Míriam Leitão
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Míriam Leitão

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GERADO EM: 27/06/2024 - 07:30

Presidente da Academia defende vacinação e inclusão na ciência

Presidente da Academia de Ciências defende vacinação infantil, critica negacionismo científico e destaca importância da inclusão de mais mulheres na ciência. Helena Nader também aborda temas como bioeconomia, inteligência artificial e transição energética em entrevista.

Em entrevista que me concedeu na Globonews, a primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, diz que deveria haver um PL contra os pais que deixam de vacinar crianças porque eles estão ferindo o direito à vida do Estado da Criança e do Adolescente.

Nader está coordenando a elaboração o documento a ser apresentado pelos cientistas de todos os países aos chefes de Estado do G20. E na entrevista adiantou os temas que estarão no documento, como bioeconomia e inteligência artificial.

Recentemente ela se posicionou, representando toda a Academia, contra o PL do aborto: "O Brasil é signatário e não permite tortura. E colocar uma mulher nessa condição é colocá-la sob tortura. O Brasil tem que ter coerência". Apesar de tantos absurdos, ela expressa sua motivação em combater o negacionismo científico e convoca que mais meninas entrem na ciência.

Miriam: Você está coordenando a negociação do documento a ser apresentado pelos cientistas do mundo aos chefes de Estado do G20 no começo de julho, que vão se reunir no Brasil. Que temas serão tratados?

Helena: Estamos preparando um documento onde nós vamos reiterar a Agenda 2030. Infelizmente, o mundo assinou o documento (193 países), e estamos longe de atingir os objetivos, os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável.

Dentro desse aspecto grande de 17 objetivos, nós selecionamos 'A ciência para a transformação mundial'. Os temas que nós estamos abordando são inteligência artificial, transição energética, bioeconomia, saúde com foco em especial em equidade, e a justiça social. Na verdade, justiça social percola a todos

E quando é que divulga?

Helena: Vamos ter a reunião nos dias 1 e 2 de julho e a aprovação é até o dia 19 de julho para entregar as lideranças.

Existem recomendações concretas do que fazer?

Helena: Sim, tem o diagnóstico, que é um documento mais amplo e depois o comunicado, bastante objetivo. Mandamos uma proposta para todas as academias, porque são do Brasil e mais 19 países, mais a União Europeia e a comunidade africana.

Um dos temas que eu vi é a bioeconomia. Bioeconomia é algo que as pessoas estão falando muito, mas que não se sabe exatamente o que significa. Vocês, como cientistas, querem levar a bioeconomia para o mundo real.

Helena: Nós fizemos uma proposta, inclusive, de definição, porque a bioeconomia tem várias definições e esse documento já circulou entre os 20 integrantes do S20.

Conseguimos fazer uma definição do que é a bioeconomia e por que bioeconomia. Porque virou uma palavra, todo mundo está usando, mas o que você pretende? E o que nós colocamos como um fator primordial é a "bioeconomia para quem?"

A bioeconomia está casada com sustentabilidade, está casada com o desenvolvimento social. Todo mundo fala bioeconomia da Amazônia. Você tem que respeitar o povo que está ali, as comunidades. A comunidade tem que ser trazida para dentro dessa bioeconomia.

Bioeconomia que favoreça quem mora lá, a comunidade, as comunidades que hoje tem preservado, cada um do seu jeito, da sua forma, sem nenhum apoio. A sensação que eu tenho é isso, precisam de reforços.

Helena: Precisam. A Amazônia são nove países, não podemos esquecer disso. A gente põe passaporte ou mostra carteira de identidade, mas a flora não tem isso, nem a fauna. Quando você olha o número de patentes, de produtos, de compostos que são tirados da Amazônia, é da França. Porque a Guiana francesa, não podemos esquecer.

É um complicador. E quando a gente fala em desenvolvimento, não se pode esquecer a comunidade. Como é que aquela comunidade do ribeirinho, dos povos originários, não tem direito a ter aquilo que você está lucrando? É esse que é o problema na bioeconomia, por quê e para quê e inclusão.

E como fazer para tornar realidade isso que sempre teve no nosso imaginário? Todos os compostos bioquímicos que a gente sabe estão lá. Que tipo de medidas concretas a ciência pode sugerir para que isso se transforme em realidade?

