Cultura
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Por — Rio de Janeiro

Silvero Pereira sabe bem o que quer falar — e ele vai logo avisando que as palavras podem incomodar. “Vocês vieram aqui entendendo o artista que está no palco, né, gente? Se não, é melhor saírem agora, porque vocês vão ouvir coisas que talvez não queiram”, diz o ator e cantor, ao iniciar o elogiado show em que interpreta músicas do conterrâneo Belchior e com o qual rodou o país no último ano. Um alerta parecido irrompe nos primeiros instantes de “Pequeno monstro”, monólogo que o cearense estreou, no último fim de semana, no Teatro Poeira, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde cumpre temporada, entre quinta-feira e domingo, até 28 de julho. “Isso aqui vai ser, no mínimo, esquisito. Mas vocês sabem a quem vieram assistir”, adverte o artista diante da plateia.

Há mais ou menos dez anos, este rapaz latino-americano sem parentes importantes e vindo do interior — como ele mesmo declama, reproduzindo a letra de Belchior, ao falar de si na terceira pessoa — se tornou um rosto conhecido no país. A fama conquistada em trabalhos marcantes na TV e no cinema, entre os quais o filme “Bacurau” (2019) e as novelas “A força do querer” (2017) e “Pantanal” (2022), não o deixam cheio de dedos, porém, para tocar em assuntos ainda tidos como tabus pelo grande público. Ao contrário.

— Sendo o artista que sou, me aproveito dessa situação. Entendo que hoje muitas pessoas vão me assistir porque querem ver o ator da televisão. O.k., mas aí elas também tomam na cara com coisas que quero falar — afirma.

Descascando feridas

O ator Silvero Pereira, em cartaz com a peça 'Pequeno monstro' — Foto: Tainá Cavalcante/Divulgação
O ator Silvero Pereira, em cartaz com a peça 'Pequeno monstro' — Foto: Tainá Cavalcante/Divulgação

Expoente do grupo As Travestidas — que, nos últimos 15 anos, se notabilizou na cena teatral com peças contundentes sobre gênero e sexualidade, entre elas “Uma flor de dama” e “BR-Trans” —, o ator retorna aos tablados, com uma criação inédita e autoral, após um hiato de mais de uma década.

Em “Pequeno monstro”, Silvero descasca uma ferida pessoal (“mas também coletiva e social”, como ele pondera) para descortinar uma realidade hostil enfrentada por crianças LGBTQIAP+. Em sua memória, a infância está longe de ser uma paisagem onírica. Na pequena Mombaça (CE), chamada de “Miami do Brasil”, onde nasceu e foi criado, o garoto tímido e fã de Xuxa, e que ganhou o apelido de “manteiga derretida” por chorar demais, era alvo constante de xingamentos que o tachavam como um menino afeminado.

Numa escalada para a brutalidade, foi estuprado por um homem num matagal. Tinha 7 anos. Por muito tempo, Silvero guardou o trauma em silêncio, com medo. Hoje, ele sublinha a “importância extrema” de escancarar esses fatos — e vai além ao ressignificar o que antes era apenas “experiência da vergonha”. Exemplo disso é que um termo muitas vezes usado em situações de homofobia (“veado”) ganhou uma representação orgulhosa numa tatuagem no braço do ator.

— Antes de me expor para o mundo, fui abrindo esse assunto, aos poucos, para mim mesmo. Foi quando me olhei no espelho e tive coragem de assumir quem eu era de verdade — ele repassa. — O teatro sempre foi minha grande terapia. É onde consigo expurgar essas coisas. Mas, ao levar isso para o palco, essas questões precisam estar resolvidas. Esta não é uma peça de militância ou manifesto. O que quero é fazer arte! Então, primeiro, resolvo meus traumas. Depois, penso em como construir tecnicamente uma dramaturgia para conduzir esse assunto. É um processo... Fui me preparando para ter coragem de falar. Se fosse abrir agora todos esses buracos com as minhas questões, talvez não tivesse condições de chegar até aqui.

O ator Silvero Pereira, em cena da peça 'Pequeno monstro', com a tatuagem no braço à mostra — Foto: Tainá Cavalcante/Divulgação
O ator Silvero Pereira, em cena da peça 'Pequeno monstro', com a tatuagem no braço à mostra — Foto: Tainá Cavalcante/Divulgação

O monólogo, vale frisar, não é apenas centrado na vida de Silvero. Longe disso. Ancorada em pesquisa desenvolvida ao longo dos últimos sete anos, a dramaturgia — que tem direção de Andreia Pires, com quem Silvero cursou a faculdade de Artes Cênicas no Instituto Federal do Ceará nos anos 2000 — embaralha histórias particulares a vivências de outras dezenas de figuras anônimas, por meio de uma linguagem estilhaçada que faz questão de não deixar claro o que é ou não é pessoal. Não está aí o que importa, ele salienta.

— Ninguém vai me ver abrindo um diário — reforça. — Meu grande objetivo é dizer: estamos todos envolvidos nessas violências. Temos que encarar esse problema. Quando falo abertamente sobre minha ferida (ele cita o abuso sexual que sofreu), quero que outras pessoas se sintam encorajadas para falar. Ou pelo menos que alguém que esteja passando por isso agora não precise enfrentar essa dor sozinho.

‘Quero ser pai’

Apesar dos pesares, Silvero olha o mundo — e o futuro — com otimismo. Criar um filho é um dos planos no horizonte do artista, de 41 anos.

— Quero ser pai, mas não sei se de um filho gerado por mim. Talvez adote. Penso muito nisso, e com uma expectativa superpositiva de que é possível construir uma vida para uma criança, embora eu saiba que a verdade do adulto será sempre a verdade da criança, e que, por isso, não há como uma criança fugir da realidade adulta— reflete.

Silvero Pereira em cena da peça 'Pequeno monstro' — Foto: Tainá Cavalcante/Divulgação
Silvero Pereira em cena da peça 'Pequeno monstro' — Foto: Tainá Cavalcante/Divulgação

Enquanto o desejo não é posto em prática, o ator mantém uma sorte de trabalhos à vista — e consolida, aos poucos, a carreira no universo da música. Vencedor da última edição do reality show “The masked singer Brasil”, da TV Globo, ele lançará, no dia 20 de junho, com Ivete Sangalo, uma nova versão para “Divina comédia humana”, canção de Belchior que integrará um EP inédito com releituras do cancioneiro do compositor e intérprete cearense. E mais. No segundo semestre, enquanto se dedica à filmagem de “Corrida dos bichos”, obra inédita do diretor Fernando Meirelles, e ao lançamento de longas como a comédia “Vudu delivery” e o drama “Maníaco do Parque”, em que interpreta o serial killer que dá nome ao título, o artista produzirá um novo show, baseado no repertório de Ney Matogrosso.

— Não basta cantar só porque acho as músicas maravilhosas. Meus shows são sobre identificação. Quando olho para o Ney, lembro a criança que fui assistindo àquela criatura na TV e pensando: “Caramba, talvez eu seja parecido com isso daí”. Esse menino monstrinho lá atrás pensava assim. E é nesse lugar aí que talvez eu me enxergue. São shows em que trago esses sentimentos — afirma.

Artista de múltiplos recursos, ele lamenta quando é visto sob um único viés pelo mercado audiovisual. Nos trabalhos que realizou na TV, Silvero encarnou personagens parecidos com ele mesmo (“homens gays ou nordestinos”, como lembra). O ator não acredita que esse cenário mudará tão cedo. Mas dá de ombros.

— O streaming e o cinema já conseguem enxergar o Silvero de um jeito completamente diferente — diz ele. — Se tiver uma novela ambientada no Nordeste, talvez me chamem para o elenco. Entendi que é assim que funciona, então danço conforme a música. Se é isso o que mercado tem para me oferecer, e se o personagem é interessante, vou lá fazer. Minha única questão é não ser antiético com os meus princípios.

Silvero volta às questões do início deste texto. Mesmo quando fala de si (no palco ou nas telas), ele tem total noção de que “arte não deve ser algo sobre o artista”, como destaca.

— Arte é sobre artista e espectador. Não dá para pensar de outro jeito. Por isso, gosto de projetos que ecoem, que não sejam autorresolutivos — discursa. — E, sim, uso desse meu lugar para reverberar questões. Na TV, também dou meu jeito. Quando sou convidado para programas de entretenimento ou auditório, já falo: “Vocês sabem quem estão levando para aí, né?”. E, se achar que devo falar sobre determinada coisa, falo mesmo.

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