Exclusivo para Assinantes
Esportes Marcelo Barreto

Marcelo Barreto: Não é quando, é como o futebol vai voltar

O futebol que vai ressurgir da pandemia precisará de um compromisso diferente com os jogadores e de uma nova relação com os torcedores

Do primeiro drible de Clodoaldo até o chute certeiro de Carlos Alberto Torres, o quarto gol do Brasil contra a Itália na final da Copa de 70 (spoiler!) tem tudo o que é preciso no futebol —inclusive Pelé, que participa com aquela roladinha inesquecível. Vale a pena passar o domingo esperando por ele, como se ainda não tivesse acontecido. Tudo é tão bonito que até quem já viu tantas vezes como eu e você vai se encantar de novo, talvez até se surpreender.

O gol do Capitão vai ao ar no SporTV como um marco da quarentena no futebol brasileiro: poucos dias depois de os principais campeonatos estaduais completarem um mês de paralisação, um antes de as férias de três semanas dos jogadores acabarem — praticamente todos os clubes já anunciaram a extensão por mais uma. Seria também um bom momento para virar a chave da discussão: de quando para como a bola vai voltar a rolar.

A pandemia provocada pelo novo coronavírus atingiu o esporte mais popular do mundo em sua essência, derrubando convicções e expondo fraquezas. O primeiro choque para o futebol foi descobrir que não é essencial. A relutância em fechar os estádios, quando todas as evidências já apontavam para a necessidade de impedir grandes aglomerações, não foi o último gesto de soberba — e pode ter custado caro, como mostram estudos relacionando o jogo entre Atalanta e Valencia com a proliferação da doença em Bergamo.

Mesmo flagrados em sua fragilidade financeira, os clubes preferiram tratar a crise como algo passageiro. Mal os campeonatos pararam, puseram-se a calcular datas para o retorno (o último adiamento desse otimismo, para o meio de maio, já parece inviável). Mas o fator principal não era negacionismo: não só no Brasil, como nos países mais ricos da Europa, o futebol precisa voltar porque é um negócio que movimenta milhões sem ter liquidez. Sem bilheteria, direitos de TV e vendas de jogadores, nem os clubes mais ricos têm dinheiro para pagar salários e dívidas.

Não é o único, evidentemente. Outros setores da economia já estão sofrendo e vão demorar a se recuperar. Como muitos deles, o futebol precisará se reinventar. Mas o que poderia ser a discussão de um novo modelo já deu em Fla-Flu, literal e metafórico, sobre quando voltar. Não só no Rio, o debate está preso ao calendário: precisamos terminar os estaduais, é a conclusão de quem já aceita abrir mão da bilheteria para não perder os direitos de TV.

Não era de se esperar de uma coletividade frágil como a dos clubes brasileiros — que não conseguem se unir para organizar seus próprios campeonatos ou definir seu modelo de negócio — a capacidade de enfrentar uma crise tão grande. Nem mesmo as poucas providências até agora, como os acordos para redução de salários dos jogadores e a criação de protocolos de saúde para a volta aos treinos e jogos, foram tomadas de forma consensual.

O futebol que vai ressurgir da pandemia precisará de um compromisso diferente com os jogadores e de uma nova relação com os torcedores. É com eles, e não batendo cabeça entre si, que os clubes poderão descobrir como será a retomada. O quando a gente espera, enquanto revê o gol do Capita. <SW>

  翻译: