É fácil desistir dos nossos sonhos

É fácil desistir dos nossos sonhos. O Contardo Calligaris me ensinou uma das lições mais preciosas da minha vida e nunca ficou sabendo.

Foi em 2011, em um dia do qual eu não lembro de absolutamente nada além disso. Eu não lembro também porque a Folha de S. Paulo veio parar nas minhas mãos. Era tão raro ter um jornal de papel em casa. Era tão raro ter acesso ao jornal, mas naquele dia parecia que uma mensagem havia sido publicada exatamente para mim.

No texto, Contardo falava de Gil Pender, protagonista do filme "Meia Noite em Paris”, do Woody Allen. Nele, um homem quer deixar de escrever roteiros de sucesso para se dedicar a escrever um romance, mas tem um porém: o sonho é desprezado pela noiva, que gosta muito do sucesso do quase marido - aparentemente bem mais que ele - e nenhum pouco da insegurança financeira que esses novos rumos na carreira de Pender trazem para os dois. Foi aí que começou minha lição.

Contardo vai escrevendo nas linhas seguintes como o que emperra a vida é o presente, não a nostalgia. É a nossa vontade de preservar o nosso sonho de nós mesmos, daquilo que, quem sabe, não conseguiremos alcançar se tentássemos. "Nós adoramos nos conformar às expectativas que mais nos afastam de nossos sonhos", ele escreveu. 

Contardo, ali, me fez entender que Gil Pender não era um caso raro na humanidade. “Todos nós, em média, dedicamos mais energia à tentativa de silenciar nossos sonhos do que à tentativa de realizá-los. Desistindo de nossos sonhos, evitamos fracassar nos projetos que mais nos importam”, ele escreve já bem no finalzinho.

Calligaris é um bom exemplo daqueles que resolveram não silenciar os seus desejos. No final da década de 80, pegou suas malas e veio morar aqui, do outro lado do oceano, em um país em pleno desenvolvimento, recém-saído de uma ditadura militar e com uma complexidade quase tão grande quanto as suas desigualdades.

Contardo me ensinou uma das lições mais preciosas da minha vida e nunca ficou sabendo.