Saúde
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Por — Rio de Janeiro

Desde o dia 1º deste mês, as regras na Alemanha mudaram: cidadãos podem cultivar a planta Cannabis e andar com até 25 g de maconha sem desrespeitar a lei. A partir de julho, “clubes” poderão comercializar a droga, que passou a ser legal no país. O cenário pode causar estranheza a moradores de lugares como o Brasil, onde até mesmo o cultivo da planta para fins medicinais é proibido, mas acompanha um movimento que ganhou força pelo mundo nas últimas décadas.

Levantamento feito pelo GLOBO, com base nos anúncios de governos e informações do Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Dependência de Drogas, mostra que, com a medida alemã, passa a ser 5 o número de países que tornaram a maconha legal. Após a liberação pioneira em 2013 pelo Uruguai, Canadá, em 2018, Malta, em 2021, e Luxemburgo, em 2023, também adotaram regras semelhantes.

Considerando formas distintas de descriminalização e de legalização, desde os anos 1980 ao menos 25 países flexibilizaram a visão sobre a Cannabis. A maioria, 17, alteraram as regras a partir de 2010, mostrando que o olhar é crescente sobre o assunto. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga um recurso, que no momento tem cinco votos favoráveis e três contrários, que pode descriminalizar o porte da maconha para consumo, ainda que a venda e o cultivo, por exemplo, permaneçam ilegais.

— A descriminalização trata apenas do aspecto da punição, o Estado deixa de punir quem faz o uso que, até então, era considerado crime. Já a legalização aborda não apenas a pena, mas de que forma será produzido, comercializado, quem terá acesso, se terá algum imposto, como os órgãos competentes irão atuar e outros aspectos que sejam relevantes para organizar o mercado que até então era restrito ao tráfico — esclarece Henderson Fürst, presidente da Comissão de Bioética da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP).

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No entanto, em meio ao avanço das medidas que tornam o acesso mais brando à maconha, também crescem as evidências que apontam os riscos do uso contínuo e em grandes quantidades, especialmente para os sistemas cardiovascular, pulmonar e neurológico. Especialistas defendem que, seja a droga liberada ou não, é importante abordar esses efeitos para reduzir o consumo, sobretudo entre os jovens, que são mais vulneráveis aos danos.

— Uma liberação pode ter o efeito benéfico de quebrar a espinha dorsal do tráfico, que é causa de tanta violência, e abrir uma discussão do ponto de vista de saúde pública que, a meu ver, vai ser mais à vontade para nós médicos inclusive. Mas do ponto de vista clínico, a maconha é uma preocupação em qualquer situação, legalizada ou não. Atendo muitos pacientes que são usuários e surgem com problemas respiratórios — diz Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

Quais os riscos do uso de maconha?

Assim como ocorreu no final do século passado com o tabagismo, a observação de pacientes que acumulam anos de exposição à maconha tem começado a revelar riscos até então pouco conhecidos. Um deles é o impacto no sistema cardiovascular, explica Humberto Graner, membro do Conselho de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Em fevereiro, um dos maiores trabalhos sobre o tema, conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos, analisou informações de 434,1 mil americanos e descobriu que 4% da população relatava consumir diariamente a droga.

Ao compará-los com os que não faziam uso da maconha, observaram um um risco 25% maior de sofrer um ataque cardíaco e 42% maior de passar por um derrame – efeitos que foram comparáveis aos do cigarro convencional. O trabalho foi publicado na revista científica da Associação Americana do Coração.

— Descriminalizar não quer dizer que é algo isento de riscos, o cigarro e a bebida alcoólica causam muitos danos e são drogas legalizadas. Sobre a maconha, estamos entendendo um pouco mais dos efeitos, sobretudo no sistema cardiovascular. Ela pode causar aumento da frequência cardíaca em repouso, elevações na pressão arterial, alterações no fluxo sanguíneo, o que aumenta esses riscos cardíacos. São evidências que têm aflorado na última década e que destacam que esse impacto deletério é dose-dependente, quem fuma todo dia vai pagar um preço maior — diz Graner.

João Brainer, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e vice-diretor do diretório científico de Neurologia Vascular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), afirma que há também um risco elevado para acidentes vasculares cerebrais (AVCs), uma das principais causas de demência vascular:

— A Cannabis perturba o sistema endotelial, é como se fizesse pequenas abrasões nos vasos sanguíneos, especialmente os intracranianos, que elevam o risco de AVC. Além de poder desencadear quadros de arritmias, que também aumentam o risco.

