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O ritmo da opinião pública

Informações da coluna

Vera Magalhães

Jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993. É âncora do "Roda Viva", na TV Cultura, e comentarista na CBN.

Pablo Ortellado

Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP

Por — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 23/06/2024 - 04:30

Juventude brasileira menos feliz pós-pandemia

Jovens brasileiros se sentem menos felizes que os idosos, devido a incertezas econômicas, educacionais e sociais pós-pandemia, além do impacto negativo das redes sociais. O cenário de desemprego e insegurança no futuro gera angústia e pressão nas novas gerações, refletindo em uma queda na felicidade.

Os jovens brasileiros não só estão “menos felizes” que os de outras nações. A percepção sobre como anda a própria vida também contrasta com a da população mais velha dentro do próprio país. O “gap geracional” é apontado por dados recentes do instituto de pesquisas americano Gallup, que anualmente publica um relatório de felicidade com 143 países.

Enquanto, no recorte por idade, a população do Brasil com 60 anos ou mais figura na 37ª posição do ranking divulgado no mês passado, os brasileiros com menos de 30 anos de idade despencam para a 60ª colocação. No quadro geral, o Brasil está em 44º lugar. Psicólogos, economistas, psicanalistas e jovens ouvidos pelo GLOBO apontam que a sensação de angústia dessa camada da população pode ser explicada por múltiplos fatores, que vão das perspectivas de emprego e educação em um cenário pós-pandemia e desigualdade social do país ao uso mais intenso de plataformas digitais no dia a dia.

A diferença entre as faixas etárias, que é de 23 posições no caso do Brasil, também é observada em outros países do continente, mas é mais intensa por aqui na comparação com a maioria deles. A exceção são os Estados Unidos, onde chega a 52 colocações.

O alerta sobre o comportamento dos mais jovens é do cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que acompanha anualmente o relatório e fez o levantamento por grupo de idade a partir dos dados da Gallup.

— Países que registram essa diferença de posição apontam para um futuro mais incerto — resume Nunes.

Pesquisador de economia aplicada da FGV-IBRE, Daniel Duque lembra que nos últimos anos o Brasil se tornou mais polarizado politicamente e desacelerou processos de inclusão que se desenhavam desde o fim do século XX.

— A percepção de futuro é influenciada pela perspectiva sobre se o Brasil vai manter alguma normalidade — analisa Duque. — Entre 1990 e 2010, os jovens tiveram mais acesso às universidades, passamos por um processo de inclusão educacional. Mas na década passada isso começou a desacelerar.

Até 2015, o país mantinha uma posição no World Happiness Report surpreendentemente boa, melhor que o nível de renda da população poderia sugerir. Naquele ano, o Brasil esteve entre os 20 mais felizes do mundo, na 16ª colocação.

— Nos tornamos um país menos otimista e mais insatisfeito. A percepção sobre o mercado de trabalho afetou muito os mais jovens entre 2015 e 2019 e depois, veio a pandemia. O desemprego está melhorando, mas fica o trauma — explica Duque.

As incertezas do país se refletem em incertezas sobre o próprio futuro de cada um, o que afeta especialmente os jovens. Mesmo entre os que planejam cursar uma graduação, o temor do desemprego ou de uma renda insuficiente é um fantasma.

— Quem está em uma universidade percebe que um diploma não garante mais emprego. Isso cria uma espécie de “choque anafilático” — acredita Christian Dunker, psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP).

A opinião reverbera entre os jovens. Moradora do Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo, Beatriz Rolim, 21 anos, se divide entre a faculdade de moda e trabalhos de freelancer como fotógrafa e consultora de estilo para sustentar a casa e a filha Emma, de 2 anos. Ela teve um emprego fixo no ano passado como operadora de caixa em uma rede de supermercados. Mas deixou o trabalho para ter mais tempo para cuidar da criança.

