Por Memória Globo

Memoria Globo

Madrugadas violentas no Rio de Janeiro, durante o ano de 2000, foram um marco na carreira de Bette Lucchese. A recém-contratada repórter da Editoria Rio ganhava ali uma experiência em reportagens policiais que acabou rendendo importantes prêmios jornalísticos a seu currículo. “Esse foi um dos períodos mais violentos do Rio. Policiais assassinados praticamente um por noite. Era uma fase tão complicada que até as delegacias ficavam com as portas fechadas. E nós fizemos uma série mostrando isso: o medo que os próprios policiais tinham de ficar ali, a madrugada inteira”, lembra. Outra série, essa sobre violência nas estradas, foi também reveladora dos problemas de segurança na época. “Nós conseguimos flagrantes de policiais dormindo nos postos e de pessoas que tinham acabado de ser vítimas de bandidos”.

Desde que decidi ser jornalista, trabalhar na Globo sempre foi um sonho. Comecei como produtora, mas só fiquei 19 dias na função. Surgiu a vaga para repórter da madrugada e eu fui. Fiquei muito feliz porque sou apaixonada mesmo é por trabalhar na rua.

— Foto: Globo

Início da carreira

A carioca Elisabette Tereza Lucchese, filha única de um casal de imigrantes italianos, nasceu em 14 de fevereiro de 1970 e cresceu na zona norte do Rio de Janeiro. Os pais buscavam no Brasil uma vida melhor, diferente da que tinham na Europa, no período pós-guerra. “Meus pais vieram para cá “fazer” a América, como eles falavam. Éramos uma família de classe média que trabalhava muito”.

Bette se formou em Jornalismo em 1991 e nesse mesmo ano foi contratada como repórter pela Rádio Globo, onde estagiava. Foi lá que teve os primeiros contatos com as reportagens policiais. “A chacina de Vigário Geral, em 1993, foi a primeira experiência que eu tive com um lado mais cruel do Rio de Janeiro. Eu vi o local onde aquelas 21 pessoas foram mortas, vi os corpos naqueles becos. São cenas das quais me lembro até hoje, com riqueza de detalhes”, relembra.

Começo na televisão

A oportunidade de trabalhar em televisão surgiu por meio de um anúncio de jornal, em 1993. “Vi o anúncio de que a TV Serra Mar (hoje, Inter TV, afiliada da Globo na região serrana do estado do Rio) precisava de repórter. Entrei em contato com eles, fiz um teste e virei repórter de vídeo. Fiquei sete anos lá”.

A cobertura da violência também estava presente no noticiário da região. “Sem querer, eu fui me especializando em reportagens policiais. Lembro de uma matéria sobre a captura de irmãos necrófilos, que viviam na mata e assassinavam e estupravam pessoas, geralmente velhos e mulheres. Nós acompanhamos a saga toda, até que eles foram mortos”.

A passagem da afiliada para a Globo foi se consolidando aos poucos. “Quando a Editoria Rio precisava de repórter, eu me mostrava disponível para vir aqui. Eu cobria férias, finais de semana, e fui fazendo meus contatos. Acabei sendo contratada pela Globo em 9 de junho de 2000. Não dá para esquecer”.

Após a temporada atuando em reportagens na madrugada, onde lembra com detalhes e tristeza da matéria quando o baterista Marcelo Yuka foi baleado em uma tentativa de assalto, Bette foi transferida para o horário da manhã. “Logo no início, fiz uma série que me marcou muito. O Marcelo Canellas tinha feito uma série sobre fome, que foi premiadíssima. E o César [Seabra, diretor de Jornalismo, à época], propôs que fizéssemos um mapa da fome no Rio de Janeiro. Me lembro bastante de cenas de crianças que tinham três, quatro anos de idade, e que moravam na Baixada. Elas tinham tanta fome que pegavam uns coquinhos em árvores e quebravam aquilo, com paralelepípedo, para comer uma espécie de noz. Foram imagens que me marcaram muito”.

Em 2007, outra cobertura que ficou na memória. Foram três meses fazendo reportagens diárias no Complexo do Alemão e na Penha. “Nunca vi tanta gente ferida, tanta gente morta como eu vi naquela fase. Bastava um plantão de poucas horas na porta do Hospital Getúlio Vargas, ali na Penha, para a gente ver bandido chegando morto, inocente chegando ferido. São imagens difíceis de esquecer”.