Helena: Pensando nos 20, há países que vão estar muito à frente por acreditarem que a ciência é relevante. As pessoas dizem: "por que o Brasil não é uma Coreia, não é uma China?" Olha o que uma Coreia e uma China investem em educação e ciência, olha o que o Brasil investe. Então são realidades.

E o Brasil, se quer ser um jogador profissional nessa área, vai ter que investir muito mais. Nós estamos propondo que tem que ter parcerias e tem que ter parcerias onde tem o equilíbrio entre as diferentes nações. Porque o G20, teoricamente, são as 20 maiores economias do mundo, mas é muito diverso.

Dentro do G20, você tem os Estados Unidos, Canadá, União Europeia. Tem a Índia, que é a quarta economia, ou quinta, varia. E tem países ainda em desenvolvimento, como Brasil, África do Sul, Indonésia.

Não é unânime. Não tem um padrão único. Outro assunto que nós estamos trazendo para a discussão e, que vocês da mídia têm trazido de forma muito relevante nos últimos tempos, é a faixa etária.

Se você olhar no G20, você tem países onde, tipo a Índia, onde a maioria são jovens. Se você olha a América Latina, Brasil, somos velhos. Não é igual ao Japão, que também está velho. A demografia é muito diferente, as necessidades são outras.

A inteligência artificial tem sido vista pela sociedade, ora como uma ameaça, ora como um tempo das possibilidades, um tempo de entrar em um novo patamar de desenvolvimento. A gente deve ter que achar um novo patamar, ou achar que é uma ameaça, ou ficar no meio. Proteger-se das ameaças e aproveitar as oportunidades.

Helena: Essa é a nossa proposta. Tem que ter o alerta. Temos que saber os perigos. E também temos que saber aonde nós vamos investir? Vamos competir com o chat GPT? Com a Google? Ou vamos nos juntar? Onde o Brasil pode realmente fazer a diferença?

Você sabe a resposta para isso?

Helena: O Brasil tem que acreditar que, via inteligência artificial, vai poder dar saltos. Na agricultura, isso já está sendo feito. Você pode usar a inteligência artificial para melhorar ainda mais a produtividade.

Mas, onde me preocupa é que, não gosto do termo, mas temos muitos analfabetos funcionais. E nós vamos criar um abismo maior hoje com a inteligência artificial se nós não começarmos a investir rapidamente no que é a "alfabetização digital". Porque senão você vai ter uma sociedade mais fragmentada ainda, mais injusta.

Queria te perguntar sobre transição energética. Tem muita gente que fala que precisamos de explorar a Floresta da Amazônia porque a gente precisa de mais petróleo para fazer a transição energética. Então a gente precisa de mais petróleo para se livrar do petróleo? Você acredita nisso?

Eu não acreditava. Até que eu fui ler mais. Não tenho uma posição muito clara ainda, porque estou aguardando um grupo de estudos da academia, mas lembrei quando o Brasil começou a explorar o pré-sal. Todo mundo dizia que o pré-sal é inviável, vai contaminar.

O Brasil desenvolveu a tecnologia. Vejo que nós temos uma ciência ímpar que pode, mas tem que ter o dado. E se formos explorar, qual é o mecanismo de proteção. Lá é um pouco diferente do pré-sal, porque você tem as marés, etc.

O que me preocupa, que eu falei que estamos aqui, é o seguinte, esses data centers consomem muita energia. Quando a gente fala, vai ser substituído o trabalho humano? Como? Quem vai gerar essa energia? Porque não é mágica, não é Deus. Para ligar a tomada, está chegando energia de algum lugar.

Li um artigo grande que mostra que hoje o consumo da energia é equivalente ao que o Japão consome. Quando você faz opção por inteligência artificial sem ter o olhar equilibrado sobre a fonte da energia. A transição energética e a inteligência artificial estão juntos . Estamos só trazendo de volta o que em 2015 todo mundo assinou, que é a Agenda 2030. Já se quebrou a cabeça para ter 17 objetivos. Já estamos no meio da década.

Você se posicionou sobre a questão do PL do aborto, da aprovação do regime de urgência.

Helena: Olha, uma coisa é a Helena, a outra é a presidente da academia. Como cidadã, eu sempre lutei pelos direitos da mulher. Inclusive, eu fui ao Supremo, na audiência convocada pela ministra Rosa Weber, colocando a definição de vida de acordo com a ciência.

