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Cultura

Silvia Buarque: 'O salário e a visibilidade da TV me fazem falta. Ser famosa, não'

No elenco de dois filmes e prestes a rodar outro, atriz diz que carreira alternativa foi misto de escolha pelo teatro com falta de convites para TV, revela que superou câncer e depressão e conta como é ser filha de Chico e Marieta
Silvia Buarque sobre separação: 'Fui casada dos 19 aos 52 anos, estou me reinventando' Foto: Leo Aversa / Agência O Globo
Silvia Buarque sobre separação: 'Fui casada dos 19 aos 52 anos, estou me reinventando' Foto: Leo Aversa / Agência O Globo

Quem vê os olhos tristes de Silvia Buarque em “Homem onça” pode achar que aquela melancolia toda diz respeito apenas às agonias de um Brasil retratado no filme, protagonizado pelo ex-marido da atriz, Chico Diaz. Mas havia bem mais por trás da desolação estampada em seu rosto. Uma dor real que a fez imprimir em sua personagem uma angústia quase palpável. Silvia e Chico estavam se separando em 2018, enquanto rodavam o filme de Vinicius Reis, que estreia no Canal Brasil no dia 7 de outubro.

Não que o sofrimento de um rompimento fosse novidade na vida da atriz, que emendou três casamentos dos 19 aos atuais 52 anos. Mas, desta vez, incluía uma filha, Irene (hoje, com 15 anos), e a mudança de Chico para Portugal. Ele partiu (mas, atualmente, está morando novamente no Brasil). Ela, ficou. Agora, Silvia trabalha na “reinvenção” de si mesma. Em meio à reconstrução, experimenta papéis incomuns em sua trajetória. Vai encarnar uma periguete cambalacheira no road movie “Mais pesado é o céu”, de Petrus Cariry, que roda em novembro. Também está no elenco do inédito “Escravos de Jó”, de Rosemberg Cariry, com quem trabalhou no longa "Os pobres diabos" (2013), ao lado de Chico Diaz.

Marieta Severo: 'Nunca senti uma angústia cívica tão profunda'

Nesta segunda-feira (27), atriz faz, com a atriz Guida Vianna, uma leitura de “A menina escorrendo dos olhos da mãe”, no Teatro Prudential. A peça, sobre um acerto de contas entre mãe e filha e que deve ser montada em 2022 (“não podemos contar com o governo, porque tem lesbianismo”, ironiza), foi escrita para Silvia pela dramaturga Daniela Pereira de Carvalho. Nessa entrevista, a primogênita de Chico Buarque e Marieta Severo fala sobre a dor e a delícia de ser filha deles, conta que é "sobrevivente de um parto barra pesada" e revela que superou um câncer e a depressão.

Qual a importância de “Homem onça”, que aborda a venda de estatais brasileiras, chegar ao público nesse momento?

A gente filmou em 2018 e aconteceu toda essa tragédia no país. Coincidiu de agora também ser uma época de privatizações. Fala-se em privatizar até a água... A gente está na contramão do mundo, vários países da Europa estão estatizando. Acho que é uma hora oportuna para lançar. Mas não adianta vender como um filme para a família, ele é para os 70% que são contra "isso tudo que está aí".

Sua interpretação no filme foi elogiada pela crítica. O que está por trás dos olhos tristes da Sônia, sua personagem?

Minha aproximação com a Sonia foi afetiva. O Vinicius ( Reis, diretor ) me contou que escreveu ela pensando em mim. Numa leveza e doçura que tenho. Ela está desempregada, é a mais velha nas entrevistas de emprego, não fala inglês... Tudo isso é forte. E tem uma coisa minha com o Chico ( Diaz )... Estávamos no início de uma crise no casamento, já morando em casas separadas. Acessei muito a nossa relação dentro de mim, há ali uma dor de um casal real.

Você construiu sua carreira por um caminho alternativo, fora do mainstream. Foi uma escolha sua?

