É preciso ter fé, até mesmo no busão.

É preciso ter fé, até mesmo no busão.

Não sou religiosa, mas me considero uma pessoa de fé. Por isso, achei a data propícia para compartilhar uma situação vivenciada esta semana e que me fez pensar muito sobre a fé da humanidade ou, melhor, na humanidade da fé.

Estava eu no busão a caminho de uma reunião na ZL (a zona leste de São Paulo). Pra variar, o coletivo tava lotado e, por isso, fiquei em pé ao lado de uma das portas, juntamente com outras 3 pessoas: 2 homens e 1 mulher. Até aí, nada de novo.

Eu tava de boa quando, de repente, certo diz-que-me-diz chamou minha atenção.

Um dos homens, que estava no degrau da porta, disse para a mulher escorada em um dos canos: Pode vir para o meu lugar; vem pra cá que eu vou pra aí.

Ela, visivelmente irritada, respondeu: Obrigada, mas não precisa não. Eu vou ficar aqui, porque isso aqui é um coletivo e as “pessoa” tem que “tê” educação.

Ele insistiu algumas vezes, mas ela continuou irredutível a repetir em voz alta: não vou sair; as “pessoa” tem que “tê” educação.

Como jornalista e amante da língua portuguesa aqueles pequenos erros de concordância, que o modo coloquial até aceita, não só gritaram aos meus ouvidos, bem como aguçaram minha curiosidade de repórter para o porquê da moça ter recusado tão incisivamente o gesto raro de cavalheirismo daquele homem. Daí, disfarçadamente (como se isso fosse possível com a minha pessoa), passei a prestar atenção no bate-papo dos dois.

Rapidamente descobri que ele é gaúcho, casado e está prestes a se aposentar. Quase toda a família está morando no Sul, para onde ele pretende se mudar com a esposa assim que a aposentadoria sair.  Já a mulher está separada – e Deus a livre de voltar com o marido. É mãe de uma moça “linda” de 17 anos, que vai fazer “Direito”. A mulher trabalha como designer de sobrancelhas e tem várias clientes no condomínio onde mora (eu sei qual é o condomínio e até o prédio, mas, por motivos óbvios, não vou contar, né?!).

Bom, passadas as apresentações iniciais, a mulher disse ao homem: Eu já tava com a mão pronta pra dar na cara dela. Ao que ele respondeu: Eu vi, por isso, falei pra você trocar de lugar comigo.

Bingo! Descobri o motivo da confusão. Outra moça, que estava fora do meu campo de visão (lembrem-se, o busão tava lotado), estava “espremendo” a mão da mulher contra o cano. Aliás, a tal moça só escapou da bofetada da mulher, graças à intervenção do homem.

É aqui que a fé entra na história e começa a minha divagação.

Entre as coisas que o homem contou para a mulher, estava o fato de que ele frequenta uma igreja evangélica pertinho da casa de ambos. Entusiasmadamente, ele convidou a mulher para visitar a tal igreja, da qual “jamais” sairá porque o pastor – agora seu amigo – o acolheu num momento de grande dor, quando havia perdido um ente querido. Já a mulher, mais gentil do que animada, disse que talvez levaria o pai na igreja do, agora, amigo dela (eles trocaram o zapzap enquanto conversavam). Afinal, ele (pai) e toda a família dela também são evangélicos, mas ela está sem ir à igreja há um tempo.  

Até aí, beleza! Eram duas pessoas da mesma religião (e não necessariamente com a mesma fé) conversando. Mas, de repente, novamente algo gritou aos meus ouvidos e aí, a jornalista deu lugar à cristã protestante (sim, eu creio em Cristo).

Explicando as vantagens de ela ir à igreja dele, o homem salientou: Você vai e pode panfletar na igreja e ganhar uns clientes; a pastora pode ser sua cliente. Aliás, eu e minha mulher precisamos panfletar, porque já faz um tempo que não fazemos isso. É muito bom.  

É verdade que, de em poucos segundos, ele também falou que na igreja “tinha muita Palavra” e até mostrou um livro sobre Apocalipse que estava na bolsa, o qual estava sendo estudado uma vez por semana.

Quem sou eu para julgar, afinal, “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mateus 7:1). Porém, em quase uma hora de conversa, esta foi – em minha opinião – a única referência feita por aquele homem sobre a real importância para aquela moça ir àquela igreja.

Isto me fez pensar (ali mesmo no busão) sobre a minha própria trajetória cristã, desde o dia em que decidi – para decepção dos meus pais, deixar de ser católica, para me tornar protestante. Em 16 anos de conversão ao Evangelho e por motivos diversos, passei (ou congreguei em) por 3 igrejas, mas visitei inúmeros templos – inclusive católicos, budistas, messiânicos, umbandistas, ortodoxos, islâmicos, judaicos entre outros. E, confesso, aprendi muito sobre fé (não sobre religião) em cada um deles.

Sei que por esta minha postura fui e sou considerada por muitos – inclusive, os chamados “irmãos na fé” – como uma pessoa que “não está firme com Deus”, porque é “rebelde”, “insubmissa à igreja e ao pastor”, “perturbada”, pois “não quer se envolver com a obra”, afinal, todo este tempo e “não assume nenhum cargo na igreja” e, ainda por cima, “se mistura com o povo do mundo”.

Porém, querido leitor, se você chegou até aqui e, como eu, já ouviu alguma das frases acima ou se sentiu rejeitado, apontado ou julgado por causa da sua fé (não da sua religião), eu queria encorajá-lo a não se abalar com isto.

Lembre-se que a fé é “a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” (Hebreus 11:1). Eu e você somos “o sal da terra; a luz do mundo” (Mateus 5:13,14), e nascemos para compartilhar este sabor e esta luminosidade com quem precisar, esteja onde estiver, seja dentro da igreja, no leito de um hospital, na balada ou seguindo um trio elétrico durante o carnaval. Afinal, neste mundo globalizado e cada vez mais individualista, na maioria das vezes, tudo o que as pessoas precisam é de alguém que lhes dê um abraço, um sorriso ou uma simples palavra de ânimo, de conforto e de esperança.

Tenho dentro de mim a firme convicção de que única e exclusivamente “pela graça de Deus, sou o que sou, e a graça que ele me deu não tem sido inútil” (1 Coríntios 15:10), porque o Deus no qual creio e busco seguir os ensinamentos, não é limitado em seu amor,  tampouco “tem preferência pelos grandes, e não tem mais consideração pelos ricos do que pelos pobres, porque são todos obras de suas mãos” (Jó 34:19). Ele me diz: “Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:44).

Por isto, nesta Páscoa – que para os cristãos representa a ressureição de Cristo, mas para os Judeus significa Libertação – eu te convido a fazer uma oração pela ressureição da esperança e do amor entre os homens, para que cesse a dor daqueles que sofrem seja por causa do rompimento da barragem em Mariana (MG), seja por causa das enchentes e mortes na Grande São Paulo, seja por causa dos atentados, fundamentalismo religioso e mortes na Bélgica, em Paris, na Síria ou na África, seja por causa do desemprego e da desesperança no futuro do Brasil. Não importa!

Use a sua fé e coloque em prática o mandamento que diz: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo. [afinal] Não há outro mandamento maior do que este” (Marcos 12:31)

Feliz Páscoa a todos!

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