Escrever uma redação nas exigências do Enem não é uma tarefa simples, nem mesmo para robôs, que usam a inteligência artificial para acessar milhões de informações simultaneamente. O GLOBO solicitou um texto dissertativo-argumentativo ao ChatGPT — plataforma algorítmica que ficou famosa por produzir textos — e pediu para professoras de cursinhos pré-vestibular avaliarem o resultado final. Nessa experiência não-humana, as notas ficaram entre 640 e 800 pontos. Confira análise detalhada abaixo.
Lançado no final de 2022, o software ChatGPT teve seu desenvolvimento pautado em redes neurais e machine learning, com foco em diálogos virtuais. O sucesso da ferramenta está em oferecer ao usuário uma forma simples de conversar, obter respostas e até mesmo textos prontos sobre qualquer assunto.
Para testar se a plataforma teria capacidade de ser um “aluno nota mil” no Enem, o GLOBO, através do chat, fez o seguinte pedido: “faça um texto dissertativo-argumentativo sobre os desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil" — tema proposto na edição de 2022. O resultado (veja o texto feito pelo robô abaixo) recebeu nota 640 da professora de redação da Plataforma AZ, Marina Rocha, e 800 da também professora de redação Fernanda Pessoa, que tem uma plataforma de ensino própria com mais de 12 mil alunos.
— É muito legal usar a tecnologia para nos ajudar a ter ideias, mas o senso crítico apenas nós humanos vamos ter. E a base do Enem é fazer o aluno pensar e propor diálogos que fujam da superficialidade e do senso comum. Por isso, só humanos conseguem tirar nota mil na redação — avalia Fernanda.
Veja a redação do ChatGPT
"O Brasil é um país rico em cultura e diversidade étnica, mas infelizmente a valorização das comunidades e povos tradicionais ainda é um desafio para a sociedade brasileira. Essas comunidades enfrentam uma série de desafios, que vão desde a falta de reconhecimento e respeito às suas tradições, até a expropriação de suas terras e ameaça às suas formas de vida.
Uma das principais questões é a falta de políticas públicas eficientes para garantir a preservação e valorização dessas comunidades. Muitas vezes, elas são vistas como obstáculos ao desenvolvimento econômico e são forçadas a abandonar suas terras e tradições. Além disso, há uma falta de investimento em educação e capacitação para que essas comunidades possam se desenvolver economicamente e preservar suas tradições.
Outro desafio é a falta de reconhecimento da diversidade cultural no Brasil. Muitas vezes, as comunidades e povos tradicionais são vistos como inferiores e suas tradições são ridicularizadas ou desrespeitadas. Isso contribui para a perpetuação de estereótipos e demonstrados, impedindo a valorização e o respeito às suas tradições.
Além disso, a expropriação de terras e a ameaça às formas de vida dessas comunidades são graves problemas que precisam ser enfrentados. A ocupação de terras indígenas e quilombolas, a instalação de empreendimentos científicos sem o consentimento das comunidades, e a falta de proteção aos seus direitos ameaçam a sobrevivência dessas culturas e tradições.
Em resumo, a valorização das comunidades e povos tradicionais no Brasil é um desafio complexo que requer uma abordagem integral e eficiente. É necessário investir em políticas públicas que garantam a preservação e preservação dessas tradições, além de combater a discriminação e proteger os direitos dessas comunidades. Somente assim será possível preservar a riqueza cultural do país e garantir o respeito à diversidade étnica no Brasil".
Veja a avaliação da redação conforme as 5 competências do Enem:
Competência 1: Domínio da escrita formal da língua portuguesa
O robô apresentou um erro de vírgula no penúltimo parágrafo, além de ter repetido a palavra "preservação" na conclusão e usado o termo “demonstrados” fora de contexto no terceiro parágrafo.
- Avaliação de Marina Rocha: 160 pontos
- Avaliação de Fernanda Pessoa: 200 pontos (acredita que tais deslizes não alterariam a nota máxima da competência)
Competência 2: Compreender o tema e não fugir do que é proposto
Na avaliação das professoras, por ter sido feito por um robô, a redação não possui uma característica essencial exigida pelo Enem: o contexto sociocultural. A falta de dados históricos e citação de sociólogos, filmes ou pesquisadores, por exemplo, fez com que a nota caísse de 200 para 160 pontos.
- Avaliação de Marina Rocha: 120 pontos
- Avaliação de Fernanda Pessoa: 160 pontos
Competência 3: Organizar e interpretar argumentos em defesa de um ponto de vista
O ChatGPT, segundo as professoras, não explicou de forma detalhada os problemas enfrentados pelos povos tradicionais nos parágrafos de desenvolvimento dos argumentos. De acordo com elas, essa exatidão só é possível graças ao raciocínio crítico humano.
- Avaliação de Marina Rocha: 160 pontos
- Avaliação de Fernanda Pessoa: 160 pontos
Competência 4: Conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação
A plataforma de AI não fez um bom uso de preposições, conjunções, advérbios e locuções adverbiais, responsáveis pela coesão e sequenciamento do texto.
- Avaliação de Marina Rocha: 120 pontos
- Avaliação de Fernanda Pessoa: 160 pontos
Competência 5: Respeito aos direitos humanos
De acordo com as avaliadoras, a ferramenta de AI não foi capaz de apresentar propostas de intervenção para o problema abordado. O último parágrafo do texto ficou no senso comum, sem especificar qual agente (civil, empresarial ou governamental) teria a responsabilidade de enfrentar os desafios dos povos tradicionais e de qual maneira as iniciativas seriam implementadas.
- Avaliação de Marina Rocha: 80 pontos
- Avaliação de Fernanda Pessoa: 120 pontos
Avaliação final
- Avaliação de Marina Rocha: 640 pontos
- Avaliação de Fernanda Pessoa: 800 pontos