O professor da PUC Rio Luiz Roberto Cunha, profundo conhecedor da dinâmica da inflação no Brasil nas últimas décadas, compara o gráfico histórico das variações de preços das últimas décadas no país a um eletrocardiograma de um paciente em estágio crítico, “levando choques para poder sobreviver”:
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— A cada fim de efeito de um plano de estabilização, a inflação voltava a subir muito mais rapidamente do que no período anterior. Finalmente, com o Plano Real, esse doente terminal que era o Brasil vê a inflação cair de forma permanente.
O Plano Real foi a sexta tentativa de controlar a inflação desde os anos 1980. Nesta segunda-feira, no dia 1º de julho, a moeda completa 30 anos, o maior período em que os brasileiros convivem com a mesma moeda — só perde para os réis, que valeram da colonização até 1942. E se tornou um valor para sociedade que transcende o econômico, afirma Cunha, que cita implicações políticas, sociais e culturais:
— É o que estamos vendo na Argentina hoje, um país que continua sofrendo com a inflação (mais de 200% ao ano), chegou a ter três presidentes entre o Natal e o Ano Novo (em 2001) e tentativas de mudar o cálculo da inflação. Antes do real, vivemos tentativas frustradas de combater a subida de preços que só desorganizavam mais a vida das pessoas.
Nos dias de hoje, os agentes econômicos discutem os riscos de a inflação ultrapassar 4,5% este ano — nos últimos 12 meses, acumulou 3,93% contra mais de 4.000% em junho de 1994. Para o economista Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real, a sociedade defende essa conquista, punindo na eleição quem foi leniente com a inflação, como lembrou em entrevista recente ao GLOBO.
Fiscal e crescimento
Carlos Melo, cientista política do Insper, observa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato favorito nas eleições presidenciais de 1994, perde para Fernando Henrique Cardoso:
—E perde em 1998 quando não adere ao real.
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O plano teve outras consequências políticas, como tirar poder dos governadores. O fim dos bancos estaduais, que serviam como emissores de moeda em cada estado, fez parte da engenharia.
— Governos estaduais emitiam porque usavam dinheiro do seus bancos. Quando Orestes Quércia (governador de São Paulo entre 1987 e 1991) consegue eleger Luiz Antônio Fleury Filho (governador entre 1991 a 1995), ele declarou: “quebrei o banco, mas elegi meu candidato”. Era um processo político importante, desde lá dos anos 1940. Sem esse instrumento dos bancos estaduais, eles (governadores) passaram a ficar mais dependentes da União — diz Melo.
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A população é muito sensível aos movimentos de preços, principalmente quem tem mais de 40 anos e conviveu com índices de quatro dígitos.
— Não por outra razão os governos tomam tanta conta (moeda). É um tema politicamente sensível —afirma Armando Castelar, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).
No entanto, após 30 anos de estabilidade monetária, o país ainda não conseguiu equacionar a questão fiscal, um dos pilares da estratégia de estabilização. Com o Orçamento engessado com apenas 7% das despesas que que podem ser administradas livremente pelo governo.
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As despesas públicas no primeiro trimestre deste ano subiram 12,6% acima da inflação, o que tem aumentado a percepção dos agentes econômicos sobre a sustentabilidade das contas do governo e seu impacto na inflação e nos juros, dizem especialistas:
— Esse debate de segurar o aumento do gasto vem da época da hiperinflação. Avançou, mas não resolveu. Quando aumenta muito o gasto, a política monetária tem que ser apertada (aumento da taxa básica de juros). É uma situação ruim, aumenta o custo de capital — afirma Castelar, que também cita a dificuldade de o Brasil ter um crescimento sustentado, alternando períodos de expansão um pouco mais vigorosa com estagnação e queda do Produto Interno Bruto (PIB).
Desde a recessão de 2014 a 2015, o Brasil cresce pouco. E essa falta de dinamismo econômico está ligada à baixa produtividade e eficiência da economia, algo que o real também não garantiu.
—É um país com potencial gigantesco que não consegue acelerar o crescimento — diz Castelar.
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O economista cita insegurança jurídica, sistema tributário caótico — os efeitos da Reforma Tributária aprovada no fim do ano passado ainda devem demorar — o baixo aproveitamento da mão de obra que está mais instruída, informalidade alta e a falta de uma abertura comercial mais ampla.
Ainda assim, a estabilidade da moeda é apontada pelos especialistas como a base de uma série de políticas públicas que melhoraram a qualidade de vida no país, dos benefícios sociais como o Bolsa Família à estrutura institucional de metas de inflação a serem perseguidas pelo Banco Central que mantém o país compromissado com a estabilidade há três décadas.
Moeda perde função
A dentista Maria das Graças de Moura Lira tem uma história que ilustra a rápida desvalorização da moeda. Ela fez um orçamento para uma paciente nos anos 1980, com o pagamento em duas parcelas: uma parte no início do tratamento e uma parte no final. O combinado era converter o valor para dólar.
— Recebi uma nota de US$ 100 no início e uma de US$ 10 no final, alguns meses depois. Tive de começar a fazer orçamentos diretamente em dólar.
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Castelar lembra que antes do real, a moeda perdeu as funções que exerce na economia: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor:
— Com a hiperinflação, reserva de valor vai para o espaço. Era comum ter um monte de telefone e comprar imóvel. Não se guardava dinheiro em moeda. Como unidade de conta, com 2.000% de inflação ficava difícil medir PIB (Produto Interno Bruto), produção industrial... Os valores de dezembro eram muito mais altos que em fevereiro. E as transações começaram a serem feitas em dólar.