É O ESPIRITO QUE DEVE MOVER-SE E NÃO A OBRA!
“É a bola que deve correr e não o homem” dizia Mestre Didi.
Entre tantas telas de vídeo e de computador e entre tantos “efeitos especiais” nas salas de arte contemporânea, muitas vezes sinto saudades das obras estáticas – extáticas - que solicitam um olhar contemplativo... Não é o espírito que deve correr ao invés da obra?
Claro que a sociedade vai mudando e que novas técnicas e tecnologias originaram sétimas, oitavas e enésimas artes, entretanto essas novas formas de comunicação apesar de também fabricarem imagens são coisas diferentes da arte plástica. Esta por sua vez, querendo incorporar recursos do cinema, da música, da cenografia, ou tentando imitar os procedimentos das ciências exatas, acaba se afastando seus próprios fundamentos e esquecendo sua especificidade.
Que fim levou o ato de contemplar? Aquela atitude do olhar e da atenção que durante tantos milênios permitia um suporte material imóvel se encher de vida e de sentido.
Aonde foram parar aqueles objetos mágicos, aqueles concentrados de ideias, de sentimentos, de vivencias? Objetos grandes ou pequenos; bi ou tri – dimensionais que sob a ação do nosso olhar se transformavam em janelas abertas para um mundo inteiramente novo?
Talvez eles pareçam sumidos por que nós não os olhamos mais.
Escaldado pela enxurrada de imagens industriais que nos inunda ininterruptamente, nosso olhar tornou-se demasiadamente apressado e pragmático. Ele não vê mais. Nós reconhecemos, identificamos – lemos - as imagens; não as contemplamos mais. As salas de arte hoje evocam mais um barulhento supermercado que um templo – um lugar sagrado. No meio dessa agitação a obra de arte não consegue se oferecer a um encontro íntimo.
Nós não fechamos os olhos para apreciar uma música? Não pedimos silencio para ouvir uma poesia?
Com a arte plástica é a mesma coisa. Se quisemos realmente vê-la temos que lhe consagrar um olhar atento; concentrado. Temos que nos colocarmos diante dela calmamente; sem pressa... Temos que abrir dentro de nós um cantinho para recebê-la; como se preparássemos em nossa casa um quarto para um hóspede que ainda não conhecemos.
Aí então ela nos responderá. Ela começará a mover-se; a vibrar e a regurgitar de vida. Ela começará a revelar suas analogias, suas rimas e seus ritmos. Irradiando sua energia ela transformará o espaço que a circunda. Solicitando tanto nossas sensações físicas quanto nossos pensamentos, ela nos conduzirá mais à meditação que a reflexão e fará do tempo sua quarta dimensão, fazendo ressoar passados distantes e possíveis futuros, para nos mergulhar no tempo que lhe é próprio: aquele tempo fora do tempo; aquele tempo imóvel que desafia a efemeridade da vida.
E como é que um artista poderia hoje captar o olhar de seus próximos e leva-lo a uma atitude contemplativa, assim restaurando essa maneira de ver?
Esta é a minha questão. É o que busco em minhas esculturas, pinturas e até em meus vídeos. Vídeos que são como quadros animados tendendo à imobilidade pelo intermédio de um tempo cíclico e de uma saturação de informações em cada fotograma.
Quando trato as linguagens corporais brasileiras, assunto central em meu trabalho, gestos, posturas e portanto movimento, a representação permanece imóvel. Mas ao contrário da fotografia que congela uma fração de segundo, aqui múltiplos instantes se superpõem, deixando transparecer a gênese, o desenvolvimento e a conclusão do gesto tratado. Gesto observado, mas também compreendido por meu próprio corpo que o experimentou e que se lembra. Gesto indissociável da minha maneira de ser e de ver – brasileira – negra e índia tanto quanto branca e que os “mâitres–à– bouger” de nossa cultura mestiça perpetuam, transmitindo de geração à geração a arte de fazer a bola correr... Bem como o espírito!