Ética: por que o caráter é uma poderosa fonte de resultados?

Ética: por que o caráter é uma poderosa fonte de resultados?

Chama muito a atenção quando observamos falhas no atendimento em organizações que admiramos. Pode ser uma falha de qualidade do produto, atrasos na entrega, ou atitudes inadequadas de um colaborador. Altas expectativas levam a grandes decepções, mas como gestores acabamos questionando os por quês de tais falhas. Acreditamos que essas empresas tomam uma série de cuidados com a seleção da equipe, zelando por sua capacitação, remuneração e reconhecimento. Tudo devia sair perfeito!

O paradigma das organizações máquina, centralmente planejadas e baseadas em processos estritamente controlados, já não consegue mais dar conta da dinâmica das relações de trabalho. A velocidade das mudanças no mercado e o nível de incertezas exigem a tomada de decisão cada vez mais próxima do cliente. Os scripts decorados são insuficientes. Precisamos de pessoas não apenas empoderadas, mas autogerenciáveis.

Quando iniciei minha carreira em gestão de pessoas, usávamos uma metáfora da bola na piscina -  a supervisão era a mão que mantinha a bola submersa, tirada a pressão, a bola subia rapidamente à superfície. A meta era conseguir que as pessoas desejassem fazer a coisa certa. Esse objetivo continua atual, empresas inovadoras e arrojadas como a Google percebem que é impossível replicar os modelos da sede em todas as filiais espalhadas pelos quatro cantos do planeta e obter os mesmos resultados.

Isso porque levar equipes à alta performance está profundamente ligado a ajudar profissionais a vencer suas próprias limitações, instigá-los a encarar seus medos e controlar seus destemores. Desenvolvimento humano significa alcançar a aplicação máxima do seu potencial, realizar plenamente sua personalidade e alcançar a autorrealização. A jornada evolutiva é dura e exige esforço contínuo, determinado e disciplinado de autoconhecimento e aprimoramento.

Ao longo da história, inúmeros métodos foram propostos para auxiliar nesse percurso. As religiões, a filosofia e a psicologia propõe regras, sistemas de pensamento e rituais para a evolução humana. A alegoria do Anel de Giges abordado em A República, de Platão, transporta provocantes ideias escritas há quase 24 séculos para a nossa reflexão. Giges era um pastor e apoderou-se de um anel impressionante que o tornava invisível. Usando a invisibilidade ele seduziu a rainha, assassinou o rei e tomou o poder.

Platão provoca que a condição oferecida para a satisfação impune dos desejos poderia corromper igualmente justos e injustos. Roubar, matar ou estuprar não somente ficariam impunes, mas também não manchariam a reputação do malfeitor invisível. A noção é que somente escolheríamos a justiça por necessidade, caso contrário preferiríamos as benesses de atos indevidos. Seríamos, no mais íntimo de nossa existência, maus caráteres a espera da oportunidade para revelar a crueldade.

Aproximando ao tema do alto desempenho, nos deparamos com a impossibilidade de conceder autonomia e liberdade de ação. A preguiça, o desleixo e a falcatrua estariam sempre à espreita, prontos a arruinar os melhores esforços. A alternativa é vigiar cada ato de tal forma que o menor deslize seja repreendido exemplarmente, desmoralizando e destruindo a reputação se necessário.

O filósofo argumenta, no entanto, que aquele que abusa do poder do Anel de Giges torna-se escravo dos próprios apetites, enquanto quem escolhe não usá-lo permanece, além de racionalmente no controle de si mesmo, contente. A liberdade, frente aos desejos mais animais, é proposta como uma fonte de realização pessoal e as escolhas podem ser tomadas independentes do medo e baseadas no caráter.

O CARÁTER É UMA PODEROSA FONTE DA ALTA PERFORMANCE

Sem perder de vista a história do anel mágico, podemos definir caráter como o que fazemos quando não há ninguém olhando. O agir é dirigido pelo julgamento próprio e independente do que outros possam pensar. A justiça e a bondade surge da análise íntima e toma a forma de atitude.

Essa visão, quando puxada para as organizações contemporâneas, alerta que o preparo técnico, o treinamento de habilidades e o esmero estético devem estar colados às atitudes que darão equilíbrio ao sistema. Os valores éticos são o alicerce sobre o qual as equipes florescem e as pessoas encontram espaço para se desenvolver. 

Aí encontra-se também a motivação, aquele ponto de intersecção entre o desejo e a razão que oferece os motivos para agir. Cessa a necessidade de controle e nasce a autonomia, a possibilidade de guiar-se pelo próprio senso. Brota a satisfação de agir livremente, consciente de estar fazendo a coisa certa e bem-feita.

A maravilha disso está em poder abranger todos os tipos de tarefa, das mais simples às mais complexas, variados níveis de especialização, baixa ou alta formação e as diferentes áreas da organização. Mesmo as funções mais simples podem causar orgulho pelo trabalho feito com perfeição. Escapam somente as tarefas que não geram valor, desperdícios que devem ser imediatamente eliminados para não criarem uma ilusão de utilidade. 

Cuidado! Os valores e o propósito precisam ser cuidados como tesouros, além da clareza do que são, carecem de limites, pois caso sejam quebrados inconsequentemente, evaporam. As regras e limitações garantirão a manutenção e consolidação ao longo do tempo. Não se trata, apesar disso, de códigos ou documentos complexos porque são as atitudes e os hábitos que os fomentam e mantém. Basta ler os códigos de ética das organizações envolvidas nos escândalos de corrupção para compreender profundamente o que eu quero dizer. Aristóteles diz:

A virtude moral é uma consequência do hábito. Nós nos tornamos os que fazemos repetidamente. Ou seja: nós nos tornamos justos ao praticarmos atos justos, controlados ao praticarmos atos de autocontrole, corajosos ao praticarmos atos de bravura.


Times extraordinários são formados por pessoas comprometidas a dar o seu melhor, mas também em continuar se aprimorando, envolvidas em superar a si mesmas e colaborar para que seus pares consigam fazer o mesmo.A evolução pessoal manifesta-se na busca constante pela excelência dos processos e das oportunidades de inovação. 

O ego é domado para que não atrapalhe e, ao invés da perda de identidade, permite a florescência da personalidade em sua plenitude. A coragem para arriscar, a humildade para aprender com erros e os resultados compartilhados são a expressão do crescimento de cada indivíduo, da autorrealização, e traduz-se no sucesso coletivo.

Sua equipe tem clareza do propósito para o qual existe? Que valores são inegociáveis? Como colaboram com a autorrealização de cada integrante?

Bora arrebentar? 

 




 




 

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