico aplicar ou não aplicar a legislação, em função do uso destinado ao combustível usado, sendo a sua natureza idêntica.

2.2

Finalmente, a Comissão deseja melhorar, no plano de técnica jurídica, a estrutura do texto.

3.   Observações na generalidade

3.1

Com o uso, como revelou a Comissão, o texto colocou alguns problemas práticos de aplicação. Interrogada no âmbito do processo SLIM, a indústria nuclear formulou recomendações no sentido de uma clarificação e simplificação dos processos existentes a fim de melhorar a eficácia do sistema e ganhar previsibilidade e tempo.

3.2

A vontade da Comissão de actualizar a directiva para a tornar conforme com as últimas directivas Euratom é coerente com as convenções internacionais, designadamente com a Convenção Comum sobre a segurança da gestão do combustível usado e a segurança da gestão dos resíduos radioactivos, justificando-se, ainda, por razões de simplificação.

3.3

Os esforços de simplificação dos processos existentes, por exemplo, a generalização do processo automático de aprovação (art. 6.o), a criação de um aviso de recepção do pedido de aprovação (art. 8.o), a adaptação do regime linguístico do documento uniforme (art. 13.o), merecem ser sublinhados e aprovados. Poder-se-ia, talvez, ter ido mais longe no sentido do processo SLIM. Com efeito, ainda subsistem várias dificuldades identificadas na prática. Determinadas modificações sugeridas ocasionam, além do mais, interrogações sobre a sua aplicação prática. Outras alterações correm o risco de entravar o bom funcionamento das transferências de resíduos radioactivos e de combustíveis usados. Finalmente, os meios industriais preocupam-se com a extensão do campo de aplicação da Directiva 92/3/Euratom aos combustíveis usados destinados ao reprocessamento, o que corre o risco de tornar as transferências mais difíceis e aumentará os processos administrativos sem aumentar o grau de protecção da população e dos trabalhadores já assegurados por instrumentos jurídicos, designadamente pela Convenção Comum sobre a segurança da gestão do combustível usado e a segurança dos resíduos radioactivos, bem como as regras em vigor sobre o transporte de matérias radioactivas.

4.   Observações na especialidade

A redacção actual da proposta levanta algumas questões de princípio importantes.

4.1   A nova directiva e a livre circulação do combustível usado destinado ao reprocessamento

4.1.1

Uma das alterações importantes da nova proposta é estender o campo de aplicação da directiva a todos combustíveis usados, sem distinção de serem reprocessados ou armazenados em fim de percurso.

Actualmente, os combustíveis usados destinados ao reprocessamento não entram no campo de aplicação da Directiva 92/3, pois, diversamente dos resíduos radioactivos, são considerados como mercadorias à espera de utilização.

4.1.2

Esta distinção entre combustíveis usados destinados ao armazenamento definitivo, considerados como resíduos radioactivos, e os combustíveis usados destinados ao reprocessamento foi explicitada claramente, em várias ocasiões, pela Comissão (respostas às questões parlamentares E-1734/97 et P-1702/02). O que traduz, além do mais, o direito de cada Estado-Membro de definir e aplicar a sua própria política de gestão do combustível usado bem como as diferenças de estratégia existentes na matéria.

4.1.3

A Comissão invoca argumentos de protecção das radiações e de lógica (trata-se das mesmas matérias, apenas muda o destino) para estender o campo de aplicação aos combustíveis usados destinados ao reprocessamento. Uma vez que as matérias radioactivas estão sob o mesmo regime, seja qual for o seu destino, o desafio é evitar que a nova regulamentação proposta seja desviada do seu objectivo para criar obstáculos às transferências de combustíveis usados. Por este motivo, o mecanismo de aprovação constitui um elemento de equilíbrio do texto que se deve manter. Participa, igualmente, neste equilíbrio uma definição mais estrita dos fundamentos de recusa de autorização de transferências pelos Estados de trânsito.

4.2   A problemática do Estado de trânsito

4.2.1

A nova proposta dá a seguinte definição de «país de trânsito»: qualquer país diferente do país de origem e do país de destino através de cujo território se pretenda efectuar ou tenha sido efectuada uma transferência. O que se entende por território? O espaço terrestre, as águas territoriais, a zona económica exclusiva e o espaço aéreo?

4.2.2

Seria necessário precisar os conceitos, pois as consequências das disposições podem variar consideravelmente conforme, por exemplo, a zona económica exclusiva constitua ou não parte integrante de um território. Recorde-se que, em direito internacional, as competências de um Estado variam em função da parte de território considerado.