Ocupação do Complexo do Alemão

Em 2010, veio a cobertura da ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão pelas forças policiais e a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que rendeu o Emmy ao 'Jornal Nacional'. As reportagens envolveram 200 profissionais da Globo. Entre eles estava Bette Lucchese, que fez a primeira matéria ao vivo no alto da Vila Cruzeiro, com o repórter cinematográfico Luis Junior e o auxiliar técnico Mário Lago Neto. “Quando chegamos lá em cima do morro, estávamos exaustos e com o equipamento trivial, porque sabíamos que seria preciso subir e superar muitos obstáculos. Mas o Lago teve um estalo e falou que dentro do carro tinha equipamento para entrar ao vivo e voltou para pegar o material”. Equipamento pronto, a apresentadora do 'RJTV' chamou a matéria. “A Ana Paula [Araújo] falou: ‘A primeira equipe a entrar ao vivo’, e aí nós tivemos a noção de que fomos pioneiros.”Dois dias depois, a repórter integrou a equipe que cobriu a ocupação do Complexo do Alemão.

“Essa cobertura foi muito emblemática para mim. E quando eu soube do prêmio, foi muito emocionante mesmo. Vêm na lembrança flashes de tudo aquilo que eu fiz e do que as outras equipes fizeram também. Foi maravilhoso!”

Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Webdoc jornalismo - Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Webdoc jornalismo - Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Grandes coberturas

No réveillon de 2010, Bette Lucchese estava de folga quando foi chamada às pressas para ir de helicóptero para a região de Angra dos Reis para cobrir as chuvas que tinham provocado deslizamentos de terra na região. “Chegamos lá e a gente se deparou com aquela situação que, infelizmente, a gente acaba se acostumando a ver: um pedaço inteiro do morro tinha deslizado, soterrado casas, matando pessoas; outras dezenas de casas tiveram que ser interditadas. Eu volto a dizer, situações que só se repetem por causa da ausência do poder público. Porque aquelas áreas não deviam estar ocupadas. Então, são catástrofes realmente anunciadas”.

No ano seguinte, Bette voltou a cobrir outra tragédia: as chuvas que destruíram a Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, a maior catástrofe natural da história do país, matando mais de 900 pessoas e deixando cerca de 165 desaparecidas. Para a repórter, as cenas vistas são inesquecíveis: “O que eu vi ali, eu acho que não vou esquecer. A gente pegou o helicóptero porque não tinha como chegar àquelas áreas. A minha missão naquela manhã era sobrevoar a região de Teresópolis, tentar descobrir onde tudo tinha começado. Então, a gente começou a sobrevoar e no início só viamos deslizamentos nos morros. Até que conseguimos achar o ponto nervoso de tudo, onde houve aquela tromba d’água que arrasou o bairro de Campo Grande. E olhando aquilo tudo de cima, você ficava meio perdido. Era uma coisa meio de cinema, era uma coisa que só tinha visto em filme”.

Depoimento - Bette Lucchese: Chuvas na Região Serrana (2011)

Depoimento - Bette Lucchese: Chuvas na Região Serrana (2011)

Em junho e julho de 2013, Bette Lucchese participou da cobertura das manifestações de rua no Rio de Janeiro. Das ruas ou do Globocop, a repórter registrou as manifestações no centro da cidade e as depredações aos bancos e estabelecimentos comerciais. No mesmo ano, coube à repórter fazer matérias sobre a peregrinação de fiéis católicos que participaram da Jornada Mundial da Juventude, no Rio, e da vigília e missa do Papa Francisco na praia de Copacabana.

Cobertura das eleições

Bette Lucchese também fez dezenas de matérias sobre as eleições para prefeito em 2004 e 2008, e para governador em 2002 e 2006. Em 2007, participou da equipe destacada para a cobertura dos Jogos Pan- Americanos no Rio e, em 2013 e 2014, acompanhou os preparativos na cidade do Rio para a Copa do Mundo de 2014.

Carnaval

Lucchese também tem sido uma das repórteres que cobre, anualmente, os desfiles das escolas de samba no sambódromo e o carnaval de rua no Rio de Janeiro. Para a jornalista, acostumada a fazer tantas matérias sobre tragédias humanas e naturais, a cobertura de carnaval é um momento de catarse e emoção: “O bom do carnaval é o fato dele ser muito democrático. Aqueles quatro dias ali, a gente parece que é tomado pela euforia, né? A gente acaba sendo tomado por aquela felicidade ali das pessoas. Eu acabo curtindo muito, me emocionando com a bateria, com os integrantes. Aqueles quatro dias são compensadores, são quatro dias de muita alegria”.

Prêmio

Em 2014, Bette e produtor Mahomed Saigg ganharam o prêmio Tim Lopes de Jornalismo, na categoria Televisão, pela cobertura do Caso Amarildo, o pedreiro, morador da Rocinha, assassinado por policiais. Uma emoção dupla já que a amizade com o jornalista Tim Lopes foi marcante na carreira da repórter. “Tim nos ensinou a olhar com sensibilidade o trabalho de repórter. Isso faz toda a diferença”.

Depoimento de Bette Lucchese para o Memória Globo, 2013 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

FONTE:

Depoimento concedido ao Memória Globo por Bette Lucchese em 21/01/2013.
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