10 Motivos para Limitar o Uso de Outorga nos Contratos de Concessão: Financiamento de Infraestrutura no Brasil - Parte 2.
Dando continuidade aos artigos sobre o financiamento de infraestrutura no Brasil, trato hoje de um tema extremamente relevante, que é o uso das outorgas nos contratos de concessão.
Outorga, para aqueles não familiarizados com o tema, é uma obrigação de pagar do concessionário ao Poder Concedente (União, Estados e Municípios) durante a vigência do contrato de concessão. Esta pode ser fixa ou variável, que pode ser paga de uma única vez ou ao longo do tempo.
Cada contrato tem uma regra, mas em geral, faz-se um mix: paga-se um valor imediatamente na assinatura do contrato e uma parcela fixa e/ou variável no tempo.
É comum ouvirmos entre as justificativas técnicas e políticas para as concessões de serviços de infraestrutura, que o governo "obterá uma receita relevante" em razão do pagamento de outorga pela empresa vencedora da licitação/leilão.
A ideologia e a justificativa política tem grande destaque nessa discussão, tornando o tema um verdadeiro tabu.
Assim, não basta a justificativa do fim: vamos concessionar infraestrutura para ter melhores rodovias, transportes, saneamento, energia e etc.
É preciso um plus para justificar a transferência ao setor privado: a concessionária ganha, mas o governo também - até mais do que o privado, se considerarmos o impacto dos impostos sobre as concessões de serviços públicos e os riscos assumidos em razão de suas obrigações contratuais.
Estamos diante, portanto, de uma forma de financiamento do governo.
Um escape do princípio universal de que a forma primária do governo obter recursos de seus cidadãos é via a cobrança de impostos.
Assim, vira e mexe, escutamos dos gestores públicos de que "a concessão da rodovia x vai gerar y milhões/bilhões para o governo" e que esse dinheiro vai ser utilizado para ampliar serviços ou pagar a dívida pública.
Recupera-se o dinheiro investido, amplia-se outros serviços públicos e/ou abate-se o valor arrecadado da dívida pública.
No discurso ótimo.
Na realidade, um tremendo limitador à provisão de infraestrutura no Brasil.
Esquece-se do fato de que, financiar infraestrutura é uma tarefa complicada e de elevado risco financeiro/bancário em qualquer lugar do mundo - especialmente depois da ampliação dos indicadores de regulação bancária promovida pelos acordos de Basileia 1, 2 e 3 e dos controles fiscais adotados mundo à fora na relação entre governos e bancos.
E que, ao adicionar a outorga, o governo torna algo de risco naturalmente elevado, em um desafio desproporcional, resultando em ineficiências gritantes para onde quer que se olhe e, portanto, em tarifas mais altas para o usuário da utilidade.
Por essa razão, o uso da outorga deve ser limitado e não estimulado.
A natureza desse tipo de financiamento do setor público o torna pouco eficiente tanto em termos fiscais, como econômicos ou sociais.
