Um relatório elaborado pela Polícia Federal aponta que a Lava-Jato atuou de forma irregular para direcionar R$ 2,5 bilhões a uma fundação privada que seria gerida por integrantes da força-tarefa. O documento sigiloso consta na correição instaurada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o funcionamento da 13ª Vara de Curitiba, onde atuava o então juiz Sergio Moro na época da operação.
O documento foi usado para ajudar a embasar a apuração levada adiante pelo CNJ. Para a PF, o ponto de partida foi a abertura de um processo sigiloso, por Moro, para que valores oriundos de multas e acordos de leniência de empresas alvos da operação fossem repassado para a Petrobras.
“Foi feita especificamente para permitir o repasse não questionado de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência para a conta da Petrobras, alimentando a empresa com dinheiro dos acordos”, diz o documento.
O documento também afirma que esses valores foram depois “redirecionados dos cofres da companhia para atendimento do interesse de terceiros (fundação privada a ser criada e um grupo restrito de acionistas minoritários). Isso se deu por meio de uma associação entre juízo, a própria Petrobras, autoridades americanas e procuradores da força-tarefa, que culminou na homologação, pela magistrada Gabriela Hardt, de um acordo de assunção de compromissos entre a força-tarefa e a companhia”.
A PF pontua ainda no relatório que a criação da fundação privada que os integrantes da força-tarefa pretendiam criar - e para onde seriam destinados os valores dos acordos - só não foi concretizada por motivos alheios à vontade deles:
“Os objetivos da fundação que seria criada já indicavam que a constituição do ente privado e a gestão dos recursos seriam mais um expediente dentro de um conjunto de ações com foco no protagonismo pessoal, seja diretamente pelas repetidas exposições de alguns dos atores, seja indiretamente pelo fortalecimento do modelo de atuação da própria força-tarefa da Lava Jato, o que favorecia a projeção individual inclusive no campo político, em convergência com o fim primeiro da fundação que seria criada: a promoção da formação de lideranças e do aperfeiçoamento das práticas políticas. A pessoalidade de todo esse esforço foi posteriormente concretizada pela migração do então juiz Sérgio Moro e do então procurador Deltan Dallagnol para a atividade político-partidária.”
Em nota, Sérgio Moro informou que o “fato objetivo descrito no relatório é que foram devolvidos diretamente de contas judiciais da 13a Vara de Curitiba para a Petrobras, vítima inequívoca dos crimes apurados na Operação Lava Jato, cerca de R$ 2,2 bilhões, sem que nenhum centavo tenha sido desviado. Idêntico procedimento foi adotado pelo STF à época”.
“O juiz Sergio Moro deixou a 13 Vara em outubro de 2018, antes da constituição da fundação cogitada para receber valores do acordo entre a Petrobras e autoridades norte-americanas e jamais participou da discussão ou consulta a respeito dela. A especulação de que estaria envolvido nessa questão, sem entrar no mérito, não tem qualquer amparo em fato ou prova, sendo mera ficção”, disse, no comunicado.
Assim como Hardt, que sucedeu Moro, o corregedor-nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão afastou dois juízes de Curitiba e dois desembargadores do TRF-4 (Tribunal Regional Federal), nesta segunda-feira. Para o magistrado, o afastamento era necessário pois "contribui para o bom andamento das apurações" administrativas e judiciais e afasta a possibilidade de eles "exercerem indevida influência ou vulneração de provas e manipulação de dados".
Também em nota, a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) manifestou “preocupação” com a decisão do CNJ e reiterou e reafirmou que a independência judicial é essencial e necessária sempre e em toda situação, pois é ela que garante aos cidadãos a integridade do sistema judicial.
“Magistrados só devem ser afastados nos casos de expressa violação às vedações constitucionais: o exercício de outros cargos ou funções, o recebimento de vantagens pessoais e a dedicação a atividade político-partidária. Afastamentos em resposta a atos de jurisdição não se justificam, menos ainda quando baseados em fatos passados, já consolidados, que não podem ser alterados no momento”, informou, no comunicado.
O relatório traz como hipótese criminal o suposto cometimento de “peculato/desvio”, com o apontamento para a necessidade de aprofundamento das investigações na “seara adequada”. No texto, é mencionado que, entre 2016 e 2019, Moro, Hardt e Dallagnol “atuaram para promover o desvio”, com auxílio de agentes públicos americanos e de gerentes e representantes da Petrobras dos cerca de R$ 2.5 bilhões. O valor, destinado originalmente ao Estado brasileiro, seria encaminhado a criação da fundação “voltada ao atendimento a interesses privados”.
O documento faz parte do procedimento administrativo que tramita no CNJ e não tem implicações criminais. O resultado final da correição na 13ª Vara de Curitiba será enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).