Número de mortes violentas no Brasil é o menor da última década

Nova edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública confirma tendência de queda na letalidade desde 2018, mas com uma recente redução do ritmo.

Por Aline Ribeiro — São Paulo


A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense investiga o caso Agência O Globo

No último ano, o Brasil registrou 47.508 mortes violentas intencionais, o menor número da última década. A letalidade no país vem em tendência de queda desde 2018, com uma recente redução do ritmo. Em termos relativos, a taxa de mortalidade ficou em 23,4 por 100 mil habitantes, recuo de 2,4% em relação ao ano anterior.

Os dados inéditos estão no 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na manhã desta quinta-feira. Na classificação do Fórum, mortes violentas intencionais são a soma dos casos de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e óbitos decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora.

Em 2020, o Brasil era o oitavo país mais violento do mundo, de acordo com ranking do Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas (UNODC). Com 2,7% da população do planeta, respondia por 20,4% dos 232.676 homicídios registrados naquele ano em 102 países pelo órgão.

Neste ano, não é possível saber sua posição em relação a outras nações. Isso porque o país ainda não tem dados divulgados pelo Unodc para os anos de 2021 e 2022. Enquanto vários outros países já publicaram suas estatísticas, o país consta como sem informações no site do órgão da ONU dedicado às informações criminais no mundo. Assim, o anuário não estimou a proporção que os homicídios cometidos no Brasil representam em relação ao total de mortes violentas no mundo. “É provável que, se repetirmos as tendências da última década, tenhamos sido o país com o maior número de homicídios do planeta e ficado entre as dez nações com maiores taxas de homicídios por 100 mil habitantes“, diz o anuário.

Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que, apesar da boa notícia, ainda somos uma nação violenta e marcada pelas diferenças raciais, de gênero, geracionais e regionais. Ele enfatiza que o Brasil não tem uma política nacional de segurança efetiva.

— O Brasil tem confundido política de segurança com gestão da polícia. Quando se faz só a gestão do cotidiano, como a troca de armas, das viaturas, os problemas estruturais não mudam, como é o caso do perfil das vítimas. Qual foi a política do Bolsonaro? Do tiro na cabecinha? Nem essa, porque os dados mostram que a letalidade caiu. O Bolsonaro não teve política nenhuma — enfatizou.

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Uma das críticas de Lima é a demora na implementação do Sistema Único de Segurança Pública, o Susp, instituído por lei em junho de 2018, depois de 14 anos de tramitação, em resposta ao pico de violência nos anos anteriores. O Susp visa a integrar as ações dos estados, estabelecer a cooperação e dar mais eficiência à área, contribuindo para a criação de mecanismos de monitoramento da política nacional de segurança pública.

Nordeste puxa a queda dos índices

Em paralelo, ainda de acordo com Lima, o governo Bolsonaro cortou recursos para a segurança pública. Em 2018, o governo federal alterou as regras das Loterias da Caixa para que a segurança pública obtivesse também os repasses oriundos dessas apostas. Assim, além do recurso orçamentário, a área passou a receber verbas das loterias. Posteriormente, entretanto, o governo federal optou por financiar o repasse aos estados do Fundo Nacional de Segurança Pública exclusivamente com os recursos das loterias.

A queda deste ano foi puxada pela região Nordeste, com redução de 4,5% da taxa de mortes violentas para cada grupo de 100 mil habitantes. Sul, Norte e Centro-Oeste registraram aumentos de 3,4%, 2,7% e 0,8% desse indicador.

— O Nordeste se virou por conta própria, começou a fazer política com orçamento próprio. O Ceará contratou mais pessoal. Vários estados investiram na modernização da gestão. Os números começam a sugerir que esses governos estão começando o movimento de investimento e capacitação que aconteceu no Sudeste nos anos 1990 — disse Lima.

A redução das mortes não ocorreu de forma homogênea entre os estados, conforme o documento. O estado mais violento do Brasil, com taxa maior que o dobro da nacional, é o Amapá (50,6), seguido da Bahia (47,1) e do Amazonas (38,8). Os menos são São Paulo (8,4) e Santa Catarina (9,1). Ao todo, 20 estados registraram taxas acima da média brasileira.

O perfil das vítimas segue o mesmo: negros (76,9%), com idade entre 12 e 29 anos (50,2%) e do sexo masculino (91,4%). A ampla maioria dos assassinatos (76,5%) foi cometida com arma de fogo.

Neste ano, a análise dos dados criminais do anuário esbarrou em limitações metodológicas, em decorrência do Censo 2022. O IBGE constatou que a população brasileira cresceu menos do que o estimado anteriormente, com uma "perda" de 10,3 milhões de habitantes. Isso obrigou os pesquisadores a revisarem todas as taxas usadas na série histórica, distorcidas por essa população menor. Por isso, optou-se por divulgar a evolução das mortes violentas apenas em números absolutos.

Causas da queda

São vários os fatores que explicam a tendência de queda das mortes violentas intencionais no Brasil, segundo Lima. A primeira hipótese, já amplamente documentada, é a composição da estrutura demográfica da população brasileira. Entre 2004 e 2020, o Brasil registrou uma diminuição do número de adolescentes e jovens de 10 a 19 anos e uma estabilidade daqueles entre 20 a 29 anos, grupos com risco elevado de mortalidade por homicídio.

A segunda explicação, de acordo com Lima, diz respeito às políticas estaduais de prevenção à violência, com foco nos modelos de integração policial. Diversos estados brasileiros adotaram, entre 2000 e 2010, programas de redução de homicídios em territórios mais críticos, que buscaram integrar ações policiais e medidas de caráter preventivo. Além disso, houve investimentos significativos na modernização da gestão das polícias e a adoção de novas tecnologias e sistemas de inteligência.

O armistício do crime organizado ligado ao narcotráfico, em especial no Norte e no Nordeste, é outro fator que explica a queda. Entre 2016 e 2017, as facções com base prisional paulista e carioca travaram uma guerra sem precedentes, que resultou numa explosão de mortes alastradas por todos os estados. Uma trégua posterior entre esses grupos ajudou a apaziguar os conflitos e conter os assassinatos.

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