Cultura
PUBLICIDADE

A colaboração entre Le Corbusier (1887-1965) e Lucio Costa (1902-1998), o mestre francês e o discípulo brasileiro, é um pedaço da história da arquitetura moderna. O lado íntimo dessa emblemática parceria aparece agora em “Lucio Costa — Le Corbusier — Correspondência” (Bem-Te-Vi), que reúne as cartas trocadas pelos dois de 1936 até 1965, ano em que o francês (nascido Charles-Édouard Jeanneret-Gris, usava sobrenome do avô materno) morreu de um ataque cardíaco enquanto nadava no Mar Mediterrâneo.

As cartas comprovam o respeito mútuo, mas também os altos e baixos no relacionamento, causados principalmente pelo temperamento imprevisível Le Corbusier. Amargo em mais de uma ocasião, ele atazanava os amigos cobrando honorários, reclamava da falta de reconhecimento e acusava outros arquitetos de roubarem seus projetos.

Croquis de Le Corbusier para o Edifício Capanema, enviado como lembrança a Lucio Costa — Foto: Divulgação
Croquis de Le Corbusier para o Edifício Capanema, enviado como lembrança a Lucio Costa — Foto: Divulgação

O livro se apoia no acervo da Casa Lucio Costa, fundada pela neta do arquiteto, Julieta Sobral, reproduzindo croquis, desenhos, cartões postais e cartas originais. Traz ainda textos da arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Costa que testemunhou in loco a história de amizade dos dois arquitetos, e dos especialistas Lauro Cavalcanti e Maragareth da Silva Pereira.

— Para nós, arquitetos, Le Corbusier é essa coisa mítica, por toda a sua influência na arquitetura moderna — diz a arquiteta Claudia Pinheiro, diretora da Dois Um Produções e organizadora da edição junto com Julieta Sobral. — Mas fazendo esse livro aprendi que ele também podia ser bastante arrogante. Lucio Costa estava sempre querendo aprender mais com seu mestre, enquanto Le Corbusier acreditava que não precisava aprender mais nada.

A polêmica do Capanema

Uma placa no Ministério da Educação e Cultura (atual Edifício Capanema), no Centro do Rio, explica que o projeto foi executado por Lucio Costa e um grupo de arquitetos brasileiros, a partir do “traço inicial” de Le Corbusier. O arquiteto francês, no entanto, contestava essa versão sobre a autoria do prédio, construído entre 1937 e 1945, com inauguração realizada pelo então presidente Getúlio Vargas. Por muito tempo, Le Corbusier se apresentou como o verdadeiro criador do Capanema.

Palácio Gustavo Capanema por pouco não foi vendido pelo governo de Jair Bolsonaro — Foto: Antonio Scorza
Palácio Gustavo Capanema por pouco não foi vendido pelo governo de Jair Bolsonaro — Foto: Antonio Scorza

Na época, Lucio Costa ainda estava longe de ser o profissional de renome mundial, pai do plano piloto de Brasília. À frente de um time de empolgados jovens brasileiros, do qual faziam parte Carlos Leão, Ernani Vasconcellos, Affonso Eduardo Reidy, Roberto Burle Marx e o estagiário Oscar Niemeyer, ele fez lobby junto às autoridades para que Le Corbusier assumisse a obra do Capanema. O francês aceitou o convite e elaborou um projeto que deveria ser construído em uma área entre a Glória e o Flamengo, onde está hoje o Museu de Arte Moderna (MAM). As marcas corbusianas estavam bem assinaladas, como os pilotis e as fachadas livres. Quando o governo brasileiro mudou o local do prédio para o Centro, Le Corbusier já não estava mais no Brasil. Mas o grupo readaptou suas ideias para um prédio maior, com mais andares, fazendo o possível para manter a essência do original.

— Se você olhar o croquis deixado por Le Corbusier, fica claro que a ideia está toda lá — diz Claudia Pinheiro. — O grupo brasileiro estava fascinado pelo traço inicial do mestre, mas também trouxe diversas novas soluções. Afinal, o prédio dobrou de tamanho.

