Pulso
PUBLICIDADE
Pulso

O ritmo da opinião pública

Informações da coluna

Vera Magalhães

Jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993. É âncora do "Roda Viva", na TV Cultura, e comentarista na CBN.

Pablo Ortellado

Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP

Por Bianca Gomes — São Paulo

Medir a abstenção eleitoral tem sido um dos grandes desafios dos institutos de pesquisa no Brasil. A literatura internacional atesta que perguntar aos eleitores se eles pretendem votar não é suficiente para projetar com segurança quantos vão efetivamente comparecer às urnas no dia da eleição. Como em uma receita de bolo, cada instituto tem seu próprio ajuste para corrigir detalhes das amostras e chegar mais perto do universo votante. Os modelos para chegar aos números que tentam isolar ao máximo a opinião de quem vai faltar são adotados nos Estados Unidos desde a década de 1950.

Especialistas admitem que a tarefa é difícil, sobretudo num país onde o voto é obrigatório. Consideram, no entanto, o cálculo de extrema importância, ainda mais pelo tamanho do contingente de faltosos em toda eleição presidencial do país: cerca de um em cada cinco eleitores não aparecem.

Omitir o intuito de se abster das pesquisas eleitorais é um fenômeno comum no Brasil e no mundo e está ligado ao que se convencionou chamar de “viés de desejabilidade social". Acontece quando alguém prefere ocultar a verdade e dar uma resposta considerada socialmente aceitável. Neste caso, ocorre quando um eleitor se sente constrangido em admitir que irá abdicar de uma obrigação como o voto.

Há, ainda, fatores externos que se somam às causas da abstenção, como o custo do transporte para votar, ponto que esteve sob análise do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e afeta principalmente pessoas de baixa renda, além de imprevistos e da própria falta de interesse do eleitor.

Mas como calcular?

Até este ano, pouco se falava em calcular abstenção no Brasil, embora o país tenha sempre uma média de 20% de ausentes nas disputas presidenciais. A divergência na projeção dos institutos no primeiro turno acabou servindo de alerta para as empresas de pesquisa, afirma Clifford Young, presidente da Ipsos nos Estados Unidos.

— O Brasil não tem uma base de conhecimento forte e sólida sobre likely voter models. Isso faz com que pesquisas com amostras robustas que representam a população geral não acertem o resultado da eleição, visto que aqueles que votam são diferentes dos que não votam — afirma Young, que também atribui a força da discussão no segundo turno ao contexto eleitoral. — Não houve um barulho no passado tão forte como este ano. Só tínhamos três institutos, sem grandes erros, apesar de um desempenho variável. Não havia pressão do mercado, da sociedade, e uma eleição apertada e com tanto peso como esta.

Professor da Universidade Johns Hopkins, Young estima que a abstenção tenha um impacto de três a quatro pontos percentuais nas pesquisas de intenção de voto. Ele também acredita na recusa de resposta de grupos de eleitores que não acreditam nos institutos como outra hipótese para a variação dos resultados. Esse perfil engloba principalmente homens conservadores e de classe média baixa. No Brasil, são eleitores de Bolsonaro, nos Estados Unidos, do ex-presidente Donald Trump.

— É uma pessoa que não gosta de participar de pesquisas, é antissistema e é impossível de achá-la. Mas antes não importava, pois era um eleitor que votava para os dois lados. Agora ele está cada vez mais diferente — explica o presidente da Ipsos.

O modelo Gallup

Não existe uma fórmula mágica para identificar eleitores que irão faltar no dia da eleição. Mas desde a década de 1950, os institutos americanos têm usado modelos para identificar o universo votante. O mais tradicional deles é o modelo de Gallup. Em linhas gerais, são sete perguntas que compõem uma escala de provável eleitor, incluindo questionamentos sobre a frequência que o eleitor vota, se ele participou do último pleito e se está envolvido com a eleição.

A cada resposta positiva sobre a participação eleitoral, o entrevistado recebe um ponto. Ao final do questionário, esses pontos são somados e, quanto maior a pontuação, maior a probabilidade de esse eleitor ir votar. Para as eleições de 2008 e 2012, a Gallup considerou para o cálculo de intenção de voto os entrevistados com as pontuações mais altas, ou seja, seis ou sete pontos, excluindo da amostra todos os demais. Tudo isso pode ser adaptado de acordo com o instituto e há outras abordagens possíveis, como explica ao Pulso Raphael Nishimura, diretor de amostragem na Universidade de Michigan e integrante da Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública (AAPOR):

— Há métodos probabilísticos que calculam a probabilidade de cada respondente ir à urna. É possível colocar um ponto de corte, como no método determinístico, e também manter todos os eleitores dentro do cálculo, dando um peso maior àqueles que têm mais chances de comparecer às urnas — diz Nishimura.

