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Por — São Paulo

O que acontece quando a empresa de redes sociais mais poderosa do mundo bloqueia a distribuição de links notícias em um país? O resultado é o aumento da polarização e a redução da qualidade geral da informação em circulação nas plataformas. A avaliação é de Taylor Owen, diretor-fundador do Centro de Mídia, Tecnologia e Democracia da Universidade McGill, do Canadá, um dos primeiros do mundo a aprovar uma lei que obriga as grandes empresas de tecnologia a pagarem pelo conteúdo de veículos de imprensa.

Em entrevista ao GLOBO, ele avalia como "irresponsável" a decisão da Meta de bloquear a circulação de links de notícias no Instagram e Facebook como reação à aprovação da Online News Act, em junho do ano passado. Já o Google, após a legislação, criou um fundo anual de US$ 100 milhões para ser distribuído para veículos de imprensa, em um acordo que ainda precisará passar pelo crivo de reguladores.

Para Taylor Owen, a lei poderia ser replicada mundo afora, mas com aperfeiçoamentos em relação à versão canadense, que pode trazer lições inclusive para o Brasil. O pesquisador, que veio ao Brasil nesta semana para participar do Festival 3i, no Rio de Janeiro, avalia também que o movimento das big techs de espalhar inteligência artificial em suas plataformas torna o debate sobre regulações ainda mais relevante. Para ele, um ponto de atenção é o risco de substituição das notícias pelas IAs nas redes - o que ele considera "ameaça existencial" ao jornalismo.

A remuneração da imprensa por big techs é um dos principais temas do Festival 3i, que acontece até o dia 15 de junho. Além de Taylor Owen, participam também da programação pesquisadores como Anya Schiffrin, da Universidade de Columbia, e o sul-africano Michael Markovitz, do GIBS Media Leadership Think Tank.

Todas as grandes empresas de tecnologia estão injetando a IA em todos seus serviços e ferramentas. Como isso vai afetar a forma como nos relacionamos com a internet e como você vê esse momento?

Quando você permite que quatro ou cinco negócios se tornem, de muitas maneiras, as maiores empresas da história humana, acumulando quantidades massivas de dados, é isso o que se obtém: empresas implantando novas tecnologias rapidamente e em escala, de forma que os governos não conseguem compreender e regular. As coisas ficam um pouco fora de controle. E acho que esse é o ponto em que estamos. A solução para isso, porém, não é tentar apenas regular ou restringir a última novidade, que agora é IA. O ponto é garantir que sigamos nossa rodada anterior de regulamentações digitais, garantir que tenhamos políticas de combate a danos on-line em todo o mundo e algum tipo de sistema de apoio ao jornalismo em vigor. Também melhores leis de privacidade de dados e de políticas de concorrência que não permitam que essas empresas cresçam tanto. Precisamos fazer essas coisas e não nos distrair com a última novidade mais chamativa.

Algumas dessas empresas têm mais de duas décadas. Por que levou tanto tempo para regular essa indústria?

O que elas estavam fazendo era muito novo, e demorou muito tempo para entendermos isso. Há também uma desconexão entre as formas como essas empresas foram construídas e operam, e a nossa capacidade de regulamentar localmente. Outro fator é o de benefícios (que elas trouxeram) para atividades sociais, políticas e econômicas, que acabavam se sobrepondo aos danos. Essas plataformas deram aos políticos novas maneiras de alcançar seus cidadãos e ao mesmo tempo capacitaram as pessoas de novas maneiras. Quando os danos começaram a surgir e se tornaram mais claros, simplesmente não parecia valer o risco (de regular). Outro elemento é o lobby muito poderoso e bem-sucedido dessas empresas para nos fazer acreditar que elas são 'irreguláveis', que estão além do alcance do estado ou da capacidade do estado de entender ou restringir suas atividades. Muitas pessoas compraram essa ideia, que é falsa na minha opinião.

O que mudou no Canadá desde a aprovação do Online News Act?