Lucio Costa subindo as escadas do Capanema — Foto: Divulgação
Lucio Costa subindo as escadas do Capanema — Foto: Divulgação

Em uma carta de 1955 para Lucio Costa, ele relembrava com carinho e admiração do grupo brasileiro, mencionando com carinho Reidy, Moreira, Vasconcelos e Carlos Leão. Chega a descrever o Niemeyer da época como um “rapaz cheio de gentileza e talento”. “Todos eles — e alguns outros — colocaram o país no estrelato, espalhando uma arquitetura luminosa, talentosa, radiante de espírito: a arquitetura brasileira”.

Nem parecia o mesmo arquiteto que, apenas seis anos antes, havia publicado em suas obras completas o croquis do Capanema como se fosse o risco original do edifício efetivamente executado. A atitude magoou Lucio Costa, que também estranhara os comentários “insólitos” sobre a arquitetura que o mestre havia feito à imprensa de seu país (Le Corbusier jura que foi mal interpretado). Seguiu-se então uma tensa troca de cartas, com os dois polemizando sobre a autoria do Capanema.

O assunto foi resolvido um ano depois, quando Le Corbusier enviou a Costa um exemplar do seu livro “Modulor”, com uma calorosa dedicatória: “Para o amigo Lucio Costa, homem de coração e homem de espírito”. O brasileiro deu a polêmica como encerrada.

Le Corbusier em sua última passagem pelo Brasil, em 1962 — Foto: Divulgação
Le Corbusier em sua última passagem pelo Brasil, em 1962 — Foto: Divulgação

Em sua última vinda ao Brasil, em 1962, Le Corbusier aproveitou para conhecer Brasília (outro projeto do discípulo Costa) e o Capanema. O que se conta é que, ao ver os pilares do prédio no Rio, teria dado palmadas no granito e dito: “Lindo, lindo”.

'O Brasil é pobre mas eu o sou ainda mais'

De acordo com o texto de Lauro Cavalcanti publicado no livro, Le Corbusier insistia que a arquitetura brasileira não era nada além da aplicação dos “princípios” dele. Uma carta escrita por ele ao crítico de arte italiano Pietro Maria Bardi, em 1949, fortalece essa tese. “(...) parece até que essa arquitetura, que foi aplicada, depois de 1936, em várias construções no Rio e em outras cidades, é a manifestação da arquitetura brasileira!!!”.

O curioso é que, enquanto desqualificava os arquitetos brasileiros mundo afora, continuava se escalando para fazer mais projetos no país, como a Embaixada da França em Brasília (que ele acabará não concluindo). Em um troca de cartas de 1956, durante as preparações para a Maison du Brésil (Casa Brasil) em Paris (uma embaixada informal do país que serve de residência para estudantes), Lucio Costa lhe pede para que presenteie a construção com um mural pintado por ele.

O arquiteto elabora um mural em esmalte, mas não se mostra simpático à ideia de cedê-lo sem custo. “Pede-me para oferecê-lo ao Brasil como presente”, escreve Le Corbusier. “O Brasil é pobre mas eu o sou ainda mais. Não me comprometo por enquanto a fazê-lo gratuitamente”. Por fim, acaba lembrando que não recebeu “nenhum centavo pela construção do Capanema”.

Treta com Niemeyer

Em 1949, um amargo Le Corbusier afirmou em carta a Lucio Costa que seu projeto para a sede das Nações Unidas em Nova York havia sido “roubado”. O que o francês queria dizer é que o projeto final, baseado nas propostas de Oscar Niemeyer e Le Corbusier, teria sido só dele.

O texto de Lauro Cavalcanti rebate essa acusação com outros depoimentos. Um dos coordenadores do conselho à frente do prédio, Max Abramovitz, contou que três projetos apresentados haviam se destacado: o de Niemeyer, o de Le Corbusier e o do sueco Sven Markelius. A preferência era pelo brasileiro, cuja vitória já era dada como certa.

Aí entra outra história compartilhada por Niemeyer. O arquiteto contou que, na noite anterior ao anúncio, Le Corbusier o teria procurado em seu quarto de hotel com a proposta de fundir o melhor dos dois projetos, pois seria uma “humilhação” ser preterido. Ele ainda teria usado como argumento a “dívida” do brasileiro por conta de sua cooperação no Capanema (ainda ele!).