4.2.3

O direito internacional público reconhece aos Estados plena soberania sobre as águas territoriais, mas não sobre a zona económica exclusiva e sobre a plataforma continental, onde os seus direitos são limitados. O CESE é de opinião de que convém entender por território do Estado de trânsito o seu território terrestre e aéreo bem como as suas águas territoriais, não incluindo a zona económica exclusiva.

4.2.4

Esta posição é tanto mais justificada quanto, por exemplo, não existe zona económica exclusiva no mar Mediterrâneo, uma vez que a bacia mediterrânica não é suficientemente extensa para o permitir. Ora a União Europeia comporta numerosos Estados mediterrânicos que, portanto, não beneficiariam dos mesmos direitos que outros Estados-Membros. O CESE recomenda, além disso, que a definição mais precisa do território do Estado de trânsito seja aplicada à luz dos direitos e liberdades de navegação reconhecidos pelo direito internacional, nomeadamente o princípio da passagem inofensiva nas águas territoriais, à semelhança do disposto especificamente na alínea (i) do n.o 3 do artigo 27.o da Convenção comum.

4.3   A definição dos direitos do Estado de trânsito

4.3.1

Convém interrogar-se sobre o alcance dos direitos reconhecidos aos Estados de trânsito no quadro desta directiva.

4.3.2

A proposta prevê o acordo prévio dos Estados de trânsito, quer se trate de Estados-Membros da Comunidade quer de Estados terceiros.

4.3.3

Quando os Estados-Membros têm de pedir autorização prévia para transitar por um país terceiro, devem assegurar-se de que este respeita as normas convencionais de segurança.

4.4   Condições de exercício, por um Estado de trânsito, dos direitos que lhe são conferidos

4.4.1

O n.o 3, alínea i) do artigo 27.o da Convenção Comum da AIEA precisa que nenhuma disposição da convenção «prejudica ou atenta contra o exercício, por navios ou aeronaves de todos os Estados, dos direitos ou liberdades de navegação marítima, fluvial ou aérea, tal como previsto no direito internacional».

4.4.2

A equipa SLIM tinha sugerido que se acrescentasse uma disposição comparável na directiva, o que efectivamente seria oportuno.

4.4.3

Em qualquer dos casos, seria necessário circunscrever mais precisamente as razões que poderão ser invocadas por um Estado-Membro de trânsito para recusar o consentimento a uma transferência. A Directiva 92/3 criou um regime de derrogação aos princípios do mercado comum nuclear e, como tal, este regime derrogatório deverá ser estritamente aplicado. Assim, a coberto desta directiva, os Estados de trânsito apenas poderão opor-se às transferências por razões de não cumprimento da regulamentação internacional e comunitária relativa ao transporte; ora a proposta actual da Comissão limita-se a referir a «legislação pertinente em vigor», fórmula imprecisa.

4.4.4

Seria mais claro e mais útil fazer a distinção entre Estado-Membro de trânsito e Estado-Membro de destino. Para o Estado-Membro de trânsito, a principal preocupação consiste em assegurar que a operação de transferência em questão satisfaz as condições exigidas pela regulamentação internacional e comunitária relativa aos transportes de matérias radioactivas. Para o Estado-Membro de destino, as preocupações são mais amplas e dizem respeito não só às questões de transporte mas também às de gestão das matérias radioactivas.

4.4.5

O n.o 3 do artigo 6.o poderia ser assim redigido:

«A recusa da concessão de autorização ou a fixação de condições de autorização deverão ser devidamente justificadas:

i)

para os Estados-Membros de trânsito, com fundamento na regulamentação internacional, comunitária e nacional relativa a transportes de matérias radioactivas;

ii)

para os Estados-Membros de destino, com fundamento na legislação pertinente, em matéria de gestão dos resíduos radioactivos e de gestão dos combustíveis usados ou da regulamentação internacional, comunitária e nacional relativa a transportes de matérias radioactivas.».

4.4.6

Finalmente, o mecanismo de aprovação automática, que permite evitar que os Estados recorram a medidas dilatórias ou atrasem os processos, é muito útil e não deverá ser posta em causa (n.o 2 do artigo 6.o da proposta).

4.5   Dificuldades práticas de aplicação de determinados processos

4.5.1

A proposta de directiva traz verdadeiras simplificações aos processos existentes o que é positivo. No entanto, subsistem ainda dificuldades e algumas interrogações quanto à aplicação prática de determinadas modificações.

4.6   Clarificar as regras de controlo das importações e das exportações (artigos 10.o, 11.o e 12.o)

4.6.1

A estrutura da directiva foi alterada para que as diferentes fases do processo sejam mais claramente identificadas. As disposições específicas aplicam-se às importações e às exportações, mas a sua articulação com as regras gerais que especificam as fases do processo deveria ser clarificada.

