Boa Viagem Galápagos

Na trilha do solitário George, um paraíso chamado Galápagos

Arquipélago equatoriano, onde viveu a tartaruga-gigante mais famosa do mundo, exibe espécies únicas e raras

Turistas avistam uma colônia de atobás de pata azul na ilha de Santiago, em Galápagos
Foto: Eduardo Maia / O Globo
Turistas avistam uma colônia de atobás de pata azul na ilha de Santiago, em Galápagos Foto: Eduardo Maia / O Globo

GALÁPAGOS, EQUADOR - Todos queriam saber: onde está George? Que fim levou o solitário mais famoso do mundo? É verdade que, com ele, se foi toda uma espécie? Uns diziam que George estava congelado, em uma universidade no continente. Outros afirmavam que seu corpo já havia sido levado, em segredo, aos Estados Unidos. Saber o paradeiro do quelônio mais famoso do mundo, o último exemplar da tartaruga-gigante de Pinta, morto em junho aos estimados cem anos, era uma das minhas missões quando embarquei para um cruzeiro por Galápagos. Não encontrei Lonesome George, mas descobri um paraíso intocado, na imensidão do Pacífico e cortado pela linha do Equador. Um lugar onde a natureza vive a vida como ela seria sem a presença humana.

Nas mais de 50 ilhas do arquipélago é possível apreciar a natureza em seu curso normal. Vemos fragatas planando em busca de alimento ou inflando seus papos à procura de parceiras, leões-marinhos amamentando suas crias sob o píer de embarque dos grandes navios, iguanas “lagarteando” sob o sol sem se importar com os insistentes fotógrafos, ou mesmo outras tartarugas-gigantes, que não se intimidam com os turistas durante sua lenta, porém decidida, marcha.

Em tempo: George, segundo a direção do Parque Nacional de Galápagos, encontra-se congelado na Estação Charles Darwin, na ilha de Santa Cruz, onde viveu nas últimas décadas e de onde só sairá em breve, para ser embalsamado pelo Museu de História Natural de Nova York. Quando esse processo terminar, voltará para a Estação Darwin, onde será construído um museu para contar a história de como sua espécie quase foi extinta. Quase? No mês passado pesquisadores equatorianos anunciaram que encontraram 17 tartarugas-gigantes no vulcão Wolf, na ilha Isabela, com genes compatíveis com os de George. O solitário quelônio, quem diria, tinha uma família escondida em outra ilha esse tempo todo. É a natureza e seus milagres em Galápagos.

Répteis, cactos e vulcões

George pode até não estar mais disponível, mas as tartarugas-gigantes continuam sendo grandes estrelas desse espetáculo natural chamado Galápagos. O nome do arquipélago vem do formato do casco de uma das tantas espécies de quelônios, que lembrava uma sela de montaria, o que possibilitava “galopar”. Esses répteis enormes, que facilmente ultrapassam os 100 anos e os 200 quilos, vivem nas partes altas das ilhas, nos sopés de montanhas e vulcões.

Boa parte da população de tartarugas-gigantes de Galápagos está na ilha de Santa Cruz, que, além de ser a mais populosa entre as três ilhas habitadas pelo homem, é também a que apresenta o ponto mais alto do arquipélago, a 864 metros acima do nível do mar. A noroeste de Porto Ayora, principal cidade e sede administrativa do Parque Nacional de Galápagos, está a reserva ecológica El Chato. A densa floresta de Scalesias — gênero de árvores altíssimas endêmicas de Galápagos — é submetida a uma garoa quase constante. O clima úmido é ideal para os répteis, que se fartam com a vegetação abundante e o terreno lamacento.

Nessa região os quelônios podem ser vistos com facilidade, inclusive em propriedades privadas que abrem seus portões para os turistas. Para não escorregar ou estragar os sapatos, é altamente recomendável o uso de galochas de borracha, disponibilizadas nesses ranchos. Aquela região é conhecida também pelas crateras de origem vulcânica chamadas Los Gemelos (“os gêmeos”).

