Carlos Alberto Sardenberg
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Carlos Alberto Sardenberg

Jornalista

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RESUMO

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GERADO EM: 29/06/2024 - 00:05

FH e o Plano Real: superando obstáculos

Fernando Henrique Cardoso administrou crises para implementar o Plano Real, enfrentando obstáculos como a demissão do presidente do BC e a resistência de Itamar Franco. Com perseverança, FH conseguiu implementar medidas econômicas cruciais, como o regime de metas de inflação e as privatizações, consolidando o tripé macroeconômico que influenciou governos posteriores.

— Não se pode desperdiçar uma crise.

FH deve ter chegado a essa conclusão depois das diversas crises que enfrentou na elaboração, na implantação e no desenvolvimento do Plano Real, que completa 30 anos na próxima segunda-feira.

A primeira crise foi o ambiente em torno de sua nomeação para ministro da Fazenda, em maio de 1993. Seria o quarto ministro de um presidente fraco, Itamar Franco, com o país tomado pela hiperinflação. Os preços subiram 27% no mês da posse de FH, que se tornava o maior e talvez o único ativo de Itamar. Como o próprio Itamar disse a seu novo ministro: sua nomeação foi muito bem-aceita. FH entendeu: tornara-se responsável de fato pela política econômica. Na circunstância, dono de uma crise grave e piorando.

O lado promissor: a população andava cansada da inflação e dos sucessivos planos que só tornavam ainda mais complicada uma situação difícil. Provavelmente, toparia sacrifícios para um programa crível com uma equipe respeitada. Ainda assim, o propósito de FH e de sua então reduzida equipe era modesto: dar uma arrumada na casa, especialmente nas contas públicas, deixando qualquer coisa mais ousada para um futuro governo. O próximo presidente seria eleito em outubro de 1994.

Uma segunda crise mudou tudo. Em setembro de 1993, Itamar, sem conversar nem sequer avisar FH, demitiu o presidente do Banco Central, Paulo Ximenes, por uma questão boba em torno dos cheques pré-datados. Era Itamar sendo Itamar, provavelmente instigado pela sua turma para mostrar quem mandava ali. Para a equipe de FH, tudo acabava ali. O ministro se demitiria, e todos iriam para casa. Deu o contrário. FH foi conversar com Itamar e saiu maior ainda: colocou Pedro Malan na presidência do BC, reforçando seu time, e assumiu controle total de tudo o que se referia à política econômica.

Capa do audio - Linha Aberta - Carlos Alberto Sardenberg

Como teria sido a conversa? FH nunca entrou em detalhes, mas Edmar Bacha, seu principal assessor, tem uma boa ideia. Fernando Henrique deve ter dito: vou embora, a inflação vai estourar mais forte, e o Congresso votará seu impeachment. Era uma boa previsão. Itamar entendeu. A equipe de FH também — agora vai, dá para fazer algo maior, tal era o sentimento. O Plano Real nascia ali.

Na véspera da introdução das notas novinhas de real, há exatos 30 anos, ainda houve crises. Como conta Rubens Ricupero, então ministro da Fazenda, já que FH deixara o posto para se candidatar a presidente, Itamar queria um congelamento de preços, fiscalizado pelos consumidores, e o tabelamento dos juros. Era a última tentativa de mandar em alguma coisa. Tudo contrário à base teórica e prática do Real. Então não tem plano, não tem nada, disseram a ele. Itamar sobraria só e com uma inflação que atingira espantosos 50% ao mês. Recuou, claro.

Assim o real começou a circular, e FH elegeu-se presidente, derrotando Lula no primeiro turno. Outras crises o esperavam. A quebradeira de bancos estaduais e privados, que viviam de girar dinheiro na inflação, serviu para uma arrumação geral no sistema financeiro. No fim do primeiro mandato, 1998, a crise dos países emergentes, que começara nos Tigres Asiáticos, chegou ao Brasil. O país foi ao FMI buscar dólares, com a ajuda do então presidente Bill Clinton, que falou com outros chefes de Estado e conseguiu uma vaquinha de US$ 40 bi para reforçar o caixa do BC brasileiro.

O real passava por uma crise financeira e cambial, que não foi desperdiçada. Fez-se outro ajuste de contas públicas e, sobretudo, ele deixou de ser atrelado ao dólar. Introduziu-se o regime de metas de inflação. Chegou-se, assim, ao desenho final do tripé macroeconômico: superávit nas contas públicas; taxa de câmbio flutuante; e metas de inflação. E incluídas as privatizações.

O tripé está incorporado à cultura econômica, embora diversos governos posteriores tenham tentado quebrar alguma perna. Lula, que seguiu o modelo em seu primeiro mandato, agora investe contra as metas de inflação e não gosta nada de cortar gastos para fazer superávit.

Uma pena. Deu tanto trabalho.

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