4.6.2

Assim, uma leitura combinada do n.o 1 do artigo 10.o com as disposições gerais da proposta, levaria, coisa curiosa, o Estado-Membro de destino a apresentar-se, a si próprio, um pedido de aprovação.

4.6.3

No n.o 2 do artigo 10.o, o conceito de «pessoa responsável pela condução da transferência» não é muito explícito e poderá abranger uma pluralidade de intervenientes. Se nos referimos a uma responsabilidade jurídica, será esta definida contratualmente ou/e por via regulamentar ou legislativa?

4.6.4

Do enunciado do n.o 2 do artigo 10.o e do artigo 12.o nasce uma interrogação precisando as condições em que as exportações são proibidas. Assim, deverá o Estados-Membro de trânsito apreciar, entre outras questões, a capacidade do Estado terceiro de destino a gerir, com segurança, os resíduos radioactivos (art. 12.o § 1 (c))? O que se passará se o Estado de trânsito considerar que o Estado de destino não tem a capacidade necessária?

4.6.5

Com o objectivo de definir claramente as disposições referentes às exportações de resíduos radioactivos e de combustível irradiado para territórios extracomunitários, propõe-se a revisão da alínea c) do artigo 12.o da directiva através de uma disposição prevendo que as autoridades dos Estados-Membros não deverão autorizar as transferências para um país terceiro que não disponha de meios técnicos, legais, administrativos, nem de regras de participação social no processo de decisão, que garantam uma gestão com segurança dos resíduos radioactivos, pelo menos no nível obrigatório para os países da UE.

4.6.6

O artigo 11.o, relativo ao controlo das exportações para fora da Comunidade não especifica o modo como o acordo das autoridades do Estado terceiro de destino será solicitado e/ou obtido. Acresce que a aplicação das regras gerais da proposta vai de encontro à extraterritorialidade dos Estados terceiros de destino que não pertencem à ordem jurídica comunitária.

4.6.7

Recusa de aprovação de transferência pelo Estado de destino. À semelhança do que se escreveu para os Estados de trânsito, será importante definir melhor e circunscrever os motivos que poderão ser invocados para justificar a recusa de aprovação de uma transferência (o n.o 3 do artigo 6.o visa as duas categorias de Estados).

4.7   Clarificação ou harmonização de determinados conceitos

4.7.1

«Resíduo radioactivo»: o n.o 1 do artigo 3.o dá uma nova definição de resíduos radioactivos, apresentado-a como decalcada da Convenção Comum; ora esta apresenta algumas diferenças. É o caso, designadamente, quando se trata de saber qual o país que decide da qualificação de resíduos radioactivos. Seria, pois, preferível ater-se à definição da Convenção Comum.

4.7.2

«Especificações técnicas»: o artigo 9.o refere-se ao conceito de «especificações técnicas segundo as quais a transferência tiver sido aprovada», sem precisar o sentido deste termo. Esta noção é muitas vezes utilizada na regulamentação dos transportes de resíduos radioactivos e de combustível usado. Conviria, para evitar qualquer risco de confusão, que o significado deste termo fosse claramente definido.

4.7.3

«Autorização — aprovação — aceitação — acordo»: vários artigos da proposta (artigos 4.o a 7.o e artigos 10.o, 11.o e 13.o) referem-se indiferentemente a estes conceitos. Uma harmonização da terminologia facilitaria a leitura e a interpretação. O CESE propõe que se retenham dois termos — autorização e consentimento. Autorização: Referir-se-ia ao acordo do país de origem. Consentimento: Visaria o acordo dado pelo país de destino e ou de origem. Esta distinção permitiria traduzir as duas grandes etapas do procedimento de controlo instituídas pela directiva.

5.   Conclusão

5.1

O CESE apoia a revisão da directiva a fim de a tornar coerente com as últimas directivas Euratom e com as convenções internacionais, bem como a simplificação e clarificação dos processos existentes. Regozija-se com a introdução na proposta de um mecanismo de aprovação automática para impedir as manobras dilatórias.

5.2

Chama, no entanto, a atenção para a necessidade de bem definir novamente as regras relativas ao trânsito a fim de que estas não tenham como efeito entravar indevidamente a transferência dos combustíveis usados destinados ao reprocessamento na Comunidade.

5.3

Finalmente, seria necessário clarificar as regras relativas às importações e às exportações, e definir de novo mais estritamente as razões que podem justificar a recusa de autorização por parte dos Estados de trânsito e de destino.

Bruxelas, 9 de Junho de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


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