Santa Cruz é um perfeito exemplo da variedade de climas, paisagens e ecossistemas existentes em Galápagos. Poucos quilômetros separam a floresta densa e úmida da parte central da ilha da praia quase caribenha de Tortuga Bay, ao sul, ou Cerro Gallina, a oeste, point dos surfistas. Que, por sua vez, são muito diferentes do selvagem Cerro Dragón, no litoral norte da ilha. Os “dragões”, no caso, são as iguanas terrestres, que só existem no arquipélago. Répteis robustos e coloridos, sem a crista dos primos continentais, podem ser vistos na subida do pequeno monte que se destaca no horizonte. São mais reservadas que as iguanas marinhas, facílimas de encontrar em praticamente todas as praias das ilhas. Já a espécie terrestre costuma se esconder em tocas.

No litoral, as árvores altas e frondosas dão lugar à vegetação rasteira, aos cactos gigantes e ao palo santo, uma árvore acinzentada, seca e retorcida, mas que produz uma essência adocicada, usada para incensos de igreja. Garças cinzas varrem a praia, com a tradicional elegância, enquanto os atobás de pata azul usam as rochas de origem vulcânicas na beira do mar como base de pouso e decolagem para as inúmeras incursões em busca de peixes distraídos, sempre de olho nos ataques aéreos promovidos pelas concorrentes fragatas. Um pouco afastadas da praia, as lagoas de água salgada são outro grande atrativo nessa parte de Santa Cruz. Nelas, os flamingos disputam a bicadas minúsculos crustáceos que dão sopa por ali e são responsáveis pela inconfundível tonalidade cor-de-rosa das aves. Infelizmente não vi nenhum, assim como não encontrei o solitário George.

Mas encontrei muito mais da natureza na Ilha de Santiago, pouco menor que a de Santa Cruz e totalmente ocupada pela vida selvagem. Ali, humanos são apenas visitantes. Nem sempre foi assim. Um dos pontos mais visitados atualmente da ilha é o Porto Egas, que recebeu esse nome em homenagem a George Egas, fundador de uma indústria de extração de sal ali, nos anos 1930. As salinas ficavam aos pés de um vulcão próximo, o mesmo responsável pela areia negra e pelas rochas escuras que se espalham pela praia.

Muito antes de Egas, em 1835, Charles Darwin esteve nessa ilha, durante sua célebre viagem a bordo do HSM Beagle. Além de Santiago, ele visitou as ilhas de San Cristóbal, Floreana e Isabela. Em Santiago, ele certamente precisou andar com cuidado para não tropeçar nas iguanas marinhas que se espalham pelas pedras para se aquecer ao sol. De cor negra e aparência que não deve ter agradado nem um pouco o criador do evolucionismo, elas se camuflam perfeitamente neste ambiente vulcânico e vivem em simbiose com o caranguejo-fidalgo. Sem dúvida o cientista coletou um desses crustáceos vermelhos.

É possível que Darwin tenha parado alguns instantes para apreciar a técnica de pesca das garças, que esperam imóveis os peixes ao lado de fendas por onde entra a água do mar. Ele seguramente apreciou a contagiante preguiça dos leões-marinhos e seus filhotes. Como provavelmente não havia mulheres a bordo do Beagle, o jovem cientista inglês não deve ter tido a oportunidade de presenciar as entusiasmadas expressões femininas sempre que o desengonçado filhotinho tentava se aproximar da mãe. Pode ser que, no isolamento da ilha, ele tenha achado so cute .

O duelo entre a fragata e o atobá

Quem viaja por Galápagos de barco (navio, lancha, iate, caiaque...) se acostuma rapidamente com a companhia constante das aves marinhas. Sobretudo os atobás de pata azul e as fragatas, que travam um duelo particular milenar nos oceanos. Pescadores natos, capazes de enxergar um peixe a 30 metros de altura e mergulharem com precisão ímpar, os atobás sofrem com os assaltos das velozes e calculistas fragatas, que, por não saberem pescar, vivem de tirar a comida do bico alheio. Dizem que um filhote de fragata só pode deixar o ninho quando souber roubar. Mesmo assim é difícil torcer contra essa espécie, dona de belíssimo estilo de voo e um “design” arrojado, com até dois metros de envergadura.

Quem acompanha esse mocinho-e-bandido aéreo encontra em Seymour Norte uma das atrações imperdíveis de Galápagos. A ilhota, entre Santa Cruz e Santiago e colada à movimentada Baltra, onde está o aeroporto, é uma espécie de santuário dessas duas espécies.

Apesar de ser um dos pontos mais acessíveis e populares do arquipélago, o número de visitantes parece ser bem controlado, justamente para preservar a paz das aves que usam Seymour Norte como berçário, escolinha de voo e local de sedução. Por trilhas bem sinalizadas, os guias especializados — não se pode visitar essa e outras áreas preservadas sem um deles — indicam os caminhos certos.

