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Por que continuamos assistindo a 'Friends' e outras séries antigas?

Companhia para o almoço, sitcom chega aos 25 anos sendo disputada por cifras milionárias por serviços de streaming
'Friends': após completar 25 anos, série continua sendo disputada por cifras astronômicas por plataformas de streaming Foto: Divulgação
'Friends': após completar 25 anos, série continua sendo disputada por cifras astronômicas por plataformas de streaming Foto: Divulgação

RIO - Na segunda temporada da série distópica “The handmaid’s tale”, que imagina os Estados Unidos transformados numa ditadura religiosa, a heroína June (Elisabeth Moss) se esconde no prédio abandonado que antes fora a redação do “The Boston Globe”. Em meio ao terror em ser descoberta por seus algozes, ela encontra algo precioso: um DVD com episódios de “Friends” . Ao ver Monica (Courteney Cox) e Rachel (Jennifer Aniston) explicarem a Chandler (Matthew Perry) quais eram as zonas erógenas do corpo feminino, a protagonista consegue esquecer por alguns minutos dos seus problemas.

June não está sozinha — neste domingo, 22, “Friends” completou 25 anos, com celebrações em todo o mundo. Num cenário em que sobram séries de todos os tipos e orçamentos, com narrativas intrigantes (como a própria “The handmaid’s tale”), por que produções muito anteriores ao streaming fazem tanto sucesso? O que explica o buzz em torno de “Friends”? E de “Seinfeld”, que acaba de ter seus direitos comprados pela Netflix, “The Big Bang theory” (negociada para a HBO Max), “The office” e “Todo mundo odeia o Chris” (exibidas no Globoplay)?

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Com o avanço das plataformas de streaming, gigantes do setor estão correndo para garantir em seus catálogos séries que nunca deixaram de ser amadas pelo público e se encaixam na categoria do “comfort content” (conteúdo confortável). No Brasil, a série estrelada pelos seis amigos nova-iorquinos pode ser vista no canal a cabo Warner Channel e na Netflix.

Base de assinantes

Embora não revele dados de audiência, a plataforma de streaming mostrou o quanto “Friends” era importante para seu modelo de negócios ao pagar, segundo o “New York Times”, US$ 100 milhões por seus direitos de exibição em 2019. Agora, acaba de perder a produção para a WarnerMedia. Para contar com os frequentadores do bar Central Perk por cinco anos, a partir de 2020, em seu novo serviço de streaming, o HBO Max (ainda sem previsão de chegar ao Brasil), a gigante desembolsou US$ 425 milhões, diz o “Hollywood Reporter”.

A série de TV 'Friends' completa 25 anos Foto: Divulgação
A série de TV 'Friends' completa 25 anos Foto: Divulgação

— Não se pagam esses valores apenas pelo conteúdo em si. Com as séries antigas dá para construir uma boa base de assinantes, gerar receita recorrente e a partir disso criar novos conteúdos por meio da análise do comportamento do usuário — explica André Miceli, coordenador do MBA de Marketing e Negócios Digitais da FGV.

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Já Pedro Curi, coordenador da pós-graduação em Produção Audiovisual da ESPM, dá a explicação para o mesmo fenômeno pelo ponto de vista do usuário.

— Estamos vivendo um momento de enorme produção de conteúdo. E é justamente esse excesso de opção que faz com que a gente recorra a séries antigas que sempre estiveram na TV a cabo. Com tanta informação, a gente acaba recorrendo a algo que sabe que vai gostar.

Repetição

Autor de “Generation Friends: An inside look at the show that defined a television era” (“Geração Friends: um olhar nos bastidores do show que definiu uma era da televisão”, em tradução livre), Saul Austerlitz credita o sucesso da série a vários fatores. O primeiro é que o programa continua a servir como “modelo” do começo da vida adulta. O segundo, o fato de que o mundo atual, para muitos, aproxima-se mais da Gilead de June do que da Nova York de Rachel — a moça vivia num bom apartamento em Manhattan com salário de garçonete.

— Nos EUA, vemos a ascensão do nacionalismo branco e da intolerância desavergonhada. A ideia de gastar tempo em um mundo onde o exterior não interfere, onde amigos podem passear e papear, pode ser sedutora — diz Austerlitz, que é professor na New York University.

Professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Maria Cristina Palma Mungioli acredita que “Friends” continuaria popular mesmo se não vivêssemos uma era tão conturbada na política. Ela pontua que pesquisas com telespectadores mostram que eles retornam a séries antigas por fatores afetivos.

(O escritor e acadêmico) Umberto Eco explica que o ser humano gosta da repetição. Ela começou a ser mal vista a partir do romantismo. Só depois passou a se associar a inovação com o valor de uma obra de arte — lembra Maria Cristina.

A estudante de Biologia Tainara Carlos, de 23 anos, é um exemplo de uma nova geração que não consegue largar “Friends”.

— Conheci a série sete anos atrás, e até hoje acho que vi inteira umas três vezes — conta a carioca, durante a visita a uma réplica do café Central Perk na Casa Warner, em São Paulo, em exposição sobre a sitcom.

Companhia no almoço

O Warner Channel jamais deixou de exibir “Friends”. Agora, promove uma maratona. O programa vai ao ar na madrugada, de manhã e ao meio-dia. Segundo Silvia Fu, diretora de conteúdo da Turner Brasil (conglomerado de mídia do qual o canal faz parte), o público gosta de ver a série durante as refeições.

— É um momento em que você não está prestando atenção total, mas quer companhia para comer — diz a executiva, ao lembrar que, quando tentou trocar “Friends” por séries de super-heróis na faixa do almoço, em 2017, a empresa teve que voltar atrás diante do número de reclamações.

(Colaborou Alessandro Giannini)

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