Bruno Latour, antropólogo e filósofo francês, considerado um dos maiores intelectuais contemporâneos, morreu em Paris aos 75 anos, na madrugada deste domingo (9). O anúncio foi feito pela editora La Découverte, que publica seus livros na França. Bruno Latour era casado com a musicista Chantal Latour e deixa dois filhos.
“Éditions La Découverte recebeu com dor a notícia do falecimento de Bruno Latour, ocorrido ontem à noite em Paris. Todos os nossos pensamentos estão dirigidos à sua família e amigos", escreveu a editora em comunicado enviado à agência de notícias AFP. Até agora, a causa da morte não foi divulgada.
Latour foi professor titular do Instituto de Estudos Políticos de Paris e da London School of Economics and Political Science. Um dos nomes mais importantes da sua geração de intelectuais franceses, Latour foi um pensador da filosofia da natureza e um dos primeiros intelectuais a perceber a importância do pensamento ecológico.
Nascido em 22 de junho de 1947 em uma família de comerciantes de vinho em Beaune, no centro-leste da França, Latour estudou filosofia e depois se formou antropólogo na Costa do Marfim. Depois, lecionou em escolas de engenharia na França, mas também no exterior, principalmente na Alemanha e nos Estados Unidos, onde foi professor visitante em Harvard.
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No final da década de 1980, tornou-se um grande defensor da teoria ator-rede, juntamente com Michel Callon e John Law. Um de seus primeiros trabalhos teóricos a chamar a atenção é “La Science en action” (“A ciência em ação”). Latour se inscreveu em uma tradição filosófica que qualificava como não-modernidade, em oposição à modernidade e ao pós-modernismo.
Sucesso fora da França
Reconhecido primeiro nos Estados Unidos e na Inglaterra, o pensador teve vários de seus trabalhos publicados originalmente em língua inglesa. De fato, ao se pronunciar em seu perfil no Twitter sobre a morte do filósofo, o presidente francês, Emmanuel Macron, escreveu: “Um espírito humanista e plural, reconhecido em todo o mundo antes de ser reconhecido na França”.
O conjunto de sua obra recebeu o Prêmio Holberg (2013) e o Prêmio Kyoto (2021). Segundo o júri do Prêmio Holberg de Ciências Sociais, Bruno Latour era “criativo, bem-humorado e imprevisível”. Ele também foi descrito pelo jornal americano New York Times em 2018 como o “mais famoso e incompreendido dos filósofos franceses”.
Sempre um provocador, dentro de seu programa de ecologia política Latour chegou concebeu uma Constituição que incluía não apenas homens, mas também “não humanos” e propôs a criação de um Parlamento das Coisas, no qual os recursos naturais seriam representados por cientistas ou especialistas.
Além de se debruçar sobre as conexões da ecologia com as ciências humanas, o intelectual interessava-se, entre outros assuntos, por questões de gestão e organização de pesquisa e, em geral, pela forma como a sociedade produz valores e verdades. Além disso, ampliou seu número de leitores com ensaios sobre política.
Uma voz na pandemia
Entre seus principais títulos traduzidos para o português estão “Políticas da natureza: Como associar as ciências à democracia” Unesp, 2018), “Jamais fomos modernos: Ensaio de antropologia simétrica” (Editora 34, 2019), “Júbilo ou os tormentos do discurso Religioso" (Ed. Unesp, 2020) e “Diante de Gaia: Oito conferências sobre a natureza no Antropoceno” (Ubu, 2020).
Seu livro “Onde estou: Lições do confinamento para uso dos terrestres" (Bazar do Tempo, 2021), escrito durante o auge da pandemia, alcançou leitores além do seu público habitual. No ano passado, ele disse à agência de notícias AFP que as mudanças climáticas e a crise trazida da pandemia pela Covid-19 revelaram uma “luta de classes geossocial”, unindo conflitos ambientais e sociais. “O capitalismo cavou sua própria sepultura. Agora é preciso consertar o estrago”, disse ele.
De passagem pelo Rio de Janeiro em 2014 para um evento, Latour disse em entrevista ao GLOBO: “Os seres humanos veem a Terra como uma babá que se preocupa e dá a seus bebês o que eles precisam. Isso é perigoso. E não só pessoas comuns, mas cientistas caem nessa armadilha e a disseminam.”
Na ocasião, o pensador falou ainda sobre a relação entre ciência e arte. “É preciso criar instrumentos que liguem as estatísticas da ciência e as formas de sensibilização. Não há muita gente trabalhando para que nos tornemos mais comovidos ao que ocorre com a Terra. Temos de reconstruir nossa sensibilidade.”