Comecei na televisão muito cedo. Fiz duas peças infantis e logo fui para a Manchete fazer "Corpo santo" e, depois, para a Globo, em "Bebê a bordo". Os maiores sucessos da minha carreira foram essas novelas. Aí fiz "Sexo dos anjos", "Perigosas peruas" e "Sorriso do lagarto". Dos 18 aos 23 anos só fiz TV. Nos anos 1990, me apaixonei pelo teatro de encenador, trabalhei com Moacyr Goes, Gabriel Vilela, Bia Lessa...

A princípio, foi uma escolha minha pelo teatro. Depois, a falta de convites para a TV mesmo. Quando tinha convites, estava comprometida com peças. O cinema chegou pouco depois. As coisas foram chegando com mais quantidade e qualidade pelo teatro e pelo cinema do que na TV.

Voltei a fazer novela com 35 anos. Foi em "América", quando engravidei no início da novela e morri de vergonha. Mas a Glória Perez me deu a alegria de também engravidar a personagem, e acabou que ela ficou mais interessante. Depois fiz "Caminho das Índias"... Já se vão 12 anos...

Consegue se sustentar como atriz?

Não. Só com a ajuda de pai e mãe. Quando pinta um filme ou participação em série, guardo uma grana para os próximos meses. De teatro, não dá para viver. Fiz uma peça "Casa de bonecas", com Ana Paula Arósio, que deu uma grana boa. Fiz muito GNT, "As canalhas", "Copa hotel"... Tenho a vantagem de ter pais que entendem essa situação. Sabem que não vim ao mundo a passeio, que ralo. Então, eles me ajudam mesmo.

Você analisa a sua trajetória? Acha que deu certo? Se sente satisfeita com os lugares que se dispôs a conquistar? Porque muita gente pensa que sucesso de ator é só quando ele está na novela das 9...

Totalmente. Tem isso, sim. Olha, o salário e a visibilidade da TV me fazem falta. Às vezes, tenho um hiato grande, momentos em que não escolho nada, só aceito os convites que chegam. Não me faz falta nenhuma ser famosa, reconhecida na rua, pedirem foto. Pelo contrário, odeio isso. Sou até meio antipática. Até porque, muita coisa é por causa dos meus pais...

Desde criança aprendi a dividir o que é meu de verdade e o que me chega através deles. Trabalho nunca me chegou por eles. Jamais vão dizer: "Marieta pediu para ela fazer". Quem falar isso está mentindo. Tenho muito orgulho da minha trajetória, principalmente, das minhas escolhas teatrais.

No teatro, sou pobre orgulhosa ( risos ). Já estive desempregada e recusei porque não me apaixonei pelo texto. Acho que peça a gente tem que ter febre para aceitar. Até porque, teatro ruim é constrangedor, e já não dá dinheiro...

Quando diz sentir falta da visibilidade da TV é porque estar no ar faz com que apareçam mais convites de trabalho?

Isso. Muita gente escolhe ator porque está na TV. O que eu acho preguiçoso... Há dezenas de exemplos de atores consagrados que fizeram peças que foram um fiasco. Bom, tem gente escolhendo ator pela quantidade de seguidor... Uma loucura isso!

Já aconteceu com você?

Nunca. Quer dizer, pode ter acontecido sem eu saber...

Foi complicado crescer sendo filha de Chico e Marieta? Que tipo de pais eles eram?

Minha mãe me teve aos 22 anos, estava fora da TV há anos. Então, lembro de andar na rua com ela e dizerem: "Olha lá, a mulher do Chico Buarque". Isso está na minha vida desde que me entendo por gente. As meninas mais velhas da escola apontavam para mim rindo. Isso já aconteceu também com a Irene, minha filha.

Uma vez, eu ainda mal falava, e me recusei a fazer uma foto da turma na escola. Minha mãe me perguntou o motivo, e eu disse: "Essa coisa de filha do Chico Buarque...". Na casa das minhas amigas, eu sacava quando uma mãe cochichava com uma tia, o jeito que olhavam para mim.

Quem mandava em casa era a minha mãe, mais durona. Saí de casa aos 20 anos e me aproximei mais do meu pai a partir daí. Ele era solícito, buscava a gente nas noitadas, procurava coisas na enciclopédia. Mas quem organizava nossas vidas era ela.