As tentativas

O Ipec usa dois filtros antes de começar seus questionários presenciais nas casas dos eleitores. O primeiro pergunta se a pessoa vota ou não vota naquela cidade sorteada. Se não for o caso, a entrevista é encerrada. Segundo Márcia Cavallari, CEO do Ipec, "grande parte da abstenção é estrutural, ou seja, pessoas que se mudaram e não transferiram o título".

A segunda pergunta busca saber, de forma mais genérica, se o entrevistado votou ou não em eleições passadas. Esse questionamento não é feito sobre uma eleição específica, mas sim em busca de medir se esse eleitor tem o hábito de ir à sua seção e votar. Assim, a amostra do Ipec pode ser vista como de votantes e não eleitores.

– Entretanto, isso não resolve o problema do perfil dos eleitores que se abstêm de votar, principalmente quando há uma clivagem social forte entre os candidatos. Além disso, temos testados alguns modelos de likely voters, mas ainda não são definitivos e nem foram divulgados – explica Márcia Cavallari.

Segundo a CEO do Ipec, esses modelos consideram perguntas sobre engajamento com as eleições, campanhas e comportamento eleitoral. As respostas são combinadas e cada entrevistado ganha um "score", uma nota, para que os estatísticos consigam analisar os que estão mais e menos propensos a votar.

Já a pesquisa Genial/Quaest se inspirou em um modelo americano para colocar em prática já no segundo turno o seu próprio controle de likely voter, explica Felipe Nunes, CEO do instituto.

— Como o voto no Brasil é obrigatório, e os institutos nunca foram eficazes na identificação do eleitor que se abstém, os institutos assumiam que a abstenção era uniformemente distribuída no eleitorado. A eleição deste ano confirmou que o padrão não é uniforme. Abstenção foi maior no norte de Minas, no sul da Bahia, no inteiror do Maranhão, no litoral sul de São Paulo. Essa distribuição regional não uniforme tem impactado nos resultados esperados. Ou seja, me parece razoável incorporar o quanto antes likely voter models nas estimativas de intenção de voto — diz Nunes, que é cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

O modelo desenvolvido pela Quaest calcula a chance de cada eleitor votar a partir de uma combinação de respostas individuais e de dados do grupo que aquele indivíduo faz parte. Ele explica:

— Primeiro nós criamos probabilidades para categorias de eleitores usando o dado real da abstenção disponibilizado pelo TSE. Um exemplo: se você é homem e tem baixa escolaridade, a sua probabilidade de ir votar é uma. Se você é mulher, com alta escolaridade e do nordeste, sua probabilidade é outra — afirma ele.

Depois disso, o instituto pondera esse número por respostas que foram dadas no questionário. A Quaest pergunta ao eleitor se ele irá votar, se votaria caso o voto não fosse obrigatório, se está interessado nas eleições, entre outras questões. A chance de ir votar calculada de acordo com o grupo que o eleitor está inserido é, portanto, ajustada à resposta que ele dá a essas perguntas.

— No final, cada eleitor recebe um score, que varia de zero a um de acordo com a sua chance estimada de ir votar. Ninguém é excluído da amostra. Nós simulamos esse modelo para o primeiro turno e, se já o tivéssemos aplicado, teríamos um resultado em votos válidos de 47 para o Lula e 42 para o Bolsonaro.

O Datafolha não divulga que usa modelos específicos para estimar a abstenção. Em setembro, o instituto publicou uma pesquisa na qual apenas 3% dos eleitores admitiam abstenção no primeiro turno. O Datafolha também tentou medir o ânimo das pessoas com a votação: 19% falavam que não tinham nenhuma vontade de sair de casa para o voto obrigatório. Outros 23% declaravam pouca vontade. E a maioria, 57%, estava animada para participar do pleito.

O instituto cruzou os dados e identificou grupos com menor e maior potencial de abstenção. Totalizaram 79% os que, segundo o Datafolha, tinham muita vontade de votar e os que davam como certeza o comparecimento. E somavam 16% os eleitores com potencial de faltar no dia da eleição, percentual próximo ao visto há 20 dias.

Já o Ipespe divulgou, em sua última pesquisa, um resultado específico que incluía somente os que pareciam ser votantes. O resultado em votos válidos foi 52% a 48% para Lula, um empate técnico.

Impacto desigual

Segundo Nishimura, se a abstenção fosse um comportamento aleatório, ou seja, afetasse de forma mais ou menos equilibrada todos os eleitores, as pesquisas não precisariam se preocupar com esse ajuste. Porém, no Brasil, os eleitores que não votam tendem a ser de menor escolaridade em certas regiões do país. E são segmentos da sociedade que votam mais em um candidato do que em outro, o que contribui para distorções nas pesquisas.

Alguns pesquisadores, no entanto, refutam a hipótese de que a abstenção seja a causa principal da discrepâncias entre os resultados da pesquisa e os divulgados pelo TSE. A migração de votos de última hora é citada também como possível explicação para as diferenças.

Mais recente Próxima
  翻译: