É impossível propor uma nova economia sem discutir política

É impossível propor uma nova economia sem discutir política

Quando a pauta é investimentos de impacto, pouco se fala sobre política. Em geral, é apontado apenas que o Estado deve ser mais atuante no fomento dos negócios e investimentos de impacto. Precisa comprar mais produtos e serviços oferecidos por negócios de impacto, promover incentivos fiscais e regulamentar o que são e o que não são negócios de impacto. Ou seja, mais uma pauta setorial, legítima, do que uma proposta econômica.

Essa semana presenciamos os últimos dias do Acampamento Terra Livre. Os povos indígenas reivindicam demarcação de suas terras e resistem ao julgamento do Marco Temporal e aos projetos de lei que permitem a mineração em suas terras e afrouxam o licenciamento ambiental e o uso de agrotóxicos. Poucas foram as pessoas integrantes do ecossistema de investimento de impacto que se posicionaram em relação a essas pautas.

Nesse governo de destruição de direitos, os povos indígenas são os que mais vêem sua dignidade ameaçada. Ao não demarcar as terras e permitir que o garimpo e o agronegócio cheguem até seus territórios, o que está sendo feito é a destruição de modos de vidas que garantem a sobrevivência desses grupos. O resultado é, como Eliane Brum sempre argumenta, a transformação de povos indígenas em pobres, que precisam viver às margens do sistema capitalista para garantir sua sobrevivência. 

O mais irônico é que os modos de vida que são constantemente ameaçados são justamente aqueles que viabilizam a nossa vida na terra. São povos que vêem a natureza como parte integrante de suas vidas, e não como recursos. São povos que se inserem ativamente na luta contra a emergência climática. Fazem isso porque sabem que nós, humanos, não temos muito o que fazer se as condições naturais se modificarem muito.

Também semana passada saiu o relatório do IPCC (relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). A cada relatório que é divulgado, tomamos mais consciência de que a situação na qual estamos não é somente crítica, é urgente. Quando um desses relatórios é publicado há alguma discussão sobre combustíveis fósseis e descarbonização da economia, mas pouco sobre os caminhos para desenvolver as soluções. Parece que existe uma confiança de que a tecnologia e o desenvolvimento de novos produtos e serviços darão conta do recado. 

Esquecem que para promover o desenvolvimento de novos produtos e serviços é necessário ter uma priorização explícita de um ou de outro modo de produção. Quando vemos pautas voltadas para o afrouxamento de regras para o uso de agrotóxicos e para o licenciamento ambiental e a mineração, inclusive em áreas que não são permitidas atualmente, o que está sendo priorizada é a economia de alta emissão de carbono.

Portanto, não podemos ter ingenuidade, a solução para a urgência climática não virá do mercado, virá da política. Virá da priorização de modos de vida que preservam a natureza, como os dos povos indígenas. E por isso precisamos saber muito bem com quem nos aliar. Isso não significa tratar como inimigo todo mundo que pensa diferente como nós, mas ser capaz de nos posicionar frente às pautas que estão em jogo e apoiar aquelas que vemos como fundamentais para a construção de uma nova economia que promova a dignidade humana e uma relação equilibrada com a natureza.

Paula Fiuza, fundadora da É Circular.

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