'Sou uma sobrevivente de um parto barra pesada'

Hoje, você consegue conviver melhor com essa, digamos, herança por ser filha deles?

Depois de muita psicanálise, tempo e compreensão. Há uma coisa que ainda me incomoda, essa predisposição das pessoas a gostarem ou não de mim por gostarem ou não do meu pai.  Por causa da figura política que ele é. Tem muita gente que já chega com um carinho ou uma intimidade comigo...

E tem o contrário. Uma amiga do Ceará ralou para convencer uma pessoa de que eu não era arrogante, metida, difícil para trabalhar. Porque tem quem ache que eu tenho motorista, carro blindado, segurança... Não tenho nada disso, evidentemente. Adoraria ter motorista ( risos ).

Você nasceu durante o exílio dos seus pais, em Roma. Como essa experiência te atravessou? Por mais que tenha saído de lá com um ano e pouco de idade, de que maneira esse fato conversa com a sua existência?

Em primeiro lugar, sou uma sobrevivente de um parto barra pesada. Nasci antes do previsto, porque pintaram que era um menino muito grande e induziram. Foi uma cagada. A Itália era atrasada em obstetrícia em 1969. Nasci com um tipo de fórceps que já não se usava aqui. Onze dias depois, ainda estávamos no hospital. Não deixaram minha mãe me amamentar assim que nasci.

Tenho um relatório do meu nascimento em que está escrito: "Altamente asfitica" ( altamente asfixiada ) e "reanimata dopo qualque minuti" ( reanimada depois de alguns minutos ). Quando eu tinha uns 20 anos, minha mãe me deu esse  documento, dizendo que poderia ser importante para uma possível terapia que eu viesse a fazer. Chorei muito quando li. Acho que quem nasce assim vem com uma gana, sabe? Uma vontade de viver muito grande para compensar.

A gente voltou com a minha mãe grávida de 8 meses da minha irmã ( Helena ) porque ela se recusava a ter outro filho na Itália. Sempre que meus pais me contavam do meu nascimento, tinha o contexto do exílio no meio. E foi muita dureza de grana para eles lá.

Você é muito politizada. Essa consciência política nasceu dentro da sua casa? Você sabia que seu pai estava sendo censurado, o via sendo detido?

Começou em casa, sim. Meu pai viajava muito para Cuba, Nicarágua... Ele falava que os "mandalhões" da censura não deixavam ele cantar as músicas. Também teve a escola que escolheram para mim, o CEAT. Eu tinha 10 anos em 1979, na ( Lei da) Anistia. Os professores estavam entalados, falava-se muito do golpe de 1964, do AI-5, de tortura. Tinhas umas fofocas, tipo: "Esse professor foi torturado". Meu professor de OSPB era o Chico Alencar.

Vocês, os Buarque, foram os primeiros artistas a serem atacados nessa onda persecutória com a classe. Em 2015, escreveram “família de canalhas, orgulho de ser ladrão” numa foto que você postou no Instagram, na qual aparece pequena ao lado do seu pai e da sua irmã Helena. Como ficou isso?

A gente processou e ganhou, mas ainda não vi a cor do dinheiro... Foi na mesma época em que meu pai foi xingado no Leblon. Ali ele resolveu processar. Antes, tinha preguiça. Hoje, processa mesmo. Aquilo traumatizou um pouco. Deixei meu Instagram fechado por anos. Voltei a abri-lo na pandemia. Está sendo bom. Consegui chegar numa bolha simpática.

Mas você se posiciona bastante politicamente. Qual é o seu limite para aguentar os ataques?

Meu limite é "acabou a mamata", "Lei Rouanet". Devolvo perguntando: "O que você sabe de Lei Rouanet?". Ninguém nunca respondeu. Fico engasgada porque isso atingiu o Aderbal (Freire-Filho, diretor de teatro e padrasto de Silvia ), meu pai, minha mãe, minha prima Bebel ( Gilberto ), Carlinhos Brown, meu ex-cunhado, o Chico, meu ex-marido, minhas tias, todo mundo de cultura. Quando é muito ofensivo, bloqueio.