Um filhote de atobá, de poucos meses de idade, ainda com as penas todas brancas, parece sofrer, no meio da trilha, chamando pela mãe. Em outra parte, outro atobá, numa fase equivalente à adolescência, abre as asas contra o vento para testar suas capacidades aerodinâmicas. Não muito longe dali, um adulto arrasta suas belas patas azuis para a fêmea, que parece distraída, mas que, segundo a guia, já está caidinha por ele. Um olhar mais atento revela aves chocando ovos ou mesmo cuidando de filhotes com poucas horas de vida.

As fragatas dividem a mesma ilha, mas ocupam uma área separada. Aparentemente, o treinamento de assalto aéreo é secreto, porque todos os filhotes que se veem (também com penugem branca, diferente dos adultos, de penas pretas) estão quietinhos nos ninhos.

O mesmo, porém, não se aplica ao exibicionista jogo de sedução da espécie. O macho impressiona a fêmea inflando uma bolsa vermelha, que vai da parte inferior do bico ao peito. E fica andando assim, de asas abertas e papo estufado, emitindo sons altíssimos até que alguma fêmea lhe dê atenção. Impacientes, alguns machos alçam voos e se vão, provavelmente mostrar que têm bom papo para fêmeas de outras freguesias.

Iguanas terrestres, leões-marinhos e até as raras cobras de Galápagos, pequenas serpentes não venenosas que vivem entre o mar e as rochas litorâneas, também são vistos com frequência na ilha plana e seca, perfeita para caminhadas.

Em oposição à vida abundante de Seymour Norte está Bartolomé, uma ilhota quase colada à costa oeste de Santiago. “Paisagem lunar” é a primeira expressão que nos vem à cabeça, mas o tom alaranjado de sua superfície, coberta por formações rochosas inusitadas, faz com que a ilha se pareça mais com Marte.

Suaves 370 degraus levam ao topo do vulcão inativo, que deu origem a esta que é uma das ilhas mais jovens do arquipélago. Durante a subida, notamos a vegetação rasteira pioneira e poucas lagartixas, exemplos raros de vida nesse local. Do alto, a 114 metros, a recompensa: uma das mais belas paisagens de Galápagos, com vista privilegiada para o Pináculo, uma torre de pedra que parece solta na ponta de uma enseada, um dos pontos mais fotografados do arquipélago.

Junto a essa enseada está a única área verde da ilha, um pequeno manguezal que une duas praias de areia branquíssima. Dali Bartolomé já parece mais diferente. Uma pequena colônia de pinguins de Galápagos já dá a dica do que está por vir. Basta uma máscara e um snorkel para encontrar um mundo de cores explosivas no fundo do mar. Dos coloridos peixe-anjo e peixe-trombeta a cardumes de sardinhas, dezenas de espécies pareciam disputar a atenção. Uma aglomeração de mergulhadores indicava que algo importante acontecia: uma tartaruga marinha verde almoçava, tranquilamente.

Os banhistas que se arriscaram a contornar o Pináculo a nado foram premiados com arcos rochosos, estrelas do mar enormes e a companhia, mesmo que rápida, de uma dupla de pinguins que esbanjava agilidade subaquática. Nada mal para uma ilha aparentemente deserta.

Nesse quesito Seymour Norte não fica atrás. A ilhota-santuário é perfeita para o snorkeling de mar aberto, longe da praia. Era o meu terceiro mergulho no arquipélago e ainda não havia visto de perto um dos famosos tubarões de Galápagos, que à noite cercavam o navio. Já podia me dar por satisfeito ao topar com um leão-marinho pescando junto ao paredão rochoso da ilha. Quando decidi voltar para o barco, a última imagem do arquipélago: dois tubarões, a poucos metros abaixo de mim, sumindo, aos poucos, na imensidão azul.

Trânsito intenso pelo mar

A maneira mais cômoda e prática e de viajar por Galápagos é a bordo de uma das embarcações que realizam os diversos cruzeiros pelo arquipélago. Como o trânsito entre ilhas é feito basicamente por mar, estar numa excursão dessas economiza tempo e trabalho. Os cruzeiros funcionam também como expedições, com palestras informativas sobre todos os aspectos do arquipélago dadas por guias naturalistas, que ajudam a compreender o complexo universo de Galápagos. E ao contrário dos cruzeiros-expedições pela Patagônia ou Terra do Fogo, as viagens próximas à linha do Equador não são tão turbulentas.