O caso da écharpe

A maior parte da correspondência é calorosa. Corbu, como era chamado pelos arquitetos brasileiros, fazia questão de mencionar suas boas memórias do Brasil e da convivência com Costa. O último encontro presencial dos dois, porém, foi um tanto melancólico. Costa visitou o mestre em seu apartamento parisiense e esqueceu sua écharpe ao sair. Ao perceber o esquecimento, voltou e interfonou a Le Corbusier. Este último se enfureceu com a ideia de descer até o térreo para devolver o item.

Carta de Lucio Costa a Le Corbusier enviada em 1965 — Foto: Divulgação
Carta de Lucio Costa a Le Corbusier enviada em 1965 — Foto: Divulgação

“Caro Le Corbusier”, escreveu Costa no 27 de julho de 1965, “desculpe ter feito você descer. Que diferença faz na nossa idade, alguns minutos, ou alguns francos a mais ou a menos? Sua aspereza nos entristece. Nós gostamos muito de você”. Embaixo da carta, há um manuscrito adicionado pelo arquiteto francês: “Telefonei a Costa. Ele tranquilizou-se”. Foi a última missiva.

— O Lucio sempre foi diplomático, enquanto o Le Corbusier vivia arranjando problemas — conta Pinheiro. — Depois se arrependia e escrevia bilhetinhos. Ao mesmo tempo, fez uma homenagem linda a Lucio Costa quando inaugurou a Casa do Brasil em Paris. Era uma relação de encontros e desencontros.

Machismo

Talvez o aspecto mais problemático de Le Corbusier para os valores de hoje seja a sua recusa em contratar Maria Elisa Costa. Por conta do golpe de 1964, a filha do seu discípulo carioca se mudara para Paris com o marido — consultor econômico da Petrobras, Eduardo Sobral havia perdido direitos políticos.

Em busca de trabalho, Maria Elisa foi ao endereço óbvio: o escritório parisiense do mentor de seu pai. De acordo com a arquiteta, Le Corbusier teria olhado para Fernand Gardien, seu assistente, e perguntado: “Queremos mulheres aqui? Não! Nada de mulheres!”.

Marie Elisa acabou trabalhando no escritório do arquiteto Bernard Zehrfuss, que, por ironia, ficou responsável pelo projeto da Cour Carrée do Louvre, a homenagem póstuma do governo francês ao recém-falecido Le Corbusier. “Seu pai era amigo dele, quero que você cuide disso”, disse Zehrfuss a Maria Elisa. O carma tem a dureza dos concretistas.

Mais recente Próxima Caçula de Bell Marques e irmão ‘gêmeo’: conheça Pipo, apontado como namorado de Mari Gonzalez
Mais do Globo

Zagueiro, de 27 anos, foi visto recentemente com influenciadora durante show em São Paulo

Além de Pabllo Vittar, veja outras famosas que já ficaram com jogador Polidoro Junior

Atacante convoca eleitores após vitória da extrema-direita nas eleições legislativas francesas

'É urgente votar após os resultados catastróficos', diz Mbappé sobre primeiro turno na França

Negócio clandestino funcionava no Bairro da Piedade, na Zona Norte. Uma pessoa foi presa

Polícia fecha fábrica clandestina de munição suspeita de produzir cartuchos para facção criminosa no Rio

Empresa deve prestar esclarecimentos sobre até 22 de julho, sob pena de multa diária de R$ 5 mil em caso de descumprimento do prazo

Cade abre procedimento preliminar contra Meta por uso de dados de brasileiros para treinamento de IA

Novo filme do Homem de Aço está sendo rodado sob direção de James Gunn

Filho de Christopher Reeve fará participação em novo 'Superman'

Templo foi invadido por bandido no último dia 1º poucos minutos antes do início de missa

Peças litúrgicas levadas da Igreja de Santa Edwiges, em São Cristóvão, podem ter ido parar em ferros-velhos

A ideia surgiu esta semana num fórum em Montevidéu, que contou com a presença de Aloizio Mercadante

Brigada conjunta deve ser criada para combater catástrofes climáticas na América do Sul

Amigos e familiares desconfiam que Andréa sofreu um ataque cardíaco

Morte da irmã gêmea de Adriana Bombom é confirmada por sobrinha da apresentadora: 'Muita dor'

Ferramenta do GLOBO com dados do IBPT mostra o tamanho da carga tributária de 600 produtos e serviços

Reforma Tributária: Você sabe o quanto paga de imposto na carne? Na cerveja? Na mensalidade escolar? Clique e descubra
  翻译: