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"Quando ouviu o barulho do meu carro, meu marido estava transfigurado. Não falou nada, só fez colocar a mão no meu coração. Eu disse: Felipe? Ele fez que sim com a cabeça, já com o SAMU na linha. Fiquei de joelhos na calçada, pedindo a Deus que meu filho sobrevivesse. Aí o médico veio, estendendo a mão pra mim. Doutor, não quero apertar sua mão, quero que você volte lá e traga meu filho. Ele disse: eu sinto muito”.

O depoimento de Guta Alencar à jornalista Marcia Disitzer sobre o momento em que soube, há sete anos, do ato suicida do filho de 16 anos, seu primogênito, é capturado com delicadeza pela diretora Susanna Lira aos 15 minutos de “Para os que ficam”. Mais à frente, a mãe narra, para o documentário que estreia no GNT, no dia 18, às 00h15, dentro do Setembro Amarelo, outra ação de autodestruição, a de seu filho do meio, Davi, aos 18, três anos após a morte do irmão. A dor de Guta é incomensurável. Revisitá-la, conta, é sempre um calvário. Mas desta vez percorrido com carradas de razão.

A estudante de Psicologia Guta Alencar e a jornalista Marcia Disitzer — Foto: Rafael Mazza
A estudante de Psicologia Guta Alencar e a jornalista Marcia Disitzer — Foto: Rafael Mazza

“A decisão dos meus filhos foi muito dolorosa, para eles e para nós, sobreviventes. Quando perdemos alguém em um acidente, culpamos o acidente. Se for doença, é dela a razão do fim. No suicídio, apontamos o dedo para nós mesmos: o que podíamos ter feito, o que não percebemos, o que fizemos de errado? ‘Para os que ficam’ já seria corajoso por falar de tema tão estigmatizado, condenado ao silêncio dos segredos familiares. Mas seu propósito vai além, ao rejeitar culpas e revelar, com nossas histórias, que a vida dos enlutados, apesar de tanta dor, segue”, diz Guta, mãe de Eva, 9 anos, e estudante de Psicologia decidida a se especializar na prevenção e posvenção (tudo que se pode fazer após a morte) de suicídios.

O youtuber Pedro HMC — Foto: Rafael Mazza
O youtuber Pedro HMC — Foto: Rafael Mazza

Nas “nossas histórias” citadas por Guta estão a de Simone de Souza, Roberto Maia, Valentina Seabra, Pedro HMC e Fernanda Lima da Silva. Eles perderam filha, pai, marido e irmão após atos suicidas. E também as da psicóloga Karina Fukumitsu e da própria Marcia, que costuram o filme. Karina viveu, criança, a rotina das tentativas de suicídio da mãe e o despreparo de equipes de saúde que a recebiam com um “mas a senhora, de novo? Não tem dó da gente, dessas meninas lindas?”. Tornou-se uma das mais destacadas especialistas sobre o tema no Brasil. Repórter de O GLOBO, Marcia escreveu há quatro anos nesta Revista ELA sobre os suicídios de seu pai, em 1979, e de sua mãe, onze anos depois. “Para os que ficam” nasceu de seu ato de coragem e empatia.

A repercussão do depoimento, publicado em 2019, foi enorme. “Levei muito tempo para falar, escrever, sobre isso. Fui acolhida por colegas com quem trabalhava há mais de 10 anos e não sabiam o que havia acontecido. E também por pessoas que não conhecia e queriam muito dividir suas histórias comigo. Eu me solidarizei com elas, mas não saberia orientá-las”, conta a repórter.

Seis meses depois a pandemia de Covid-19 atingiu o planeta. A crise de saúde mental já detectada por especialistas foi potencializada. Após uma entrevista com Susanna Lira (diretora de “Torre das donzelas” e do quase saindo do forno doc sobre Fernanda Young), Marcia perguntou se ela toparia embarcar em um projeto destinado a abordar a vulnerabilidade de pessoas que, como ela, viveram o luto do suicídio. Susanna retornou-lhe um sim. “Para os que ficam” começa e termina com Marcia lendo trechos de seu depoimento. E é ela quem conduz as entrevistas do filme.

A diretora Susanna Lira — Foto: Leo Martins
A diretora Susanna Lira — Foto: Leo Martins

“Isso é crucial, pois eles conversam com alguém que também viveu aquela dor. Aquele texto da Marcia, objetivo e necessário, me impactou muito. Ele também é um marco no Jornalismo, ao decidir que o silêncio no suicídio, não ajuda, só piora. Que é preciso enfrentar o tabu de frente e com cuidado”, diz Susanna.

A psicóloga Karina Fukumitsu — Foto: Rafael Mazz
A psicóloga Karina Fukumitsu — Foto: Rafael Mazz

Dentre as delicadezas do filme de pouco mais de 1h15min está a decisão de jamais se dividir com o espectador a maneira como as pessoas lembradas em “Para os que ficam” tiraram suas vidas. Antes e depois da exibição, uma cartela fala do serviço gratuito e 24h por dia do Centro de Valorização da Vida (CVV) e seu 188, além da ajuda especializada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e unidades básicas de saúde mais próximos. Também destaca-se o trabalho pioneiro da Associação Se Tem Vida, Tem Jeito, criada por Karina Fukumitsu, e o núcleo de assistência social a enlutados, o Transformador em Amor, no Instituto Sedes Sapientiae, ambos em São Paulo.“Quando comecei a trabalhar com o tema, não havia literatura sobre luto em suicídio no Brasil, tamanho o preconceito”, diz Karina, autora de “Sobreviventes enlutados por suicídio: cuidados e intervenções”, da Summus.

A artesã Simone de Souza — Foto: Rafael Mazza
A artesã Simone de Souza — Foto: Rafael Mazza

A especialista conta ter ouvido negativas de outras editoras certas de que “ninguém vai comprar um livro sobre suicídio”. E, mesmo na academia, e após uma década dedicada ao tema, com formação no Brasil e Estados Unidos, foi questionada se não havia algo “mais felizinho” para pesquisar. “Após ouvir tantas barbaridades, decidi me tornar suicidologista. E buscar criar um know-how para como se tratar quem chega ao espaço de saúde dizendo ‘vou me matar’”, conta.

Na USP, de volta dos EUA, mergulhou no luto das pessoas que perderam um ente querido para o suicídio. “Falar sobre suicídio ainda é processo velado, que desperta medo ao expor a perda de controle. As razões para alguém se matar são multifatoriais, inclusive, mas não só, depressão ou impulsividade, e a gota d’água é simplesmente estar vivo. Parece óbvio, mas o ato suicida é exclusivo de quem se matou, a verdade parte com ele. E, embora não tenha cura, o processo de luto por suicídio contém esperanças. O documentário, ao tratar disso, é ao mesmo tempo um grito e um acolhimento”, diz.

A enfermeira Fernanda Lima — Foto: Rafael Mazza
A enfermeira Fernanda Lima — Foto: Rafael Mazza

Autor do recém-publicado “Lutos finitos e infinitos”, o psicanalista Christian Dunker diz que o processo de perda por atos de autodestruição é “um luto mais complexo”: “E que pode ser muito ofensivo para os que têm uma atitude de excessiva determinação e controle sobre aqueles com quem a gente vive e ama. A estrutura do ato suicida é a de uma carta. Um dos motivos pelo qual é difícil elaborar esse luto, torná-lo finito, é não sabermos até onde, e em que termos, aquela carta é para nós”.

Em seu “A outra margem”, Karina Fukumitsu escreve que, de fato, “nunca se é o mesmo após viver o luto por suicídio”. Mas que, ao longo da vida, é possível e desejável “criar beleza dos fragmentos” e, assim, encontrar “o outro lado do rio”.

Algo que Guta traduz ao detectar a ausência do passado nas conjugações verbais mais cotidianas: “Estou sofrendo agora, estou triste agora, estou desolada agora. Não há dor passada pra mim”.

O horizonte dos protagonistas de “Para os que ficam” parece clarear quando tateiam aquilo que Guta sintetiza na palavra “propósito”. Ela conta ter descoberto o dela ao receber um pedido para falar sobre sua experiência trágica na casa da tia de uma conhecida que vivia seu próprio pesadelo com o suicídio. Nunca mais parou e estuda Psicologia para, “após dividir o pior” com quem a pede acolhida, “levar o melhor”.

Roberto Maia — Foto: Rafael Mazza
Roberto Maia — Foto: Rafael Mazza

Roberto Maia, que perdeu a filha Jessica, é voluntário no CVV. Valentina Seabra, após o suicídio do pai, dependente químico e da roda-viva do mercado financeiro, dedica-se ao desenvolvimento de metas para corporações que levem em conta os limites e saúde mental dos funcionários. Fernanda Lima da Silva viu seus parentes se unirem ainda mais após o suicídio do irmão Ricardo, o primeiro da família, negra e da periferia, a chegar ao ensino superior, mas carente de ajuda especializada durante a pandemia.

Valentina Seabra — Foto: Rafael Mazza
Valentina Seabra — Foto: Rafael Mazza

E o influenciador digital e militante LGBTQIAP+ Pedro HMC, massacrado na internet, inclusive por pessoas da própria comunidade gay, após o suicídio de seu marido, o policial civil Paulo Vaz, um homem trans, no dia seguinte ao vazamento de um vídeo íntimo seu com um homem cisgênero, percebeu que o tema não era central em seu ativismo. “E a nossa comunidade é comprovadamente mais suscetível ao suicídio. Falar do tema é uma bandeira que não largarei jamais”, diz.

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