Como academia, eu tenho que usar o enfoque da ciência. E o que eu me posicionei? O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Fui ler sobre os direitos humanos. E fui ler sobre tortura. Fui ver o que falava sobre o direito da mulher decidir. Usei a lei, o enfoque legal, do direito. É um absurdo. Mais ainda, crianças, porque são crianças. Mesmo as mulheres. É a revitimização do ato do estupro.

E eu notei que quando teve a legislação para a interrupção, a gente até usou o termo interrupção da gravidez do anencéfalo, levamos o parecer da Organização Mundial de Saúde a cada um dos ministros do Supremo. É um ativismo, mas é ativismo pela sociedade brasileira.

Isso que nós fizemos e a nossa diretoria, por unanimidade, aprovou aquele documento. No nosso documento, nós nem colocamos o PL do estuprador. Falamos claramente de revitivização das vítimas de estupro. Porque só quem já passou por isso sabe o impacto que tem. Quando eu vi meninas de 10 anos de idade....

O Brasil é signatário e não permite tortura. E colocar uma mulher nessa condição é colocá-la sob tortura. O Brasil tem que ter coerência.

A ciência sempre foi um "clube do bolinha". Você é uma desbravadora. Mesmo as que têm talento natural, elas não passam pelas barreiras. Como fazer para incluir mais mulheres na ciência?

Helena: Além da escola, em casa. Porque isso tem muito a ver. Por que que tem o brinquedo da menina e o brinquedo do menino? Menino ganha bloquinhos para brincar de engenheiro. A menina ganha fogãozinho pra fazer comidinha. Os dois têm que fazer comidinha e os dois têm que brincar de bloquinhos. Eu tive filhos, tenho netos, e é assim, eduquei os meus netos. Para eles não tenho o brinquedo da menina e o brinquedo do menino.

Em casa, a gente tem que insistir nisso. Sei que, dependendo do status social, é mais complicado. E a escola bloqueia a criatividade.

O que se pode fazer de política pública para ampliar a inclusão?

Helena: A creche não é para ser um depósito. A creche é realmente para incentivar a imaginação. Criança imagina muito, cria muito. O Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, é uma escola para os pesquisadores, para as crianças. Você precisa ver o que é a criatividade com 2, 3 anos de idade. Você tem que deixar a criança se motivar.

Uma preocupação é que está diminuindo mundialmente, e no Brasil também, o número de jovens que estão vendo na ciência o futuro como profissão. Aqui no Brasil dá pra se entender, porque a situação não é simples. Fazer ciência no Brasil é um complicador. É um complicador por burocracia, por falta de tudo.

É uma profissão para todas e para todos.E as meninas têm, hoje elas são a maioria na pós-graduação, mas não em todas as áreas. Na área de exatas, matemática, que estava aumentando muito, com a pandemia deu uma diminuída. Vamos lá, meninas: Temos que mudar o Brasil e a ciência.

Como cientista, como se sente nesse tempo do negacionismo? Você se dedicou a isso. Em 1974, descobre um princípio que é entra no tratamento contra a trombose. O que você sente diante da negativa da ciência?

Helena: Me sinto mais motivada a lutar. Triste, inicialmente, eu fiquei muito deprimida. Como é que a gente, em pleno século XXI, diz que a terra é plana? Como usa a internet e diz que a terra é plana. Quer dizer, não entendeu o que, como funciona, as ondas, etc.

Me sinto motivada a me dedicar mais ainda para a educação e mostrar que estão errados. Hoje, quando você vê pais que não vacinam seus filhos. Diria que deveria ter um PL para esse pai e essa mãe, no sentido que ele não está cumprido o Estatuto da Criança e do Adolescente, porque ele tem que preservar a vida. E ele está indo contra a vida.

Eu vi pólio acontecer. Eu vi a varíola desaparecer. E isso não foi porque Deus quis. Foi porque a ciência trouxe a vacina e erradicou. Voltar o sarampo, eu não me conformo. Eu conclamo os nossos congressistas a olharem o Estatuto da Criança e do Adolescente. Porque a criança não sabe a que está sendo sujeita, mas o pai e a mãe sabem. Eu me sinto mais motivada a lutar por valores que eu acredito.

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