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Em junho de 2023, um acordo complexo e costurado ao longo de quase um ano parecia perto de ser concluído: o governo de Israel, já comandado por Benjamin Netanyahu, tinha dado o aval preliminar para a exploração de um campo de gás natural na costa da Faixa de Gaza, em parceria com o Egito e participação da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Mas três meses depois, o ataque do grupo terrorista Hamas e o início da guerra em Gaza pausaram os planos de forma indeterminada.

O campo em questão, chamado Gaza Marine, tem cerca de 28,3 bilhões de m³ de gás, e sua operação trazia a perspectiva de impulsionar a economia palestina, a segurança energética de Gaza e servir como base para a retomada das negociações de paz — até o Hamas havia dado sinal verde a proposta de exploração. Ele fica em uma área conhecida como Bacia do Levante, onde a descoberta de reservas de petróleo e gás soou como música para os governantes locais.

— As reservas existentes são em alguma medida já exploradas principalmente por Chipre, Israel e Egito, que vem investindo na produção e regulamentação desse mercado. Porém, de forma geral, esse potencial ainda é pouco explorado devido a questões técnicas e de viabilidade financeira para os projetos de infraestrutura produtiva e transporte energético — disse ao GLOBO Nathana Garcez, pesquisadora em Energia e Relações Internacionais.

Mapa do campo de Gaza Marine — Foto: Editoria de Arte
Mapa do campo de Gaza Marine — Foto: Editoria de Arte

Em 1995, os Acordos de Oslo, que pautaram os termos para a governança palestina na Cisjordânia e Gaza, estabeleceram uma zona de exploração de cerca de 35km na costa do enclave palestino, prevendo atividades de retirada de gás pela ANP. Em 2000, depois de a empresa britânica BG Group comprovar a viabilidade de Gaza Marine, o então líder palestino, Yasser Arafat, disse que “aquele era um presente de Deus para nós, para nosso povo, para nossas crianças”.

— Isso fornecerá uma fundação sólida para nossa economia, para o estabelecimento de um Estado independente com a sagrada Jerusalém como sua capital — afirmou.

Veja imagens de campo em Rafah após ataque israelense

Veja imagens de campo em Rafah após ataque israelense

Arafat morreu quatro anos depois, e sua morte deu início a uma cisão entre as duas principais facções palestinas, o Fatah, que controla a Cisjordânia, e o Hamas, que domina Gaza. A solução de Dois Estados, um israelense e um palestino, jamais saiu do papel, e parece mais distante do que nunca. Tal como naquele 2000, Gaza Marine segue inexplorado, um impasse que simboliza o fracasso do processo de paz.

— Do lado israelense, houve a contínua instauração de assentamentos ilegais em regiões palestinas, a restrição de direitos da população palestina perpetuada pelo governo do país, além de ofensivas militares. Por outro lado, a disputa entre Hamas e Fatah pelo controle da Faixa de Gaza também teve um peso importante para a decadência dos Acordos de Oslo, assim como ataques do próprio Hamas e de forças paramilitares palestinas a alvos israelenses — disse Garcez.

Um estudo publicado em 2016 pelo Instituto Brookings apontou que a exploração em Gaza Marine poderia render aos cofres da Autoridade Nacional Palestina — o governo reconhecido dos Territórios Palestinos — algo entre US$ 2,5 bilhões (R$ 13 bilhões) e US$ 7 bilhões (R$ 36,4 bilhões) anuais, considerando as variações no preço do gás.

Água e luz

O fluxo adicional de caixa seria uma excelente notícia para dois territórios palestinos. A reconstrução de Gaza pode custar até US$ 50 bilhões (R$ 260,27 bilhões), de acordo com as Nações Unidas, e levar algumas décadas até ser concluída. Na Cisjordânia, espremida pelos assentamentos judaicos, ilegais perante as leis internacionais, a ANP tem uma dívida estratosférica: em dezembro de 2023, ela chegou a 115% do PIB local.

A injeção de capital poderia, apontam analistas, ajudar a começar a pagar a dívida, liberando orçamento para ações de desenvolvimento. Mais do que isso, a exploração de gás traria a perspectiva de segurança energética aos palestinos, especialmente em Gaza.

Boa parte do suprimento vem de Israel, que cortou o fornecimento ao enclave após o início da guerra. Usinas termelétricas, geradores caseiros e placas de energia solar complementam uma oferta que é inadequada mesmo em tempos de relativa paz.

Um levantamento do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários revelou que entre 2017 e 2018, Gaza tinha cerca de 7 horas diárias de energia, passando a 13 horas em 2021 e caindo para 10 em 2023. Desde outubro, o enclave depende de seus próprios geradores para iluminação e atividades como a operação de hospitais.

O início da exploração de Gaza Marine, cujas reservas poderiam suprir as demandas dos territórios palestinos por uma década e meia, ajudaria também a resolver outra questão crítica de Gaza, o fornecimento de água potável.

Sem reservas naturais consideráveis, Gaza depende de usinas de dessalinização e de envios intermitentes de Israel. Com uma maior oferta energética, o Instituto Brookings aponta que a rede de dessalinização poderia ser expandida, seguindo o exemplo israelense: em 2022, 85% da água disponibilizada para consumo no país vinham de usinas de dessalinização. Essas instalações têm um elevado consumo de energia, e algumas têm suas próprias centrais elétricas.

Mas como aponta João Victor Marques, pesquisador da FGV Energia, mesmo que a produção começasse amanhã, existe um desafio talvez maior do que a extração do gás.

— Não basta só você produzir o gás, você precisa ter recuperação de toda uma infraestrutura de geração e distribuição de energia, que hoje podemos dizer que é inexistente — afirmou ao GLOBO. — E precisamos entender também quais são os agentes que estarão envolvidos nessa produção, e qual o modelo de negócio que será adotado.

Perspectiva de paz

Nas negociações para encerrar a guerra, não há menções públicas ou de bastidores sobre Gaza Marine, e ativistas acusam Israel de emitir licenças para extração de gás em áreas que estariam dentro da zona de exploração marítima da Autoridade Nacional Palestina. João Victor Marques aponta ainda que o acerto preliminar entre Israel, Egito e ANP, que estava perto de sair em junho, não levava em consideração as demandas energéticas de Gaza, sendo voltado apenas à exportação do gás para a Europa via Egito.

— A aprovação que Israel deu no início do ano passado, diz menos respeito à relação de Israel com a Palestina do que o interesse do Egito de explorar e produzir nesse campo — afirma Marques. — O que foi costurado entre Egito e ANP foi que o gás que saísse dali seria levado até o Egito e dali provavelmente exportado na forma de GNL (Gás Natural Liquefeito) até a Europa. Hoje o Egito é o único país daquela região do Mediterrâneo oriental que possui infraestrutura de GNL.

Para Garcez, qualquer tipo de discussão sobre Gaza Marine só começará a sair do papel quando houver uma perspectiva de paz na região.

— Entendo que Gaza Marine não é tanto a chave para o recomeço, mas sim um termômetro, das relações entre Palestina e Israel e da situação na Faixa de Gaza. Se a violência diminuir e o cenário em Gaza se focar na reconstrução pacífica da região, naturalmente Gaza Marine deve voltar a ser discutida e aí sim pode ser a chave para um recomeço na região porque o seu sucesso vai exigir a colaboração de todos — concluiu.

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