— Tenho receio de não conseguir um emprego quando terminar o curso e os salários na minha área não são tão valorizados. — afirma Beatriz. —Acompanho quem trabalha na minha área pelas redes. Usam um celular melhor que o meu, roupas melhores. E vejo aquele meme que diz que um tiktoker ganha mais que um CLT. Isso me deixa no fundo do poço.

Beatriz Rolim, de 21 anos, na casa onde vive no Jabaquara — Foto: Edilson Dantas/ Agência O Globo
Beatriz Rolim, de 21 anos, na casa onde vive no Jabaquara — Foto: Edilson Dantas/ Agência O Globo

As redes sociais, como é de se esperar, impactam a atual percepção de felicidade.

— O uso intensivo está relacionado a uma perda de qualidade de vida. As redes impõem um desgaste emocional. É uma pressão, uma cobrança e uma comparação, funciona como uma máquina de insatisfação, que acaba influenciando em tudo, de relacionamentos a momentos de entretenimento — aponta o psiquiatra Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria da USP.

Quem lida diariamente com os mais jovens corrobora essa visão.

— Acabam aprisionados em um conceito de como seria “viver a juventude” mostrado nas redes, que colocam como modelo um nível de consumo e acesso a bens que gera frustração em quem não está sendo incluído nessa lógica — diz Fabiano Fonseca, coordenador do curso de psicologia da Universidade Mackenzie.

Enquanto o sentimento de incerteza se espalha, páginas de memes exploram postagens tragicômicas que brincam com a angústia presente nas novas gerações. Fora do mundo digital, a melancolia também atrai audiência. Em São Paulo, festas com noites de revival do rock emo dos anos 2000 ocorrem mensalmente. O bar Picles, em Pinheiros, tem entre as bandas de maior sucesso o conjunto de indie rock Walfredo em Busca da Simbiose, encabeçado pelo músico e produtor Lou Alves, que trata temas como depressão, conflitos familiares e a angústia com o futuro.

— Existe um público nichado interessado em falar e ouvir sobre a tristeza. Não é para todo mundo — conta Juka Tavares, produtor cultural do Picles, que recebe até 450 pessoas por noite.

Lou Alves observa que os shows são dominados por jovens dos 18 aos 23 anos:

— Acabo ressoando entre a galera que quer encarar o abismo dentro de si junto comigo. A realidade também é dolorosa.

Ser feliz ou não, diz o psicanalista Christian Dunker, está relacionado também à maneira como cada um se interpreta em relação aos outros. Na juventude, essa percepção pode estar balançada em especial pela perda de otimismo com o futuro.

— Existe a ideia (entre os jovens) de que se você sobreviver, já está muito bom. Não pense em procurar grandes sonhos. A moral da sobrevivência está vencendo — explica Dunker.

A artista Caroline Leal, de 26 anos, moradora da Zona Leste de São Paulo, conta que por vezes se depara com esse sentimento no cotidiano. Ela, que passa boa parte dos dias trabalhando no transporte escolar, encontra refúgio para os momentos difíceis em sua outra ocupação, a arte, com desenhos autorais e o grafite.

Caroline Leal ao lado de sua personagem, a Fror — Foto: Edilson Dantas/ Agência O Globo
Caroline Leal ao lado de sua personagem, a Fror — Foto: Edilson Dantas/ Agência O Globo

— Passei três anos no telemarketing e era muito estressante. Depois fiz de tudo um pouco, tenho que ajudar os meus pais em casa. Hoje, estou no transporte escolar e com a arte. É desesperador, às vezes. Faço o meu grafite para tentar levantar uma grana, tem momentos de respiro. No dia a dia a sensação é a de que estou apenas sobrevivendo — relata.

No desejo de dias melhores, Carolina criou uma personagem, a Fror:

— Ela é uma mistura de paz, tranquilidade, usa moletom, camisa larga, anda de skate. Transparece um pouco o que eu gostaria de ser, sempre com um sorrisinho.

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