Cito aqui dez características/motivos relevantes para esse diagnóstico:
1) Seu financiamento é um problema de difícil equalização tanto para o concessionário, como para agentes financeiros (quem tem dúvida, pergunte a um banqueiro ou a um diretor financeiro de uma concessionária, o que a outorga representa para o seu risco de crédito);
2) Mesmo quando financiável, o desembolso ocupa parte relevante do balanço da empresa, ampliando a percepção de risco da concessionária e reduzindo sua capacidade de financiar a infraestrutura do projeto - que vale lembrar, é o principal objetivo da concessão. Além disso, é um crowding out de recursos do setor privado para o público, reduzindo a disponibilidade total de financiamento para o setor privado, inclusive para infraestrutura;
3) Seu custo de oportunidade, salvo em casos excepcionais (como no caso das concessões do Estado de São Paulo realizadas em 1998) é superior ao custo de financiamento da dívida pública brasileira e tende a permanecer assim nos próximos anos;
4) A incidência de impostos (PIS, COFINS, ISSQN, IRPJ e CSLL) sobre a tarifa (e portanto, sobre a outorga) amplia, ainda mais, o custo de oportunidade para a sociedade;
5) Como mencionado no início do artigo é uma forma indireta de obtenção de recursos pelo governo (indirect form of taxation), inclusive com vasta quantidade de publicações e estudos de caso sobre o tema para quem desejar se aprofundar um pouco mais sobre seu impacto;
6) É regressiva, na medida em que onera de forma focalizada usuários da infraestrutura por um custo que deveria ser universal (R$ 3,8 bilhões de reais de outorga financiados por 9 milhões de passageiros aéreos tem impacto muito maior sobre os usuários do serviço do que o seu financiamento por tributos ou por emissão de dívida pública. Uma pitada adicional: quatro empresas aéreas terão sua capacidade de repassar aumento de preços ao usuário limitada em razão do encargo adicional da outorga. Em alguns casos, o valor da tarifa paga pelo usuário é de até 25% do custo da passagem, o que demonstra a elevada sensibilidade da outorga neste setor);
7) Em razão de seu elevado impacto sobre a tarifa, exclui potenciais melhorias na prestação do serviço/provisão de infraestrutura (se o nível de tarifa é alto por causa da outorga, sua retirada abre, por exclusão, espaço no projeto para maiores investimentos ou redução da tarifa);
8) Transfere para o concessionário os riscos institucional, jurídico, regulatório e político da cobrança da tarifa necessária para financiar a outorga;
9) Na mesma linha reduz a percepção de valor dos serviços ao usuário, que obviamente, não relaciona a tarifa mais alta ao financiamento indireto do governo, mas sim a operação por uma empresa privada; e
10) Não se justifica mesmo em cenários de restrição fiscal, primeiramente pelos aspectos de custo de oportunidade já apontados. Segundo porque o financiamento de gasto primário com outorga é tecnicamente inapropriado. E terceiro, porque não está no financiamento aos investimentos o problema fiscal brasileiro, mas sim, no nível elevado dos gastos correntes que absorvem a capacidade de investimento dos entes federativos de uma forma geral. Criar uma fonte de receita corrente que limita ainda mais o investimento, é um contra-senso.
Nem menciono aqui, as operações fora do orçamento (off budget) estruturadas nos mais diversos governos para financiar outorgas: uso do BNDES, participação estatal, bancos públicos e etc.
Essas operações, no nosso entendimento, apenas ampliam as distorções da sistemática da outorga já que, em última instância, o governo terá que emitir dívida pública para capitalizar tais entidades, adicionando-se ao projeto os custos de transação da operacionalização dos desembolsos para que o setor privado financie o governo que lhe deu o crédito.
Faz-se tudo isso - crowding out, endividamento privado, bancos carregados de passivos que em última instância financiam o governo, tarifas mais caras, benefícios socioeconômicos menores, burocracia, sobreposição institucional e impacto elevado sobre agentes privados - para que, no final do dia, descubra-se que seis equivale à meia-duzia.
E que na verdade, o objetivo era o de apenas prover boa infraestrutura a um custo adequado.
O tema é relevante e por isso, peço o seu comentário, tanto aqui no Linkedin, como diretamente no meu e-mail (emerson@alvs.com.br). Se você quiser saber mais sobre a ALVS e nosso trabalho na área de estratégia, finanças públicas e concessões, entre em nosso site: www.alvs.com.br
Até mais!
Emerson Alves
Diretor, Aeroportuário RS/ SELT, Especialista em Regulação ANAC, DSc.
8 aÉ uma visão interessante. Contudo o próprio concessionário contribui para perpetuar esses erros ao bidarem valores astronômicos.
Testemunha no Apocalipse De Israel (desta geração), na Capital Tel Aviv
8 aMuito elucidativo. Parabéns!
C-Level Airport Professional with 25+ experience as CEO and COO of International Airports (Portugal, Macau, Brazil, Myanmar, and Albania). Intl Airport´s Consultant
8 aSimples, preciso e conciso! That´s it !