Crítica: em SP, 'Così Fan Tutte' enfrenta anacronismo de Mozart com musicalidade e evocação de Anitta

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O GLOBO assistiu à terceira récita de "Così Fan Tutte" ("Assim Fazem Todas", em italiano), no último domingo (26), e há ainda outras quatro programadas. Uma das mais prodigiosas obras de Mozart com o libretista Lorenzo da Ponte, essa ópera de 1790 esbarra num anacronismo duríssimo em tempos atuais, reconhecido pela própria Julianna Santos: como sustentar, durante as três horas de uma partitura que até sofreu cortes nesta versão, uma comédia (!!) sobre dois rapazes que, ao lado de um velhote e tomados pela mais absoluta falta do que fazer, conspiram para testar a fidelidade de suas virtuosas namoradas? Pior: tudo isso posto em prática com disfarces que não tapeariam nem o mais jovem canarinho de Petrópolis.

Felizmente, a música de Mozart convida à suspensão da descrença, e somos assim convencidos a ter boa vontade com essa farsa que, aos poucos, ganha densidade, à medida que os personagens se dão conta da arapuca em que se meteram. E, no domingo, eles o fizeram lindamente, a despeito de todos os problemas que têm cercado recentemente a gestão da OS Sustenidos no palco do Municipal.

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A soprano argentina Laura Pisani (como a hesitante Fiordiligi) e a mezzo baiana Josy Santos (a curiosa Dorabella) promoveram belos contrastes entre suas caracterizações sem perder a riqueza dos efeitos vocais desde o primeiro dueto "Ah, Guarda, Sorella", em que Josy executou um estonteante crescendo. Pelo lado dos homens, o tenor Aníbal Mancini (visto como Almaviva no mesmo "Barbeiro" carioca de 2022) desempenhou um Ferrando com a categoria habitual de seu registro ligeiro, tendo ao seu lado um expressivo Guglielmo no barítono Michel de Souza. O talento de ambos foi fundamental para dar simpatia a duas figuras altamente canceláveis. O baixo-barítono Saulo Javan (Don Alfonso) também esteve muito à vontade no papel.

Neste elenco tão bem selecionado (sem esquecer que Gabriella Pace e Juliana Taino também fazem Dorabella e Fiordiligi no outro reparto), a soprano Chiara Santoro se viu numa cilada. Numa récita em que a versão mozartiana da Orquestra Sinfônica do Municipal estava mais comedida do que o habitual de Minczuk, as coloraturas de Santoro passaram a necessidade de mais volume. No entanto, é inegável que sua Despina foi quem trouxe ao espetáculo a dimensão mais atual da performance, ao transformar a astuta camareira numa verdadeira discípula da liberdade sexual de Anitta. Seu personagem era o que mais tinha carne e osso para o século 21.

A montagem de "Così Fan Tutte" se apoiou num jogo de verde e lilás refletidos em portas espelhadas, que pauta figurinos (Olintho Malaquias), cenografia (André Cortez) e luz (Wagner Antônio). Desses, o mais difícil é traduzir o contexto proposto pelos figurinos, que confundem o espectador no espaço e no tempo da obra. Enquanto Guglielmo usa tênis Mizuno do início ao fim, as moças vestem espartilhos sobre vestidos muito recatados que remetem ao início do século 20 e a certo look evangélico. Ao fim, Julianna Santos optou por uma leitura que questiona, mas respeita, a tradição da obra. Contudo, escaparam-lhe boas justificativas para a misoginia dos rapazes, bem como o empenho pessoal de Don Alfonso em bagunçar a vida dos namorados, inclusive tirando dinheiro do bolso para subornar Despina. Será que não haveria outros casais possíveis neste final?

Ópera "Così Fan Tutte", de Mozart. Récitas: dias 28, 29 e 31, às 20h; dia 1º de abril, às 17h. Onde: Theatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos de Azevedo, s/nº, Centro). Ingressos: R$ 12 a R$ 158. Cotação: bom.

ABRIL

W. A. Mozart: "O Rapto do Serralho"
Dias 14 a 30
Direção de Jorge Takla, regência de Cláudio Cruz.
Theatro São Pedro (São Paulo)

Béla Bartok: "No Castelo do Barba Azul" (em forma de concerto)
Osesp sob regência de Richard Armstrong
Sala São Paulo
Dias 6, 7 e 8

25º Festival Amazonas de Ópera
De 21 de abril a 28 de maio
Direção musical de Luiz Fernando Malheiro
Francisco Mignone: "O Contratador de Diamantes", direção de William Pereira, dias 21 de abril, 7 de maio e 18 de maio
Gaetano Donizetti: "Anna Bolena", dias 30 de abril, 5 e 20 de maio, direção de André Heller-Lopes
Benjamin Britten: "Peter Grimes", dias 19, 25 e 28 de maio, direção de Pedro Salazar
João Guilherme Ripper: "Piedade", dias 21, 24 e 27 de maio, direção de Julianna Santos

MAIO

Carlos Gomes: O Guarani
Direção de Heidi e Rolf Abderhalden, regência de Roberto Minczuk
Theatro Municipal de São Paulo
Dias 12 a 20

Kurt Weill: "O Voo no Oceano" e "Aquele que Diz Sim"
Direção de Alexandre Dal Farra, regência de Ira Levin.
Theatro São Pedro (São Paulo)

Hector Berlioz: "A Danação de Fausto" (em forma de concerto)
Osesp, com regência de Thierry Fischer
Sala São Paulo
Dias 11, 12 e 13 de maio

JUNHO

André Mehmari: O Machete (baseada na obra de Machado de Assis)
Direção de Julianna Santos, regência de Maíra Ferreira.
Theatro São Pedro (São Paulo)

JULHO

Puccini: "La Fanciulla del West"
Direção de Carla Camuratti, regência de Roberto Minczuk.
Dias 14 a 22
Theatro Municipal de São Paulo

Léos Janácek: "A Raposinha Astuta"
Direção de André Heller-Lopes, regência de Ira Levin.
Theatro São Pedro (São Paulo)

AGOSTO

Puccini: Tosca (em forma de concerto)
Dias 11 e 12
Regência de Roberto Minczuk.
Theatro Municipal de São Paulo

SETEMBRO

Osvaldo Golijov: "Ainadamar"
Direção de Ronaldo Zero (remontagem de 2015)
+
Clarice Assad: "Isolda.Tristão"
Direção de Guilherme Leme
Regência de Roberto Minczuk.
A partir do dia 15
Theatro Municipal de São Paulo

OUTUBRO

Pauline Viardot: "Cinderella"
Direção de Julianna Santos, regência de Priscilla Bomfim.
Theatro São Pedro (São Paulo)

Rufo Herrera: "Balada para Matraga", baseada na obra de Guimarães Rosa
Palácio das Artes (Belo Horizonte)

NOVEMBRO

Richard Wagner: "O Navio Fantasma"
Direção de Caetano Vilela, regência de Roberto Minczuk
Dias 17 a 29
Theatro Municipal de São Paulo

Franz Schubert: "Os Conspiradores"
Direção de Ronaldo Zero, regência de André dos Santos
Theatro São Pedro (São Paulo)