Leo Aversa
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Leo Aversa

Fotógrafo e colunista.

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Leo Aversa

Por — Rio de Janeiro


Você está entre amigos, jogando conversa fora sobre um assunto qualquer. O desempenho da seleção, a chuva no fim de semana, o restaurante que abriu na esquina. De boas, tranquilo, suave. De repente chega alguém do nada, sobe num caixote imaginário e, com ar grave, começa a recitar um discurso sério, muito sério, sobre a relação entre aquela bobagem que você estava comentando e uma causa importante, muito importante. O olhar rútilo, o dedo em riste, o ar de superioridade moral e o samba de uma nota só avisam: você está frente a frente com uma PCC, a famosa “Pessoa Com Causa”.

Cuidado, muito cuidado.

As PCCs têm se multiplicado. Culpa da polarização, das redes sociais ou, quem sabe, do aquecimento global. Talvez o excesso de ultraprocessados. Tem Pessoas Com Causa de direita, de esquerda, conservadoras, progressistas. Tem de tudo. O que define a PCC é que ela tem certeza de que sua causa é a mais importante de todas. Como diz o ditado, “para quem só tem martelo, tudo é prego”. A PCC considera que o que falta ao mundo para dar certo é que todos pensem igual a ela. E tome discurso, palestra, explanação. Quem não concorda 100% é um selvagem, um herege, um subversivo que merece ser cancelado. Quem pertence à sua tribo e repete o seu discurso é gênio. Qualquer acontecimento é um convite ao seu proselitismo exasperante. A PCC não tem meio-termo: ou você concorda ou é um inimigo mortal. O pior: uma PCC sempre se leva a sério, muito a sério.

Como os inimigos reais da sua causa não lhe dão atenção, ela está sempre em busca de um incauto que lhe sirva de escada, alguém que possa usar como muleta para promover sua suposta virtude. É aí que mora o perigo: um descuido, leitor, e essa muleta pode ser você. É preciso estar atento e forte. Nunca, jamais, sob nenhuma hipótese, discuta com uma PCC. Além de inútil, é perigoso: qualquer “mas” ou “porém” vai deixá-la furiosa e, quando ela morde, é como um pitbull, não solta por nada.

Para evitar essa danação, primeiro é preciso saber reconhecer uma PCC: a falta de humor é a principal característica, mas tem também aquele ar de Beato Salu — roupas modernas — e o discurso cheio de certezas. Sempre assertiva, com opiniões definitivas sobre qualquer fato ou acontecimento. Um contínuo piriri de regras. A PCC sempre sabe o que é certo e errado.

O mais sábio é concordar com tudo o que diz. Fique só no “humm, humm” e deixe a PCC discursar até cansar. Se você for cara de pau e corajoso, pode tirar proveito da situação: comentários do tipo “Nossa, eu não tinha percebido isso” ou “Caramba, você tem toda a razão” serão recebidos com êxtase pela Pessoa Com Causa. Ela provavelmente vai pagar sua conta no bar ou restaurante como agradecimento. Se quiser que essa gentileza seja eterna, dá para ir mais longe: como toda PCC desconhece o que é sarcasmo, você pode acrescentar: “Ainda bem que você me alertou sobre este assunto, eu não tinha noção de como eu era ignorante!” Finalizando com um: “Você já pensou em publicar um livro ou escrever um roteiro? Sua causa é importantíssima! Com o seu talento e carisma, seria um sucesso!”

Pronto: a PCC vai agradecer com falsa modéstia, sorrir sem constrangimento e partir para a próxima vítima. Sorte sua.

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