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Por — Rio de Janeiro

A morte de um homem na comunidade terapêutica Kairus Prime, em Embu-Guaçu (SP), jogou luz sobre outras acusações de crimes envolvendo a entidade. Segundo a Polícia Civil de São Paulo, o responsável pela clínica está sendo investigado por esse e mais um assassinato de interno, em maço. Além disso, outros 8 boletins de ocorrência, envolvendo tortura, lesão corporal, desaparecimento e morte natural, foram registrados contra a entidade. Nesta sexta, O GLOBO mostrou que o governo federal mantém o financiamento a comunidades terapêuticas, modelo de tratamento defendido por Jair Bolsonaro, mesmo após críticas de associações psiquiátricas e denúncias criminais.

Na segunda, o interno Onésio Ribeira Pereira foi morto e cinco funcionários foram presos em flagrante, suspeitos de o agredirem até a morte. Segundo a Polícia Civil de São Paulo, o caso foi registrado como homicídio, sequestro, cárcere privado e tortura.

Após a morte de Onésio, a clínica de reabilitação foi interditada pela prefeitura nesta terça-feira (26) por falta de alvará. Ao g1 e à TV Globo, o diretor da clínica, Ueder Santos de Melo, alegou que a entidade estava em processo de regularização e que tinha protocolado todos os documentos solicitando o alvará.

A polícia informou que em março houve ainda outra morte na clínica, de um homem de 27 anos, "encontrado morto com sinais de violência no pescoço". Na época, três funcionários também foram presos em flagrante. Por isso, a Polícia Civil está investigando o responsável pela entidade. Questionada, a polícia não confirmou se esse investigado é Ueder Santos de Melo, apenas afirmou que é um homem de 40 anos, responsável pela clínica, mas O GLOBO apurou que Ueder tem 40 anos.

A reportagem enviou um email para o endereço listado como de Ueder, mas ainda não obteve resposta. Ao G1, na quarta, ele respondeu que iria colaborar com as investigações.

Outras ocorrências

De acordo com a página da clínica no Facebook, sua sede fica em outra cidade de São Paulo: Juquitiba. E é nesse município onde quatro registros de ocorrência foram abertos contra a entidade, afirmou a polícia: um de lesão corporal, na última sexta-feira (22), um de tortura na manhã desta quarta-feira (27), além de dois registros de morte natural, em dezembro de 2022 e em maio de 2023.

A entidade ainda está envolvida em um boletim de lesão corporal em maio de 2023 em uma unidade de São Lourenço da Serra (SP) e um de desaparecimento em 2017. Os outros dois boletins são de 2020 relatando o desaparecimento e encontro de um homem, de 54 anos, que havia fugido da clínica em junho de 2020, encontrado quatro meses depois.

A Polícia Civil informou que atua para esclarecer todas as circunstâncias e punir os envolvidos.

Um vídeo, ao qual O GLOBO teve acesso, mostra o que seria uma das agressões contra internos dentro de uma unidade da entidade. A polícia ainda não confirmou a veracidade das imagens, que mostram um homem sendo retirado de uma ambulância e agredido até com pedaço de madeira mesmo deitado no chão e indefeso.

Inspeção nacional identificou crimes e violações

A ausência de eficácia do tratamento e as violações de direitos no modelo de CTs foram atestadas por vistorias realizadas pelo Ministério Público Federal (MPF), Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 28 unidades, em 2017. Entre os problemas encontrados nas entidades espalhadas por 11 estados e Distrito Federal estavam internações forçadas e indocumentadas, instalações precárias, péssimas condições de higiene, suspeita de trabalhos forçados, intolerância religiosa, homofobia e até indícios de sequestro e cárcere privado com a anuência da família.

As inspeções revelaram um "contingente de usuários de drogas enviados a comunidades terapêuticas por determinação judicial" num tratamento que poderia ser considerado tortura, destacou o relatório, por causa dos castigos físicos, trabalho forçado, supressão de sono e alimentação e a privação da liberdade. Além disso, a força tarefa encontrou novos "perfis" de internos, como idosos e pessoas com transtornos mentais diversos. Após a inspeção, houve algumas ações pontuais, como abertura de inquéritos em âmbitos estaduais, mas não houve ações sistêmicas.

— Os relatos eram absolutamente coincidentes na série de práticas graves — lembra Deborah Duprat, então procuradora federal dos Direitos do Cidadão na época do trabalho. — Comunidades terapêuticas são instituições de caráter asilar, ou seja, que isolam o indivíduo do resto do mundo. Essa é uma ideia totalmente contrária à lei antimanicomial e à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, porque são sujeitos que têm direito à participação na vida coletiva.

