É PARA ENTENDER OU PARA VIVER?
"Decifra-me ou te devoro". Esse era o desafio da Esfinge de Tebas. Ela eliminava aqueles que se mostrassem incapazes de responder a um enigma: "Que criatura tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde?". Todos os que ensaiaram a resposta haviam sido estrangulados. Édipo acertou: "É o ser humano! Engatinha quando bebê, anda sobre dois pés quando adulto e recorre a uma bengala na velhice".
Curioso este conto da Mitologia na medida em que associa a vida ao mistério. Um mistério que muitos morrem sem decifra-lo, sem compreende-lo e até sem vive-lo dignamente. O devorar da Esfinge, em minha leitura, é o passar dos anos onde a juventude exuberante vai gradativamente cedendo lugar a um ritmo mais compassado.
As letras teimam em diminuir diante das retinas cansadas. Segundo diz o filosofo Leandro Karnal, ‘incorporamos palavras complexas ao vocabulário: presbiopia, estatinas, colonoscopia’. A nécessaire de remédios aumenta a cada ano. Nos chamam respeitosamente de ‘senhor’ em todos os lugares embora só tenhamos quarenta ou cinquenta anos.
Como o decifrar vai muito além do compreender, nosso desafio é mais viver do que explicar a vida. E é óbvio que para viver , nós, obrigatoriamente, temos que fazer uma escolha: uma visão mais otimista ou um negativismo sombrio. Eu confesso que durante algum tempo, ainda que jovem na idade, aparentava ter dez anos a mais.
Meu jeito de me vestir, minha sobriedade em não dar muito sorrisos, as palavras que eu usava e o convívio com pessoas de mais idade foram me tornando um jovem idoso. E talvez pelo convívio, mais taciturno e cheio de pequenas manias.
Ultrapassada hoje a linha dos cinquenta anos eu decidi enxergar a vida, dada a muitas experiências recentes que me marcaram, de um jeito leve e otimista. Porque eu aprendi isso com o sábio, que embora tenha escrito tais palavras na melhor idade, as escreveu com uma poética linda que faz do processo da vida algo digno e honroso, não importa a fase dela. Salomão, no seu livro de Eclesiastes, assim narra o processo do envelhecer:
“Lembre-se do seu Criador nos dias da sua juventude, antes que venham os dias difíceis e antes que se aproximem os anos em que você dirá: "Não tenho satisfação neles";
antes que se escureçam o sol e a luz, a lua e as estrelas, e as nuvens voltem depois da chuva;
quando os guardas da casa tremerem e os homens fortes caminharem encurvados, e pararem os moedores por serem poucos, e aqueles que olham pelas janelas enxergarem embaçado;
quando as portas da rua forem fechadas e diminuir o som da moagem; quando o barulho das aves o fizer despertar, mas o som de todas as canções lhe parecer fraco;
quando você tiver medo de altura, e dos perigos das ruas; quando florir a amendoeira, o gafanhoto for um peso e o desejo já não se despertar. Então o homem se vai para o seu lar eterno, e os pranteadores já vagueiam pelas ruas.
Sim, lembre-se dele, antes que se rompa o cordão de prata, ou se quebre a taça de ouro; antes que o cântaro se despedace junto à fonte, a roda se quebre junto ao poço,
o pó volte à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o deu”.
Note a ligação que ele faz entre juventude e Criador. Porque a juventude pode ser passageira na cronologia do corpo e, no entanto, a alma imaterial, pode rejuvenescer a cada dia no contato com aquele que nos fez. Afinal, em se tratando de vida, importa muito mais como nos sentimos em relação a ela do que propriamente os diagnósticos médicos e medicamentos.
Para alguns uma simples febre já é presságio de algo terminal, enquanto que, para outros, uma limitação física é desafio de superação diário. No mistério da esfinge o ser humano é o enigma. Mas, ainda que eu e você tenhamos que lá na frente fazer uso de uma bengala, que seja com classe, como os antigos aristocratas de fraque, cartola e bengala com ponta de prata.
Honestamente eu acredito que entender a vida é muito difícil e prefiro deixar esta tarefa para Aquele que me fez á sua imagem e semelhança. Eu decido viver, e viver á sombra daquele que me ama, e tendo como aliada a alegria, pretendo chegar até onde for possível, mas com a postura de um Gene Kelly, ‘dançando na chuva’.
Caleb Mattos.