Os efeitos foram diferentes para o Google e a Meta. No caso da Meta, passamos a ter um bloqueio completo de links de notícias nas redes sociais, o que tem um efeito bastante substancial na circulação de notícias. Para jornais locais e independentes, houve uma queda de 85% na circulação na Meta, enquanto jornais nacionais viram uma queda de 65%. Uma coisa que aconteceu nas redes sociais também é que muitos desses links foram substituídos por capturas de tela de notícias, o que claramente é uma violação de direitos autorais do conteúdo.

Quais pontos da lei falharam, na sua avaliação?

Acho que a lei deveria levar em conta as consequências de grandes plataformas bloqueando o acesso ao jornalismo, e ela não faz isso completamente. Precisa haver algum tipo de reconhecimento de que o impacto da lei será sentido de forma desproporcional entre diferentes tipos de veículos.

Que tipo de veículo tem sido mais impactado pela decisão da Meta?

Todos. Mas os mais atingidos financeiramente foram os veículos independentes e nativos digitais, que dependiam extensivamente do tráfego do Instagram e do Facebook como fonte de receita

Como o Google reagiu à aprovação da lei?

Do lado do Google, a história é um pouco diferente porque eles não bloquearam notícias e tenho certeza de que nunca iriam bloquear. O objetivo deles foi negociar o preço que eles teriam que pagar. A tática foi reduzir esse custo. No fim, o Google concordou em criar um fundo de US$ 100 milhões para ficar isento da lei, e nomeou uma organização para administrar (o dinheiro). Curiosamente, é uma organização que foi fundada semanas antes do Google anunciar que daria a eles US$ 100 milhões por ano.

Como esse valor será distribuído?

É um trabalho em andamento. O regulador ainda vai determinar se a saída encontrada pelo Google será suficiente para isentá-los de entrar em uma negociação forçada com os veículos. E é isso que veremos agora. Mas as regras apontam que os recursos precisam ser direcionados para o jornalismo, devem ser distribuídos equitativamente pelo país e devem ir para uma ampla gama de organizações.

No final das contas, o balanço para o ecossistema de jornalismo canadense até aqui é esse: perdemos referências de links de notícias em produtos da Meta e ganhamos US$ 100 milhões em financiamento para o jornalismo. No caso do Google, vale lembrar que são US$ 100 milhões para um país com 40 milhões de habitantes, o que significa cerca de US$ 2,50 por pessoa por ano. Se colocássemos na realidade brasileira, estaríamos falando em cerca de R$ 2 bilhões anuais. É um valor significativo. Acho que o Brasil está em uma boa posição para pedir o mesmo, e o que o Google provavelmente está preparado para fazer algo semelhante em outros países.

Essa seria minha próxima pergunta. Acredita que essa cobrança poderia ser replicada em outros países?

Sim. Mas eles teriam que fazer esse mesmo balanço sobre o que significa perder tráfego na Meta. Se tal legislação fosse introduzida, provavelmente seria necessário pensar em algum tipo de compensação para empresas que são excessivamente dependentes de links da Meta. Talvez uma compensação adicional para que esses veículos não deixem de existir durante a transição para um modelo diferente.

O que aconteceu com a qualidade do que circula nas redes da Meta, no Canadá, depois do bloqueio?

Foi profundamente irresponsável por parte da Meta bloquear notícias. E por algumas razões. Primeiro, sabemos que a exposição às notícias tem um efeito muito positivo na democracia. Não precisamos clicar em todas elas para nos beneficiarmos de estarem presentes em nosso ecossistema. Quando isso é retirado, você potencialmente aumenta a polarização, reduz a qualidade geral da informação em circulação no ecossistema e perde o efeito moderador de ter jornalismo nas redes .Então, acho que é democraticamente irresponsável bloquear o acesso a informações confiáveis em sociedades democráticas.

O segundo ponto é que a Meta acumulou um valor tremendo com jornalismo nos últimos 15 anos e eles não estão levando em conta. Houve incentivos para jornalistas estarem em suas ferramentas porque, se você está reivindicando ser a esfera pública de uma sociedade democrática, que é o que a Meta reivindica, você precisa de jornalismo. Isso faz parte da nossa sociedade democrática. Ou seja, eles construíram sua escala e seu papel em nossa sociedade também com o jornalismo. Cortá-lo, agora, me parece ser uma visão muito limitada.

Ao mesmo tempo que a Meta enxuga o espaço das notícias nas plataformas, ela está expandindo sua IA generativa para todas as redes... A IA vai tomar o lugar das notícias?

É uma ótima pergunta, e há muitas questões aí. Primeiro, acho que (esse movimento) mostra a vulnerabilidade do jornalismo. Porque as grandes plataformas de distribuição de conteúdo, seja o Google ou a Meta, podem simplesmente ligar uma ferramenta que essencialmente busca imitar e substituir o conteúdo que circula por eles. Isso é uma ameaça existencial para o jornalismo, ao meu ver. Me parece que projetos de lei existentes na Austrália e no Canadá agora deveriam provavelmente considerar expandir o escopo para incluir acordos de inteligência artificial. Se eu fosse um publisher, gostaria de saber de onde vem esses dados de treinamento da IA, e até que ponto meu jornalismo e meu conteúdo estão sendo usados.

O Google começou a rodar nos EUA uma ferramenta que dá respostas geradas por IA nas buscas. Que impacto enxerga nesse caso?

Certamente a implantação generalizada de IA em uma plataforma que replica as informações jornalísticas será muito ruim para o jornalismo. Não há como escapar disso. Pode ser que não seja ruim para o usuário, já que eles não vão precisar clicar em vários sites jornalísticos diferentes. Mas eu realmente gostaria de saber de onde essas informações estão sendo retiradas.

Os acordos que grandes grupos de mídia têm feito com a OpenAI são uma saída?

A minha avaliação é que os acordos isentam essas plataformas de responsabilidade pelo roubo do conteúdo. Quando você faz um acordo com a OpenAI, está isentando a OpenAI de qualquer processo futuro relacionado ao roubo de conteúdo. Eles basicamente estão dizendo: 'Nós raspamos todo o seu conteúdo, incluindo todos os seus arquivos, já estamos usando-os para treinar o nosso modelo e vamos continuar a fazer isso. Você quer aceitar US$ 10 milhões? E se você aceitar, nunca poderá nos processar por ter roubado suas informações'. É isso que está sendo oferecido a esses veículos, e eles estão aceitando. Os editores estão em uma situação difícil porque obviamente precisam de recursos e de dinheiro, e há uma nova oferta vindo da OpenAI e provavelmente de outras plataformas, mas eu seria muito cuidadoso com o que está envolvido aqui.

O Brasil está nesse momento discutindo uma regulação para IA. O que é essencial para o texto?

Não tenho certeza se precisamos de uma regulamentação nacional de IA agora. Acho que o AI Act na União Europeia, que coloca um amplo parâmetro de risco em certos tipos de implantação de modelos de IA, provavelmente é uma boa saída e poderia ser padronizada de alguma forma globalmente. Mas não acho que deveríamos agrupar todas as nossas preocupações e necessidades de política digital sob o quadro da IA.

Em vez disso, eu focaria nos problemas que sabemos que existem. Se a privacidade de dados é um problema, vamos modernizar nossas leis de privacidade de dados. Se o viés em sistemas de IA é um problema, vamos ver como podemos aplicar melhor nossas leis atuais sobre isso. Se o discurso de ódio e a desinformação são um problema, vamos trabalhar nisso. Se achamos que a apropriação do trabalho jornalístico é um problema e uma compensação justa é necessária, vamos fazer políticas sobre isso... A IA parece uma distração, na minha opinião, no quadro político. E é uma distração que me preocupa, porque aqueles que não querem regulamentações amplas estão ajudando a promovê-la.

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