Cultura

Roteirista de ‘Taxi driver’ analisa crise criativa audiovisual nos EUA

Paul Schrader celebra os 35 anos do filme de Martin Scorsese
Roteirista Paul Schrader nos bastidores de 'Taxi driver'/Arquivo
Roteirista Paul Schrader nos bastidores de 'Taxi driver'/Arquivo

RIO - Desde janeiro, quando começaram as comemorações dos 35 anos de "Taxi driver" (1976), marcadas por ciclos de debates, publicações e reedições de luxo em DVD, seu roteirista, o cineasta americano Paul Schrader, teve pouco tempo para celebrar o filme que estabeleceu o diretor Martin Scorsese como uma das cabeças mais criativas da indústria audiovisual. Realizador do sucesso de bilheteria "Gigolô americano" (1980), que celebrizou Richard Gere como símbolo sexual, Schrader ficou ocupado demais garimpando meios para viabilizar projetos que, por sua natureza autoral, despertam cada vez menos a atenção dos estúdios. Parceiro criativo de Scorsese também nos roteiros de "Touro indomável" (1980) e "A última tentação de Cristo" (1988), ele viu o último filme que dirigiu, "Adam — Memórias de uma guerra" ("Adam ressurrected"), amargar a indiferença dos exibidores. No Brasil, a produção, estrelada por Jeff Goldblum ("A mosca"), acaba de ser lançada, mas apenas nas locadoras.

— O cinema passa por uma fase de transição. A palavra "filme" usada em referência a uma colagem de imagens projetadas numa sala escura é um fenômeno do século XX. Daqui para a frente, virá alguma coisa que ainda não sabemos classificar, mas que é diferente do que fazíamos — diz Schrader em entrevista por e-mail ao GLOBO.

Jeff Bridges seria o taxista

Hoje com 65 anos, Schrader vê o caso de "Adam — Memórias de uma guerra" como mais um exemplo dos efeitos de uma crise criativa que ronda a produção de filmes independentes em seu país (e fora dele).

— Existem muitos jovens diretores, roteiristas e atores talentosos na ativa hoje. Renovação de talentos não é o problema. O problema está no modelo econômico falido com o qual o cinema lida — explica o cineasta, que escreveu "Taxi driver" para o casal de produtores Julia e Michael Phillips, cuja ideia inicial era confiar a direção a Robert Mulligan (1925-2008).

Realizador de "O sol é para todos" (1962), Mulligan foi a primeira opção para narrar as neuroses do motorista Travis Bickle, que volta do Vietnã e inicia um conflito contra os marginais de Nova York. Mas, nas primeiras reuniões, os Phillips perceberam a necessidade de um cineasta mais jovem, antenado às inquietações da geração que começava a revolucionar o cinema nos EUA. Cogitou-se então Brian De Palma para a direção e Jeff Bridges para assumir o papel de Bickle. Mas o êxito da dupla Scorsese e Robert De Niro na radiografia urbana chamada "Caminhos perigosos", lançada em 1973, sobre os rumos do filme.

— Quando eu entrei para o mundo do cinema, no fim dos anos 1960, a indústria também enfrentava uma crise. Mas era uma crise de conteúdo. Os filmes careciam de novos temas, novos heróis, novas atitudes. Mas, ao fim daquela crise, no início dos anos 1970, embarcamos num período de cerca de 15 anos de produções muito interessantes — lembra Schrader, $acabou trabalhando em dobradinha com Scorsese, adaptando os diálogos para De Niro.

Juntos, os três fizeram de "Taxi driver" um marco da chamada Nova Hollywood, projetando ainda os jovens Harvey Keitel e Cybill Shepherd, além de uma Jodie Foster cheirando a leite, com 13 anos. Orçado em US$ 1,3 milhão, o filme foi laureado com a Palma de Ouro no Festival de $de 1976, indicado a quatro Oscars (sem ganhar nenhum) e coroado com uma bilheteria de US$ 28 milhões.

— Agora, estamos de novo diante de uma crise, só que, agora, trata-se de uma crise de processo. Interessa mais saber: o que exatamente são os filmes hoje? Qual deve ser o formato deles? Qual deve ser a sua duração? Que tamanho de tela é ideal? Onde eles serão exibidos? $remuneração vem da exibição? — observa Schrader, que em 1982 dirigiu Nastassja Kinski em "A marca da pantera", refilmagem de um clássico de Jacques Tourneur (1904-1977).

Como artista, Schrader considera que crises de conteúdo são mais interessantes do que crises na engenharia dos produtos cinematográficos.

— Resultados positivos e negativos dessa nova crise pipocam ao nosso redor. A criação de câmeras de baixo custo abriu espaço para uma geração de jovens cineastas. Mas, ao mesmo tempo, um modelo econômico capitalista se tornou um paradigma para o cinema. "Se você tiver dinheiro, seu filme sai" virou o novo controle de qualidade para o cinema. Deixaram de fazer filmes pensando no interesse do público — diz o cineasta que rodou "Adam — Memórias de uma guerra" com base em romance do israelense Yoram Kaniuk.

No filme, Goldblum faz um sobrevivente do Holocausto que altera o cotidiano de uma clínica psiquiátrica.

— Comecei a fazer roteiros como terapia — diz. — O método de escrever roteiros que eu ensino de tempos em tempos começa com um processo de autoconhecimento. Reconheça um problema pessoal, crie uma metáfora para ele e construa uma trama em torno dela.

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