Um novo estudo feito pela Universidade de São Paulo (USP) e publicado na revista científica Nature Reviews Endocrinology alerta para a importância da alimentação materna saudável durante a gestação. Tanto a insuficiência quanto o excesso alimentar durante a fase do desenvolvimento do feto podem causar doenças metabólicas, como hipertensão ou obesidade, na fase adulta da vida da criança.
O desequilíbrio causa alterações no tecido adiposo, a "gordurinhas" do corpo materno. Por muitos anos, especialistas consideraram esse tecido apenas como um repositório energético, no qual a gordura ficava armazenada até precisar ser usada. Porém, foi descoberto que o tecido adiposo também produz hormônios importantes para o controle do metabolismo, como a leptina e a adiponectina. Sendo ambos os personagens principais na intermediação entre a saúde materna e o desenvolvimento fetal dos seus filhos.
Ao GLOBO, o autor da pesquisa, José Donato Júnior, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) aponta que o conceito chave para entender como esse processo acontece é a programação metabólica.
— Durante períodos críticos do nosso desenvolvimento nosso organismo está em formação, tudo que acontece afeta o futuro da criança. Do ponto de vista negativo, vários estudos em seres humanos e animais, provaram que dependendo do estado metabólico materno e paterno, mas principalmente o da mãe, a formação dessa criança em gestação se altera — explica.
Segundo o pesquisador, filhos de mães pouco nutridas tendem a terem organismos "econômicos", com tendência a pouco gasto energético no metabolismo. Por isso, podem nascer abaixo do peso ideal Ao serem inseridos em um ambiente com fartura depois de adulto, eles podem engordar com maior facilidade por comer excessivamente.
Enquanto filhos de mães com diabetes gestacional, por exemplo, a mãe tem muita glicose no sangue e isso vai direto para o bebê. Por chegar em quantidades excessivas, os receptores param de trabalhar. O que cria resistência aos hormônios leptina e a adiponectina.
— Podemos prevenir isso controlando o estado metabólico das mães. Idealmente essa mulher não entra na gestação obesa, consegue controlar o açúcar com remédio, dieta e exercícios, pois precisa evitar o ganho de peso excessivo — aconselha.
Mudanças epigenéticas
O artigo retrata a influência direta da leptina no início da vida do bebê, com altas probabilidades desse hormônio programar o metabolismo, ao controlar o desenvolvimento de neurônios que regulam o balanço energético e induzir alterações permanentes no paladar. Como passa a escolher alimentos hiperpalatáveis (ultraprocessados, que com seus corantes, possuem um sabor forte) e diminuindo o gasto energético.
Por outro lado, a adiponectina influencia o corpo da mãe, na placenta, ao regular quanto o feto será exposto a nutrientes. O que consequentemente, cria um efeito dominó no saúde da criança, pois age no metabolismo e pode "abrir espaço" para uma predisposição a doenças.
A influência desses dois hormônios causam as chamadas mudanças epigenéticas, ou seja, eles criam modificações bioquímicas nas células seja por estímulos ambientais ou no silenciamento de genes sem provocar mudanças estruturais no genoma original do indivíduo.
"Preencher essa lacuna de conhecimento é particularmente relevante no que diz respeito às alterações epigenéticas em órgãos que controlam o metabolismo, como o cérebro, o tecido adiposo, o fígado e os músculos. Entender e identificar os mecanismos específicos afetados pela sinalização de adipocinas que levam à programação metabólica são de fundamental interesse para orientar o desenvolvimento de estratégias futuras para prevenir e tratar a obesidade, diabetes e suas inúmeras comorbidades", completa o pesquisador da USP, em entrevista à Faperj.
Importância da prevenção
Para Donato, o que precisa ser mudado atualmente é a forma como o controle metabólico, feito com um acompanhamento do médico obstetra, precisa ganhar uma maior relevância.
— Talvez a sociedade não dê a devida atenção, mas existe uma permissividade em comer qualquer coisa durante a gravidez, porque ninguém quer "mexer" com as escolhas da mulher nessa fase tão importante. As recomendações de não beber e não fumar são muito visadas, a gente não vê essa mesma recomendação tão enfaticamente sobre a alimentação, mesmo que isso cause um impacto na criança — enfatiza.
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