Acha que todo artista deve se posicionar politicamente?

Acho uma loucura um cidadão não se posicionar em momentos extremos como os que estamos vivendo. Mas não acho que os artistas são obrigados. Não tem nenhum momento histórico mundial em que todos os artistas se juntaram.

Confesso que quando saem perfis de atores e atrizes, diretores, eu vou lá ver se essa pessoa se posiciona. Quando ela se posiciona contra esse governo, eu fico feliz, me sinto acompanhada, me dá um "yes", sabe?

Mudando de assunto... O seu pai se casou! O que achou disso?

Achei engraçado. Levei um certo susto porque, na minha família, ninguém casou no papel. Nem ele com minha mãe, nem ela com o Aderbal. Nem eu... Morei junto três vezes. Dos 19 aos 52 fui casada. Agora estou me reinventando, essa é a minha reinvenção atual. Gosto muito da Carol ( Proner, advogada que se casou com Chico Buarque ), mas, para mim, eles já estavam casados. Eu já falava "a mulher do meu pai". Se quiseram fazer essa gracinha... Estou feliz por eles.

O que pensa sobre o fato de Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, ter usado a imagem do seu pai sem autorização em um vídeo em que defende o fim da polarização?

Colocaram meu pai como radical de esquerda e Sérgio Reis, como radical de direita. Tipo, não somos nem Chico nem Sérgio. Essa lógica repercute a polarização e é errada. O Brasil só tem um radical, e de extremíssima direita, que até flerta com o fascismo. Acho que meu pai vai ganhar fácil esse processo, porque é uso de imagem, não pode e pronto.

Em 2017, você desmentiu um câncer após uma nota que saiu na imprensa. Você teve problemas de saúde? O que aconteceu realmente?

Grande parte do que saiu na imprensa era mentira. Por isso, neguei. Disseram que eu tinha entrado no hospital altamente deprimida, com cortes pelo corpo. Havia uma insinuação de tentativa de suicídio. Ou que o Chico ( Diaz ) tinha me dado porrada, sei lá... Não foi nada disso.

Tive um câncer de mama leve em 2014. Perguntei para a médica: "Vou morrer?". Ela disse: "Disso, não vai morrer de jeito nenhum". Deu para fazer uma incisão e tirar só no local. Uso biquíni e ninguém repara. E o medo de ir parar no oncologista aos 45 anos, com uma filha de 9?

Como não sou famosa, não tenho assessor de imprensa e não costumo dar notas sobre a minha vida, fiquei quieta. Fiz radioterapia e, quando terminou, veio a depressão. De 2014 a 2017, oscilei. Eu, que sempre tive muita insônia, passei a tomar remédio para dormir. Na verdade, tinha começado ainda quando estava esperando o resultado da biópsia, que levou um mês. Aquela expectativa acabou comigo...

Mas voltando... Quando fiquei boa do câncer, veio a depressão e fiquei tomando remédio para dormir. Minha filha estudava à tarde. Eu acordava, fazia ginástica, ficava com ela até a hora do almoço e, quando ela ia para a escola, eu tomava o remédio e capotava até ela voltar. Aí, eu me ajeitava, disfarçava, achava que ela não estava reparando. Foi muito difícil para Irene também. Foi período muito ruim da minha vida. Ainda estava casada, o Chico ( Diaz ) segurou uma onda...

Foram três anos nessa...

Sim. Viajei, fui feliz, dei gargalhada, saí para dançar, estreei peça, mas, aí, caía... Não tinha ânimo para vencer um dia inteiro. E comecei a brincar com remédio, a gostar do gosto, da onda. Levei um tombo no banheiro por causa de remédio. Me machuquei... Não foi que cheguei toda cortada na clínica, entende? Fui para a clínica para desmamar de um remédio muito forte. Fui a cinco psiquiatras até me acertar no antidepressivo. Não tive forças para assumir e explicar tudo isso na época.

E como está agora?

Enganando o meu psiquiatra ( risos ). Não tomo antidepressivo há dois meses. Esse psiquiatra e o analista me salvaram. Agora estou bem.

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