Além do coração, Dalcolmo lembra que, embora seja considerada por vezes menos danosa aos pulmões do que o tabaco convencional, a maconha fumada também causa danos ao órgão, elevando o risco de doenças crônicas que levam a um impacto significativo na qualidade de vida.

— Você carbura o papel, que já é muito tóxico, carbura o alcatrão e todas as outras substâncias que, igual ao cigarro convencional, são colocadas para dentro do pulmão a 600ºC de temperatura. Do ponto de vista da arquitetura pulmonar, o dano é igual. A única coisa que, pelo que sabemos até agora, a maconha não causa câncer de pulmão. Mas as doenças pulmonares obstrutivas crônicas, enfisema e bronquite, são provocadas da mesma maneira — diz a pneumologista.

Mais jovens em maior risco

Um dos impactos que mais preocupa os especialistas, porém, é aquele que é de maior risco entre os jovens, o neurológico. O alerta não é à toa: segundo o último Relatório Mundial sobre Drogas, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, cerca de 5,3% dos jovens entre 15 e 16 anos no mundo eram usuários em 2021.

O percentual é superior ao observado na população geral, de 4,27%, que engloba um total de aproximadamente 219 milhões de pessoas consumindo a droga - número 21% acima do registrado uma década antes, em 2011.

No relatório, o órgão da ONU destaca que “o cérebro do adolescente ainda está se desenvolvendo” e que “o início precoce do uso de drogas pode levar ao desenvolvimento mais rápido da dependência do que em adultos e a outros problemas na idade adulta”.

— Sabemos que o uso da maconha é de maior risco quando ele é muito precoce, abaixo dos 18 anos. Para adolescentes, crianças, há evidências mostrando que pode aumentar o risco de desenvolver uma psicose, de quadros de esquizofrenia — diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Unifesp que trabalha com dependentes químicos há 40 anos.

No ano passado, pesquisadores do Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA analisaram dados de mais de seis milhões de dinamarqueses num período de cinco décadas e apontaram que até 30% dos casos de esquizofrenia que ocorreram entre homens de 21 a 30 anos em 2021 podiam ser atribuídos ao transtorno por uso de Cannabis.

Brainer explica que a maconha pode desencadear e levar a sintomas mais graves e mais recorrentes especialmente entre aqueles com predisposição genética à esquizofrenia. Mas destaca que há riscos neurológicos que vão além do uso pelos mais jovens, avançando por todas as faixas etárias.

— Existe um potencial em relação ao risco para o feto, parece que o uso por mães durante a gestação leva a uma tendência maior de crianças apresentarem problemas como epilepsia, declínio cognitivo, atraso de desenvolvimento, paralisia cerebral no futuro. E, em todas faixas etárias, o uso contínuo também parece acelerar a perda neuronal e, consequentemente, o declínio cognitivo. Isso é natural a partir dos 50, 60 anos, mas quando temos o abuso da maconha é acelerado e agravado. Em outros pacientes com perfil psiquiátrico, como transtorno bipolar afetivo, também pode piorar os sintomas — diz.

Para Xavier da Silveira, porém, um temor da maior liberação da maconha, que era o uso crescer entre jovens, não se concretizou. Dados mais recentes dos EUA, onde desde 2023 mais da metade da população vive num estado onde a droga é legalizada, mostram que o percentual de alunos do último ano do ensino médio que relataram ter usado maconha no ano anterior permaneceu estável com o avanço das legalizações, em cerca de 35%.

Além disso, o número caiu desde a pandemia, chegando a 29% no ano passado. Em 2012, por exemplo, ano em que os primeiros estados americanos liberaram a droga, era de 36,4%. Em 1979, foi registrado o pico de 51%, segundo o levantamento anual Monitoring The Future, da Universidade de Michigan.

— O Brasil é um modelo em redução de danos com o cigarro, tínhamos uma população monstruosa de fumantes, e é uma droga legal. É difícil falarmos em prevenção de uma droga ilícita. Você discutir o que é o uso problemático é algo fácil com o álcool, que é legalizado. Mas como você vai discutir o que caracteriza esse uso com jovens, por exemplo? — diz o psiquiatra.

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