O Banco Central (BC) reforçou na Ata do Comitê de Política Monetária (Copom), publicada nesta terça-feira, que a taxa básica de juros não deve cair tão cedo diante da deterioração do cenário observado pelo comitê para a inflação, como o cenário externo "adverso" e a atividade econômica mais forte. Além disso, reafirmou a necessidade de se manter uma "política fiscal crível".
No documento, o BC diz que "a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas".
"O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta", continua a ata, como no comunicado.
A meta de inflação para este ano é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, o limite inferior é 1,5% e o superior 4,5%. Já as projeções oficiais do BC estão em 4,0% para 2024 e 3,4% para 2025. Atualmente, o foco do BC é no ano que vem no trabalho de colocar a inflação na meta.
Diante de um cenário mais desafiador, o colegiado introduziu um cenário alternativo para a inflação que considera que a Selic fique estável até o fim de 2025. Nesse caso, a projeção de inflação do BC para o ano que vem fica em 3,1%, próximo do centro da meta de 3,0%.
“Em sua conclusão, o Comitê avalia que o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma taxa de juros mais elevada. Observou surpresas benignas no período recente, mas também elevação das projeções de prazos mais curtos, envolvendo preços livres. Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária."
Decisão unânime
Na semana passada, o Copom manteve a Taxa Selic em 10,5% ao ano, interrompendo o ciclo de corte dos juros, após sete quedas consecutivas. A decisão foi unânime, colocando lado a lado o presidente do BC, Roberto Campos Neto, considerado um “adversário” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e Gabriel Galípolo, visto como favorito do petista para o cargo em 2025.
Na reunião anterior, em maio, o racha entre os quatro diretores indicados por Lula e os cinco que já estavam no comitê na gestão Jair Bolsonaro teve impacto negativo nos ativos brasileiros, como o dólar.
A decisão de interromper o ciclo foi justificada pelo Copom pela incerteza em relação ao cenário global, principalmente sobre os juros dos Estados Unidos, e doméstico, em que a atividade econômica se mostra mais forte do que o esperado e as expectativas de inflação estão acima da meta de 3%, centro da meta do indicador.
O cenário internacional e a surpresa com o aquecimento da economia brasileira voltaram a ser citados na ata divulgada hoje.
"O ambiente externo mostra-se mais adverso, em função da incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países", diz o comunicado. Por isso, diz o BC, "a incerteza global sugere maior cautela na condução da política monetária doméstica."
Sustentabilidade da dívida
A autoridade monetária diz ainda que "os dados de atividade econômica surpreenderam" e chama a atenção para a alta do consumo das famílias, "sustentado primordialmente pelo mercado de trabalho, benefícios sociais e pagamentos de precatórios", e dos investimentos. Isso contrasta com o cenário de desaceleração da demanda que havia sido previsto pelo Comitê.
Por outro lado, o Copom cita ainda a incerteza sobre os efeitos econômicos da tragédia no Rio Grande do Sul sobre a economia, mas conclui que "as projeções atualizadas da atividade revelam-se de fato mais fortes para o ano". Uma atividade mais forte tende a pressionar mais a inflação. Nesse contexto, o BC passou a avaliar que a economia está operando sem ociosidade, versus visão anterior de que a atividade estava funcionando abaixo do potencial.
Além disso, o colegiado enfatiza a necessidade de se ter uma política fiscal "crível" para manter a inflação sob controle. Na ata, o BC acrescenta a importância que a sincronia entre a política fiscal e a monetária contribui para “assegurar a estabilidade de preços”.
"O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros" e "reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária", disse na ata.
"Políticas monetária e fiscal síncronas e contracíclicas contribuem para assegurar a estabilidade de preços e, sem prejuízo de seu objetivo fundamental, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, completou.
Após a divulgação da ata do Copom, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que “não faz sentido” que o BC leve em conta os efeitos econômicos da tragédia no Rio Grande do Sul para formular política monetária.
Segundo o ministro, os impactos gerados pela tragédia no estado geram uma “pequena pressão” na inflação, e que é de curto prazo.
Taxa restritiva
Atualmente, o Boletim Focus projeta que o IPCA - índice oficial de inflação - deve terminar este ano em 3,98%, 2025 em 3,85% e 2026 em 3.60%, contra a meta de 3,0%. Essas expectativas aumentaram desde o Copom de maio, quando houve o racha na diretoria.
“O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”, reforçou o BC na ata.
Segundo o Copom, sejam quais forem os motivos do distanciamento das expectativas de inflação, é necessário perseguir a reancoragem, considerada elemento essencial para alcançar a meta, compromisso do qual o colegiado “não se furtará”.
“O Comitê avalia que a redução das expectativas requer uma atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira. O Comitê não se furtará de seu compromisso com o atingimento da meta de inflação e entende o papel fundamental das expectativas na dinâmica da inflação.”
O BC também sinalizou que a taxa de juros considerada contracionista passou a ser mais elevada. A taxa de juros real neutra, que não acelera nem contém a inflação, passou de 4,5% para 4,75%. O aumento indica que é necessário uma Selic mais alta do que era esperado antes para conseguir colocar a inflação na meta.
Ao ler a ata, os analistas econômicos destacaram a deterioração do cenário observado pelo Copom para a inflação e a indicação de que a Selic deve ficar estável por um tempo.
Na avaliação da economista-chefe da GAP Asset, Anna Reis, a ata mostrou clara piora no cenário que justificou a interrupção da queda de juros, como o aumento da taxa neutra, a atividade mais forte e as dúvidas sobre a desaceleração futura para a inflação. Em relação à inclusão do cenário com a Selic estável, a economista acredita que a intenção foi evitar que o mercado espere altas da Selic. Na curva de juros futura, está embutida aumentos à frente.
Anna Reis, contudo, acredita que os cortes devem ser retomados em novembro, com a redução das dúvidas sobre a queda de juros nos Estados Unidos e com uma moderação da atividade econômica no Brasil no segundo semestre. Ela espera que a Selic termine este ano em 10% e 2025 em 9,50%.
--- É bastante notável a piora do cenário base. Mas esperamos a retomada dos cortes em novembro, porque temos uma visão mais benigna do cenário externo que deve trazer alívio para os ativos de risco, como o câmbio. Além disso, as taxas de crescimento da economia devem ser mais moderadas.
Já o economista-chefe da Terra Investimentos, João Mauricio Rosal, espera a manutenção da Selic em 10,50% até o fim do ano que vem, mas considera que o risco é de novas altas diante das dúvidas sobre a condução da política fiscal e sobre a atuação do BC a partir de 2025.
---- Entre os riscos de baixa, tem a questão dos juros americanos. Em algum momento, o mercado vai precificar o corte de juros nos Estados Unidos. Mas, entre os riscos de alta, estão a política fiscal no Brasil e os ruídos em relação ao BC, que acabam pesando mais --- disse.
Em relatório, o Itaú Unibanco afirma que nada na ata sugere que "o próximo movimento da Selic será de queda", citando que a discussão sobre o balanço de riscos abre alguma margem para o endurecimento do discurso do Copom no futuro.
"A ata do Copom trouxe, como esperado, o racional para o fim do ciclo de flexibilização e, acertadamente, reforçou a mensagem de unanimidade na decisão", acrescentou o Itaú.
Em relação à desconfiança sobre o compromisso do BC com o controle da inflação, Anna Reis avalia que a ata mostrou poucas divergências entre os membros do Copom, sinal importante para a credibilidade do colegiado junto com o 9x0 na decisão da semana passada pela manutenção da Selic.