Todas CTs inspecionadas eram instituições religiosas e possuíam o caráter confessional no tratamento, lembra Duprat. Um trecho do relatório destaca, por exemplo, que em uma comunidade terapêutica de Lagoa Santa (MG) internas eram obrigadas a copiar, por inúmeras vezes, o Salmo 119 da Bíblia, como uma sanção por "mau comportamento". Em 14 das 28 instituições visitadas, não havia "respeito à diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero", apontou o relatório, que complementou que a "expressão das sexualidades" era associada ao "pecado".

Duprat esteve pessoalmente em duas unidades do Mato Grosso, onde constatou que não havia documentações, laudos médicos ou qualquer registro de manifestação dos internos sobre o desejo de internação.

— Estavam ali exercendo trabalho escravo, sem remuneração, em condições insalubres. Todo trabalho na comunidade é feito pelos próprios internos. Os donos sustentavam que essa seria uma terapia ocupacional, mas não existia nenhum psicólogo, terapeuta ocupacional ou profissional de saúde. Geralmente só ia um auxiliar de enfermagem uma vez por semana. Não havia prescrição de medicamento, era um caos total — explica Duprat, que lembra também da internação de uma mulher trans em uma instituição masculina.

A ex-procuradora também apontou a ilegalidade na internação de adolescentes, todos enviados às comunidades vistoriadas por decisão judicial, algo que só é permitido em casos de crimes com violência, vedado a casos de uso de drogas.

— Era o sistema de justiça fazendo limpeza social — explica.

Em 2017, um outro relatório, da Controladoria Geral da União (CGU), avaliou a política de contratação pela então Secretaria Nacional de Política sobre Drogas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segundo a CGU, o decreto do programa do "Crack, é possível vencer" e as metas do PPA da época eram os únicos balizadores do programa. Por isso, o relatório concluiu que havia " fragilidades na institucionalização da política" , "imprecisões quanto à legitimidade", "fragilidade na fiscalização" e " ausência de parâmetros para avaliar a qualidade dos serviços".

Para além dos mecanismos burocráticos, as CTs foram ganhando apoio popular com as promessas de cura contra a dependência química. Nos últimos anos, o deputado federal Osmar Terra foi um dos principais porta-vozes sobre o tema e enquanto ministro da Cidadania, na gestão de Jair Bolsonaro, defendeu o modelo que, segundo ele, conseguiria resultados melhores que o sistema de saúde tradicional por causa do isolamento da abstinência total. Ele alegava, ainda, que havia preconceito com evangélicos nas críticas contra o programa.

Ana Paula Guljor, presidente da Associação Brasileira Saúde Mental (Abrasme) e já dirigiu a rede de Caps no Rio e o hospital psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói, defende que um dos principais problemas do modelo das CTs é, justamente, cortar as relações sociais do paciente. Ela conta que esse conceito surgiu na Europa, na década de 60, como uma ideia de gestão democratizada em comunidades, com relações horizontais, e houve até a absorção de alguns desses preceitos pela reforma antimanicomial. Mas a lógica do isolamento resultou em tratamentos ineficazes.

— As comunidades atuais colocam as pessoas em um dispositivo fechado, por um período longo de tempo, e só trabalham a direção clínica de disciplina. Quando se coloca a pessoa numa estrutura que a aparta da sociedade, primeiro ela não vai saber lidar com as questões da vida e do cotidiano, e gera muito frequentemente a ruptura dos laços familiares — explica Ana Paula Guljor, que também critica o preceito da laborterapia e da disciplina confessional. — Claro que espiritualidade pode ser importante, o problema é impor essa fé e ter essa fé como pressuposto de cura.

Governo federal responde

Procurado, o Ministério de Desenvolvimento Social explicou que o objetivo do Depat é atuar "de maneira intersetorial, interdisciplinar e transversal, a partir da visão holística do ser humano, oferecendo os serviços de acolhimento a pessoas com problemas decorrentes da dependência do álcool e de outras drogas, principalmente àquelas em maior vulnerabilidade". Sobre suposta divergência na gestão federal, a pasta respondeu que "busca trabalhar em alinhamento em conjunto com os demais Ministérios" e que segue o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Por fim, explicou que trabalha para ampliar as fiscalizações, que têm apoio da faculdade de Medicina da UFMG e que existe uma equipe designada para apurar denúncias "sendo repudiado todo e qualquer infração que viola os direitos e garantias dos acolhidos".

Já o Ministério da Saúde informou ter "como prioridade a expansão e qualificação dos serviços de saúde mental" e que o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial foi ampliado em 27%, representando R$414 milhões a mais para os estados. Hoje existem 2.857 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no país, 870 Serviços Residenciais Terapêuticos e o novo PAC prevê a abertura de mais 200 CAPS.

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