Ruas estreitas, casas com muros altos e construções precárias. A apenas três quilômetros da Praça dos Três Poderes, a comunidade de Vila Planalto é uma paisagem comum nas periferias do país, mas completamente fora dos padrões de Brasília. Uma das poucas cidades brasileiras planejadas, que nasceu dos desenhos de Niemeyer e de Lucio Costa, a capital federal hoje enfrenta crescimento desordenado e o surgimento de regiões que não existiam em seu traçado original.
O problema real ganhou contornos oficiais. O aumento populacional foi constatado pelo Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números dão concretude ao que se vê a olho nu como a ocupação sem freio de áreas para além do Plano Piloto — a região inicialmente projetada pelo urbanista Lúcio Costa na década de 1950. A cidade tem hoje 2.817.068 pessoas, ultrapassando Salvador como a terceira maior do país.
A alta em relação ao Censo de 2010 foi de 9,52%. Entre as cinco maiores capitais, apenas Brasília e São Paulo cresceram em 12 anos, enquanto Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador tiveram variação negativa.
A Vila Planalto não é a única área perto do centro do poder que explodiu. A região administrativa do Varjão, quando nasceu, era uma pequena invasão de cerca de 500 famílias. Com moradias de baixo custo e próximo do Plano Piloto — a 14 quilômetros da Praça dos Três Poderes —, o bairro íngreme reúne mais de oito mil pessoas, que sofrem com falta de esgoto e trânsito intenso.
— O desenvolvimento do Varjão não acompanhou a chegada de pessoas. Temos apenas uma escola para os jovens e nenhum centro de saúde. A rede de esgoto não comporta a população atual, e os índices de violência aumentaram nos últimos anos — afirma Nair Queiroz Pessoa, de 52 anos, ex-administradora do Varjão.
Morador do Varjão desde criança, o pedreiro Ademilson Reis, de 45 anos, conta que, no passado, predominavam as chácaras.
— O pessoal vinha morar por conta das ofertas de emprego no Lago Norte e Asa Norte. Até dez anos atrás, era bem fraco de comércio, eu mesmo não costumava fazer compras ou me divertir por aqui. Fazia tudo em outros lugares. Mas os lotes foram crescendo e, como o espaço é pequeno, passaram a fazer mais prédios. Agora, crescemos para cima — analisa ele.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal, Marcelo Vaz, a população de Brasília na última década se expandiu, principalmente, em 35 regiões administrativas — que contornam a área central. Mas poucas dessas regiões foram planejadas para receber tantos moradores.
Medo da violência
Um exemplo de crescimento “controlado” seria Águas Claras, com seus condomínios fechados formados por espigões de até 32 pavimentos — na região central de Brasília, os prédios residenciais não podem ultrapassar seis andares. Águas, como os brasilienses chamam, começou a ser urbanizada no início dos anos 2000 e hoje já tem mais de 120 mil moradores. O lugar abriga a maior expansão imobiliária mesmo com loteamentos criados em outras regiões, como os setores Sudoeste e Noroeste, para acolher a alta demanda habitacional.
— Águas Claras é a região com a maior quantidade de unidades imobiliárias novas ou em construção no Distrito Federal. São mais de mil unidades à venda na região— afirma Marcelo Vaz.
Diferente de outras regiões, Águas Claras e o Setor Noroeste foram planejados para receber a população com maior poder aquisitivo, diante da limitação de novas construções na área central. A projeção quando a cidade foi inaugurada era de que abrigasse cerca de 700 mil habitantes, um quarto da população atual. Segundo o secretário, contudo, o salto populacional já era aguardado devido à grande oferta de empregos no serviço público. Hoje, o governo federal e o distrital são os principais empregadores.
— Brasília, como capital do país, tem essa característica de atrair pessoas, principalmente jovens, pelo serviço público. É natural — diz Marcelo Vaz.
São nas periferias, porém, que o crescimento populacional mostra seus efeitos mais perversos. Além de ter subido no ranking das capitais mais populosas, Brasília se destaca por ter atualmente a maior favela do país, o Sol Nascente, que desbancou a Rocinha, no Rio de Janeiro, como já mostravam dados preliminares do Censo no ano passado. A comunidade, que faz fronteira com a região administrativa mais populosa do DF, Ceilândia, tem mais de 32 mil moradias.
Além dos transtornos da falta de estrutura, o vigilante Edson Lopes, de 42 anos, quase metade deles no Sol Nascente, diz que teme a violência. Segundo ele, mesmo estando a cerca de meia hora da sede da Presidência da República, há locais onde o poder público não chega:
— Não entra ambulância nem polícia nessas áreas de expansão, então tem gente que se aproveita disso para cometer crimes — afirma.