Eduardo Affonso
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Eduardo Affonso

Arquiteto e cronista

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Eduardo Affonso

Arquiteto e cronista

Sexta-feira, 6 de outubro de 2023. Amigos se encontram para o lançamento de “Trilhas sonoras — Tem vida que dava uma crônica”, do músico e dublê de cronista Oren Perlin. A dele rende muitas: sobre a árdua rotina num kibutz, o noturno salto de paraquedas no Sinai (contando os segundos como quem conta “os compassos que antecedem um acorde”), a pausa na batalha para acompanhar (numa TV em preto e branco, emprestada) a vitória do Brasil sobre a Polônia na Copa de 1978, o estudo de música na Califórnia, corridas matinais pela enseada de Botafogo.

Na apresentação do livro, o rabino Nilton Bonder menciona que “a ausência de ruídos, mesmo quando descreve guerra e combate, encaminha o leitor para um tempo silencioso e próprio”. Carlos Eduardo Novaes sugere que a obra fique, na estante, entre o cronista Rubem Braga e o correspondente de guerra Ernest Hemingway. “Trilhas” é, principalmente, um livro sobre a paz — a persistente construção da paz, desde os primeiros chalutzim que fizeram Israel renascer no deserto.

Estávamos ainda às voltas com os irascíveis garçons do Bar Lagoa, na celebração pós-lançamento, quando, a 10 mil quilômetros dali, na manhã de shabat, o silêncio sempre efêmero da paz foi rompido por uma carnificina. Cerca de 3 mil foguetes atingiram Israel, e centenas de terroristas armados invadiram o país, matando quem encontrassem pela frente: famílias em suas casas, soldados em suas bases, jovens num festival de música. Findo o massacre, os assassinos retornaram a Gaza, levando cerca de 250 reféns, deixando mais de mil mortos e um rastro de estupros, torturas, horror. Tudo documentado — e orgulhosamente exibido depois — pelos próprios criminosos.

Num plot twist que, na ficção, soaria inverossímil, essas cenas (disponíveis na internet, para quem tiver estômago forte) foram convenientemente esquecidas. Condenou-se, desde então, a reação (violenta, desproporcional) dos que buscam resgatar os seus, levados como objeto de barganha. Seriam estes — as vítimas — os bárbaros.

Capa do audio - Linha Aberta - Carlos Alberto Sardenberg

Não. Barbárie é o que houve naquele 7 de outubro. É usar 2 milhões de pessoas como escudo humano, aumentando deliberadamente o número de “mártires” a cada operação de resgate ou ataque a alvos militares —perversamente escondidos em escolas e hospitais. Quase 40 mil palestinos foram mortos — entre terroristas, simpatizantes e inocentes (estes, possivelmente, a grande maioria). Para o Hamas, não são vidas perdidas, mas “sacrifícios necessários”.

O massacre tem data para terminar: quando forem libertados os reféns (a respeito dos quais a esquerda, tradicional defensora dos direitos humanos, vergonhosamente silencia) e aceita a solução de dois Estados — com o reconhecimento de Israel. Quando os senhores da guerra — confortavelmente instalados a prudente distância da terra arrasada — abrirem mão do terror como arma política.

A esquerda brasileira — coberta de razão — protesta contra o absurdo retrocesso na lei do aborto, que pode levar a vítima de estupro a receber pena superior à do estuprador. E não se dá conta de que é assim que procede em relação a Israel.

Só haverá paz quando se entender que a guerra não é entre judeus e palestinos, mas de palestinos e judeus contra o terrorismo — este, sim, o responsável pela barbárie, pela trilha de mortes e gritos de dor.

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