Saúde
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Por — Rio de Janeiro

O pai de Theresa MacPhail morreu aos 47 anos após uma reação alérgica à picada de abelha, mas curiosamente não foi isso que levou a antropóloga médica especializada em saúde pública global a escrever um livro sobre alergias cerca de duas décadas depois, quando chegou à mesma idade que o pai tinha na época em que faleceu.

— É um pouco surpreendente para as pessoas que a morte de meu pai não tenha despertado esse interesse imediatamente. Mas eu era jovem, tinha apenas 24 anos — diz a professora do Stevens Institute of Technology, nos Estados Unidos, e autora do recém-lançado “Alérgicos: Como nosso sistema imunológico reage a um mundo em transformação” (Editora Best-Seller).

Na obra, MacPhail faz um retrato completo sobre as alergias: o que são, por que acontecem, por que cresceram – a estimativa é que de 30% a 40% da população mundial tenha hoje um diagnóstico –, quais os impactos econômicos e sociais e as perspectivas para o futuro.

Em entrevista ao GLOBO, a autora detalha suas principais descobertas, resultado de conversas com dezenas de cientistas e pacientes, e conta como entrar no mundo das alergias a ajudou a ficar em paz, tantos anos depois, com a morte do pai.

Você começa seu livro contando a história da morte do seu pai por uma reação alérgica, mas não foi isso que a motivou a pesquisar o tema. De onde surgiu esse interesse?

É um pouco surpreendente para as pessoas que a morte de meu pai não tenha despertado esse interesse imediatamente. Mas eu era jovem, tinha apenas 24 anos. Foi um choque tão grande que eu não passei muito tempo pensando em por que ele tinha morrido quando milhares de pessoas são picadas todos os anos e ficam bem.

Anos depois, quando já estava mais velha, comecei a ficar doente com bastante frequência. Na quarta ou quinta vez, estava com uma infecção realmente séria, e o médico me encaminhou para um especialista. O otorrino disse que eu tinha uma alergia, o que foi uma novidade porque eu nunca tive nada do tipo.

Então comecei a falar sobre o assunto com amigos e familiares e descobri que tantas pessoas têm suas próprias histórias com alergias, que é um problema muito maior do que eu pensava. E por que não estamos falando sobre isso?

Comecei a procurar informações sobre quantas pessoas têm alergias, o que são, se asma conta, se intolerâncias são a mesma coisa, mas nada era escrito para o público em geral, apenas artigos médicos. Então um amigo me lembrou que eu era uma pesquisadora e decidi começar essa jornada.

Uma das coisas que você descobriu é que a própria definição de alergias não é tão clara. Afinal, o que são alergias?

Eu cometi o erro de pensar que isso seria a parte mais fácil da pesquisa. A alergia é algo chamado de resposta tipo 2 do sistema imunológico. As doenças autoimunes, por exemplo, são um tipo diferente de resposta, e nossa reação a algo como o vírus da Covid é também um outro tipo. Mas o que confunde as pessoas é o que difere uma alergia, uma sensibilidade e uma intolerância.

Numa alergia, as células imunológicas se ativam, elas agem contra algo inofensivo da mesma maneira que agiriam se entrassem em contato com um vírus, um parasita, uma bactéria. Em uma sensibilidade, você pode ser propenso à resposta alérgica, mas isso não quer dizer que tenha de fato a alergia. Então quando você faz um teste na pele, você está testando essa sensibilidade, mas ele apenas ajuda um alergista a entender sua situação.

Você pode ter uma alergia esperando para acontecer, mas por enquanto suas células estão aguentando. E as pessoas ficam confusas quando recebem um diagnóstico tarde. Você tinha uma sensibilidade, e seu corpo estava tolerando, mas agora não está mais. Só que não sabemos por que exatamente isso muda.

No caso da intolerância, especialmente na alimentar, os sintomas podem ser semelhantes aos de uma alergia, mas a diferença é que uma reação biológica diferente está acontecendo que não envolve as células imunológicas. Para pessoas com sintomas que não podem ir a um alergista, pode ser muito difícil definir com precisão esse diagnóstico.

As estimativas apontam que de 30% a 40% da população mundial tem uma alergia. No seu livro, você cita um aumento nos últimos anos. Quais são os motivos?

Os pesquisadores me disseram: "tudo o que fizemos nos últimos 200 anos". Nosso estilo de vida mudou completamente, mas a biologia não mudou no mesmo ritmo porque a evolução humana é muito lenta. Nosso sistema imunológico foi treinado há milhares de anos num ambiente que agora é completamente diferente.

A maioria de nós vive em áreas urbanas, mudamos drasticamente nossas dietas. Graças à poluição do ar, estamos respirando partículas finas que são tão pequenas e estão chegando fundo em nossos pulmões e os irritando. Há plástico com o qual nossos corpos nunca tiveram que lidar antes em nossas roupas, nas coisas que usamos para cozinhar nossa comida, em tudo.

E outra grande mudança é que começamos a tomar antibióticos, o que afetou as bactérias que vivem em nosso intestino e em nossa pele. Tomamos por uma boa razão, mas essas bactérias treinam nossas células imunológicas.

Um aspecto abordado na sua pesquisa que é pouco falado são as repercussões financeiras das alergias. Pode explicar mais sobre?

Não há diferença na predisposição racial para alergias, a biologia é a mesma, mas quando você olha para quem está recebendo tratamento, aqui nos EUA, por exemplo, crianças negras e hispânicas são subdiagnosticadas

Existem várias razões para isso, e uma delas é o acesso aos cuidados de saúde. Se mal está conseguindo se manter e tem sintomas, você pode não conseguir ir a um especialista, que é a melhor pessoa para lidar se você tiver asma, eczema ou uma alergia alimentar grave.

Outra coisa é que, ao lidar com eczema, até recentemente muitos dos problemas de pele eram focados na pele branca. Se você tiver uma pele mais escura, você pode ser diagnosticado incorretamente simplesmente porque o médico não foi treinado em todos os tipos de pele. Estamos começando a mudar isso, mas é algo histórico.

E quanto aos tratamentos, alergias são caras, especialmente os mais novos e eficazes. O Xolair, anticorpo que acabou de receber aprovação da FDA para alergia alimentar em crianças, custa 1,5 mil dólares por dose (cerca de R$ 7,5 mil). O Dupixent, outro medicamento inovador, custa 5 mil dólares (R$ 25 mil). Isso é para um suprimento de um mês.

Sem eles, você fica preso a alternativas como esteroides, que são importantes, mas também podem causar muitos danos ao mesmo tempo. E uma alergia alimentar também é cara porque você não pode simplesmente comprar qualquer coisa no supermercado. Normalmente, os alimentos sem alérgenos são duas a três vezes mais caros.

E os impactos sociais?

Ter uma alergia é frequentemente associado a ser fraco, não ser fisicamente robusto. Mas é exatamente o oposto. Qualquer pessoa com alergia tem uma resposta super forte do sistema imunológico, apenas à coisa errada. Mas quando você vê filmes, se quiserem mostrar que alguém é um nerd, não é popular, eles dão uma alergia alimentar para o personagem, o colocam para usar um inalador.

Isso causa danos socialmente porque há alguns mal-entendidos sobre o que são alergias, e do outro lado há muitas pessoas que zombam das alergias como se não fossem reais ou sérias. E estamos falando de pessoas que podem ter uma qualidade de vida inferior. Quando você está em crise, isso afeta seu humor, sua vida social, seu trabalho, sua vida inteira muda. E pessoas com alergias graves têm um risco maior de depressão.

Estamos avançando no combate às alergias?

Todos com quem conversei trabalhando em alergias têm muita esperança. Uma coisa é que temos melhores tecnologias que nos permitem estudar o sistema imunológico com mais precisão do que nunca. É ótimo ver esses novos medicamentos que são mais seguros, mas a melhor coisa seria não ter alergias.

Existem algumas pessoas olhando para células T e B, que são parte do sistema de memória de nossa resposta imune, e pensando "e se pudermos redefini-las para que esqueçam que não gostam de amendoim". Então você seria capaz de apagar sua memória e depois reintroduzir o amendoim como algo bom, e talvez isso funcione para tratar permanente essa alergia.

Essas coisas me dão mais esperança, mas entender o sistema imunológico é realmente o problema. Não entendemos a tolerância. Na verdade, faz mais sentido que nossas células imunológicas respondam às coisas de fora, não sabemos porque em pessoas sem alergias isso não acontece, por que a maioria de nós tolera pólen muito bem por exemplo.

Se pudermos desvendar esse quebra-cabeça, seremos capazes de nos livrar das alergias. Mas os cientistas dizem que isso está pelo menos a 20, 30 anos de distância.

A pesquisa te ajudou a entender melhor a morte do seu pai?

Quando comecei a pesquisar e pensar sobre minhas alergias, imediatamente pensei no meu pai. Uma das primeiras perguntas era se tinha uma relação do meu diagnóstico com o dele e queria entender melhor por que ele morreu de uma picada de abelha. Acabei descobrindo que sabemos muito poucos sobre o que leva a essas reações desproporcionais da resposta imune.

Mas o livro me ajudou a ver que meu pai era apenas uma vítima de viver no mundo moderno, assim como todos nós. Ele teve a má sorte de nascer com um sistema imunológico super forte que reagiu à coisa errada. Há muitas coisas acontecendo conosco que não podemos evitar, poluição do ar, plásticos em nossa comida, é um problema coletivo.

Achamos que sabemos o que estamos fazendo com o mundo, mas as alergias nos mostram que não entendemos realmente os efeitos sobre nós. E o sistema imunológico também está envolvido em outras doenças. Estamos vendo um aumento de doenças autoimunes, pessoas cada vez mais jovens desenvolvendo câncer. Tudo está interligado, é um sinal de uma crise que acontece agora, não daqui a 30 anos.

Você já está pesquisando seu próximo livro, que será sobre envelhecimento. Pode falar um pouco sobre ele?

Tenho 52 anos e estou frustrada porque a única coisa que leio sobre envelhecimento é "não envelheça". Supostamente, devo fazer exercícios, comer melhor e fazer todas essas coisas para "parar de envelhecer", que são importantes, mas apenas cerca de 30% a 40% de como envelhecemos é comportamental. O restante envolve genética e ambiente.

Sinto que há muita pressão sendo colocada nas pessoas em termos de comportamento, o que causa muita ansiedade e culpa. E as pessoas que não podem se dar ao luxo de fazer tudo que é recomendado?

Além disso, estamos fazendo todas essas pesquisas tentando expandir a vida, mas acabamos de falar sobre o quão caros são os tratamentos para alergias. Então, minha pergunta é, para quem é realmente essa ciência? Vamos todos viver bem até os 250 anos, ou será apenas Elon Musk?

E ainda nem sabemos ao certo por que envelhecemos. Não entendemos por que um tubarão pode viver por 500 anos, mas um rato apenas dois. O aspecto genético disso, os processos por trás. Ao mesmo tempo, estamos obcecados em "curá-lo".

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