Viajar de barco permite grande interação com a natureza. Em uma noite, após o jantar, os passageiros que ainda estavam acordados perceberam a presença de dez tubarões de Galápagos, além de leões-marinhos e tartarugas, que nadavam em volta do navio, como que em busca de algum resto de comida. Na noite seguinte foi a vez de um pelicano pousar no parapeito da varanda para descansar um pouco depois de algumas horas de pesca.

Nesse tipo de cruzeiros a já conhecida rotina a bordo é ainda mais rígida, para encaixar entre as três refeições e os momentos de descanso as palestras informativas sobre o que o foi e que ainda será visto. Os passageiros são divididos em grupos, que são ordenados de acordo com uma escala prévia, para facilitar os desembarques nas ilhas (em média, dois por dia). O uso de colete salva-vida nesses momentos é obrigatório, por causa da instabilidade dos botes infláveis (ou “panga”, como se diz no Equador), usados para chegar nas ilhas.

O Galapagos Legend, um dos principais navios de cruzeiro que operam no arquipélago, segue essa linha. Trata-se de uma embarcação robusta, originalmente usada como um hospital flutuante. Reformado em 2007, tem capacidade para 100 passageiros e uma decoração sóbria e prática que lembra que o importante é o que está do lado de fora. Para quem quiser aprender mais sobre Galápagos, painéis informativos e uma boa biblioteca estão à disposição. Ele faz quatro roteiros diferentes, de quatro a cinco dias, que, juntos, abrangem as principais ilhas de Galápagos.

Para o próximo ano a novidade será o Silver Galápagos, da bandeira de luxo Silversea. A embarcação, de 4.077 toneladas e capacidade para 100 passageiros, fará roteiros dois roteiros de sete dias diferentes a partir de setembro de 2013, passando pelas ilhas de Baltra, Santiago, Bartolomé, Isabela, Fernandina, San Cristóbal, Santa Cruz, Genovesa, Seymour Norte, Española e Plazas Sur. As 50 suítes do navio terão varanda. Atendimento personalizado de mordomo, cozinha gourmet e serviço all-inclusive, com direito a vinhos na cabine, estarão incluídos no preço do cruzeiro. As mordomias do Silver Galápagos já existem em navios menores. O iate La Pinta é um dos exemplos dessa navegação de luxo: com capacidade para 48 passageiros, faz roteiros de 7 a 8 noites.

Outra modalidade é a chamada “live aboard”. Barcos pequenos, para até 20 passageiros, passam em média sete dias no mar, sem desembarque. Equipados com cilindros de ar e com instrutores a bordo, eles são destinados apenas a mergulhadores experientes, que podem explorar diversas vezes ao dia as maravilhas subaquáticas de Galápagos.

SERVIÇO

CRUZEIROS

Galapagos Legend: As tarifas, por pessoa, começam em US$ 1.290 para cruzeiros de quatro dias, com direito a três refeições, guias e material para snorkeling. kleintours.com

Silver Galápagos: As tarifas para o novo cruzeiro de luxo começam em US$ 5.450 por pessoa, com serviço all-inclusive também para bebidas. Reservas já podem ser feitas pelo site silversea.com/destinations

La Pinta: A partir de US$ 2.300 em cabine dupla. lapintagalapagoscruise.com

PREPARATIVOS

Taxas: Cidadãos de países do Mercosul pagam US$ 50 de taxa de conservação assim que chegam a Galápagos. Detalhes aqui .

Moeda: Dólar americano. Caixas eletrônicos são raros e a maioria dos estabelecimentos não aceita cartões.

Fuso horário: Galápagos está uma hora atrás do continente.

O que levar: A temperatura varia entre 22°C e 32°C durante todo o ano, por isso é bom levar roupas leves, chapéus, óculos escuros e protetor solar, sem esquecer de um casaco e capa de chuva para dias molhados e calçados cômodos.

O que não levar: É proibido entrar com qualquer produto orgânico em Galápagos, como frutas, sementes e animais. Assim como é proibido retirar das ilhas pedras, vegetação, conchas e animais. Há rígida fiscalização nos aeroportos.

Na internet: Mais informações no site galapagospark.org .

Eduardo Maia viajou a convite do Ministério do Turismo do Equador.

  翻译: