Foi uma epifania que levou ao nascimento do Kronos Quartet. David Harrington se lembra de ouvir, em 1973, Black Angels (1970), obra de George Crumb para quarteto de cordas – uma crítica aguda e vanguardista sobre a Guerra do Vietnã. “O envolvimento dos Estados Unidos já tinha acabado”, conta Harrington ao Apple Music Classical. “Mas os efeitos daquela guerra estavam muito presentes na nossa sociedade. Nossos musicistas jovens estavam tentando entender qual música tocar naquele momento.” Com Black Angels, Harrington encontrou sua música. “Eu tinha que começar um quarteto, não tinha escolha. Nós precisávamos tocar aquela peça.” O Kronos Quartet fez seu primeiro ensaio no dia 1.º de setembro de 1973 (“Eu esperava que houvesse um segundo”, lembra Harrington). Nos 50 anos seguintes, os muitos membros do conjunto (Harrington foi o único membro que nunca deixou o Kronos) continuaram a desafiar limites enquanto colaboravam com musicistas de todos os gêneros e reinventavam as noções de música de câmara. O Kronos também comissionou mais de mil novas obras, o que deu a eles um dos papéis mais importantes da música contemporânea. A profundidade e o alcance da obra do conjunto, ao vivo e gravada, não existiriam sem a curiosidade e a busca constante pelo novo e o empolgante de cada um dos seus músicos. “Eu tento manter meus ouvidos bem abertos 23 horas e meia por dia”, diz Harrington. Cada conexão, ele acrescenta, leva a outra. “Nós temos muita sorte”, explica. “Ouvimos música, conversamos uns com os outros e compartilhamos nossas paixões, notas e coisas que descobrimos.” E é no ensaio que boa parte da alquimia musical do Kronos começa a tomar forma. “É o momento em que o desenvolvimento realmente acontece”, revela. “É quando uma sugestão é lançada e cada pessoa leva essa sugestão para um reino que só ela consegue imaginar.” Essas conexões, que, juntas, acumulam muitas camadas de experiência, produziram algumas das gravações mais icônicas do Kronos. A relação do quarteto com o compositor minimalista Terry Riley, que eles conheceram em 1979 durante uma residência em Mills College, em Oakland, Califórnia, se tornou um dos sustentáculos da crescente influência do grupo na música contemporânea. “Eu me lembro quando Steve Reich levou o [compositor húngaro] Ligeti para a BAM [Brooklyn Academy of Music] e nós estávamos tocando Salome Dances for Peace, uma peça de duas horas e meia de Terry Riley. E eles foram àquele concerto. Os dois ficaram impressionados com a variedade de sons que nós conseguíamos criar. Terry providenciou um universo de sonoridades para nós habitarmos e deixarmos nossa imaginação rolar solta. E isso levou Steve Reich a escrever para o Kronos.” Reich compôs três de suas mais aclamadas obras para o quarteto: Different Trains, Triple Quartet e WTC 9/11 – e todas elas se tornaram parte das gravações mais fundamentais do conjunto. Foi Terry Riley também que apresentou o Kronos ao compositor egípcio Hamza El Din, após ouvi-los tocando White Man Sleeps, de Kevin Volans. Pouco tempo depois, Philip Glass os levou ao músico gambiano Foday Musa Suso. As duas conexões foram as sementes que, oito anos mais tarde, dariam origem a Pieces of Africa, o revolucionário álbum do Kronos com músicas de compositores africanos. Em 2024, Pieces of Africa foi selecionado como uma das 25 gravações a serem incluídas no Registro Nacional de Gravações da Biblioteca do Congresso dos EUA. Com um catálogo de mais de 70 álbuns, o legado do Kronos Quartet é, provavelmente, mais extenso e variado do que o de qualquer artista de qualquer gênero. Harrington, no entanto, joga luz sobre um punhado de álbuns que ele acredita formar o núcleo dos grandes feitos gravados do Kronos. Lado a lado com Different Trains e Pieces of Africa estão Nuevo, de 2002, uma colagem de músicas e sonoridades mexicanas que homenageiam o filho falecido de Harrington, e Caravan, de 2000, uma exploração geográfica de tradições musicais que vai de Portugal, passando pelo Irã e chegando à Índia. E tem também Philip Glass, cujos quartetos se tornaram um sinônimo do Kronos – o “Quarteto de Cordas Nº 5” foi escrito para o conjunto. “Existem momentos nesta obra que são absolutamente belos e perfeitos”, diz Harrington. Para além da celebração dos 50 anos do Kronos, seus quatro membros atuais – Harrington, o violinista John Sherba, o violista Hank Dutt e seu mais novo músico, o violoncelista Paul Wiancko – seguem em suas explorações inovadoras em todos os aspectos do universo musical. “Vamos encontrar maneiras de levar a música para as pessoas que nunca tiveram a chance de ouvir nosso trabalho”, diz Harrington. “Escolas que não têm programas musicais, comunidades marginalizadas…Acho que a energia que a gente tira disso vai impulsionar nossa música de novas formas.” “Tudo o que eu sempre quis fazer foi acrescentar um novo vocabulário ao meio do quarteto de cordas e trazer coisas que refletem nossos tempos e nossa capacidade de nos conectarmos com musicistas de várias origens, religiões e jornadas musicais diferentes.”