Patrícia Kogut
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Esqueça aquele humor medroso, que anda na ponta do pé diante dos limites do politicamente correto: a terceira temporada de “Hacks” chegou à Max. A produção foi indicada a 32 Emmys e venceu vários, entre eles, os de melhor atriz, roteiro e direção. Agora, depois de um interregno de dois anos, voltou melhor do que nunca.

“Hacks” tem uma estrutura simples, parecida com a de uma sitcom clássica. Ela extrai sua graça da relação complicada de duas personagens. A veterana estrela da comédia Deborah (Jean Smart, que também brilhou em "Mare of Easttown") e a jovem roteirista Ava (Hannah Einbinder) representam os valores de gerações muito diferentes. A primeira abriu caminhos quando a indústria do audiovisual era prerrogativa masculina. Foi pioneira na televisão e conserva um fã-clube numeroso. Quando a idade chegou, recusou a aposentadoria, mas foi perdendo terreno para os novos talentos. Restou um teatro em Las Vegas, onde se apresentava coberta de paetês e fazendo piadas para plateias menos nobres do que as do passado. Era melancólico, mas ficou pior quando até essa última porta se fechou.

Foi quando ela conheceu Ava, uma roteirista iniciante, ainda sem sucesso profissional, frágil, insegura, mas muito capaz. As duas formaram uma dupla. O bom texto de Ava ajudou a empurrar Deborah de volta para a cena central.

Deborah cresceu numa época em que os termos “relação tóxica” e “assédio moral” não estavam em moda. Com um temperamento de bully, exercia seu poder sobre Ava sem cerimônia. No território das relações de trabalho, impunha suas próprias regras draconianas. Ava se submetia por não ter meios para reagir.

No fim da segunda temporada, elas estavam rompidas. Agora, a ligação delas se recompõe, mas em novas bases. Deborah recobrou o estrelato. Ava fez conquistas profissionais e está vivendo com uma atriz por quem é apaixonada. Mesmo assim, o gato e rato se reestabelece.

Não espere ver iconoclastia ou desafio à etiqueta moral do mundo contemporâneo. Deborah não é um Larry David em “Curb your enthusiasm”. Ela fala barbaridades aos ouvidos de hoje e é indiferente às reprimendas dos mais jovens. Mas o contraste com Ava, que é engajada nas “causas corretas”, garante o contraponto. Apesar do mergulho nos temas dos debates modernos, o roteiro não cai no reducionismo-chavão. Ele é bem-construído e cada diálogo merece estar no ar. Finalmente, vale observar: o drama aqui é melhor do que a comédia.

Está tudo ainda mais afiado agora. “Hacks” faz pensar naquela ideia que, com sua longa duração, as séries permitem o melhor desenvolvimento dos personagens do que os filmes. Essa teoria aqui é pura verdade.

E para quem não gosta de assistir a nada pingado, fica o aviso: os dez episódios de pouco mais de meia hora estão todos na plataforma. Não perca.

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