Seja no ajuste de um passo, de um salto ou uma braçada, os detalhes são cruciais para chegar a uma medalha olímpica. Três dos brasileiros com mais chances de subir ao pódio olímpico em Paris sabem disso e, nos últimos meses, estão aprimorando os movimentos em busca de um melhor desempenho nos Jogos que começam daqui a um mês.
Atletas de ponta recorrem à biomecânica na preparação para os Jogos de Paris
Na marcha atlética, o balanço tênue dos pés que precisam se mover em velocidade mas não podem sair do chão ao mesmo tempo pode significar maior rapidez ou uma punição.
- É muito arriscado você tomar uma punição, por conta da emoção de querer ultrapassar alguém – diz Caio Bonfim, medalhista de bronze no último Mundial de atletismo.
E para evitar uma penalização, Caio não pode aumentar muito o ritmo das passadas no final dos 20 quilômetros, mesmo que seja para buscar o pódio, como aconteceu nos Jogos Olímpicos do Rio2016, quando acabou em quarto lugar, apenas 5 segundos atrás do medalhista de bronze.
Caio Bonfim foi buscar ajuda na ciência a resposta para diminuir a flutuação (momento em que os dois pés não tocam o solo, para evitar punições). E com movimentos mapeados por computadores, percebeu como poderia melhorar. Fez trabalhos de coordenação motora. Estudou o limite entre a velocidade nos passos e o limite da flutuação. Agora, chega a Paris como candidato a medalha.
- A junção do conhecimento com a tecnologia pode me dar mais do que esses cinco segundos, e, sim, a confiança para que eu marche tranquilo durante a prova – explica o marchador brasileiro.
Alison dos Santos vence os 400m na etapa de Oslo da Diamond League
Franklin de Camargo Júnior faz essa ponte entre teoria e prática. Ele é biomecânico graduado pela USP e analista do COB (Comitê Olímpico do Brasil). Ele diz que os números, as inovações, não servem para nada sem o engajamento dos protagonistas do esporte.
- No caso do Caio era um reajuste coordenativo, basicamente controle da coordenação motora. Fomos buscar os limites aceitáveis da flutuação não penalizada. O atleta é parte ativa desse processo. É ele que vai transformar aquilo que está no papel em realidade – diz Franklin.
Veja o caso de Ana Marcela Cunha, campeã olímpica em Tóquio 2021 nos 10 km da maratona aquática. Ela passou por cirurgia no ombro em 2022 e percebeu que a braço esquerdo não andava mais com a mesma eficiência. Era pouca a diferença; mesmo assim, Ana mergulhou fundo nas análises. Melhorou amplitude e força em ângulos específicos da braçada. E já nesta temporada, com o ombro ainda melhor do que estava antes da cirurgia, reencontrou o melhor desempenho, em busca do bicampeonato em Paris.
- Ela tem uma capacidade propulsiva espetacular. Em pouco tempo, ela já tinha as condições iguais às de antes. Junto com a equipe multidisciplinar conseguimos reestabelecer os resultados. E o detalhe é o que tem feito diferença entre grandes resultados. A diferença entre estar ou não no pódio. A diferença entre ser o primeiro e o segundo – afirma o analista do COB.
No caso de Alison dos Santos, os números mostravam que ele poderia tentar algo que outros corredores não conseguem nos 400 metros com barreiras. O atleta brasileiro, bronze na última edição das Olimpíadas, é maior do que os rivais: mede 1,98 metro de altura. E consegue saltar sobre as barreiras com a mesma performance usando tanto a perna esquerda quanto a direita para atacar os obstáculos.
As avaliações biomecânicas mostravam que ele poderia reduzir o número de passos entre algumas barreiras. Hoje, ele termina uma volta na pista com 149 passadas. E é o único do mundo a ultrapassar da terceira até a sexta barreiras com apenas 12 passos. Pode parecer pouco na matemática, mas significa muito no atletismo.
Esse trabalho começou antes da conquista do título mundial nos 400 metros com barreira em Eugene 2022. Parou em razão de lesão que Alison sofreu no joelho ano passado. Mas os treinamentos com o mesmo foco voltaram onde haviam parado e Alison está no caminho onde treinador, biomecânico e o próprio atleta gostariam de estar às vésperas de Paris.
Essa mudança -- pequenos ajustes, detalhes -- permite que a corrida de Alison flua com maior naturalidade na pista, porque ele também perde menos tempo na ultrapassagem das barreiras. Assim, conserva a velocidade por mais tempo.
- Essa é a ideia: a barreira se tornar quase invisível, ela ser uma continuidade da corrida do Alison. A barreira entra na naturalidade, na fluidez da corrida – explica Franklin.
Em um mês, tudo isso será posto à prova. São Olimpíadas para quem entende o valor do detalhe.