O papel das marcas transparentes onde as fake news são a nova verdade
Tivemos há algumas semanas a oportunidade de assistir a um espetáculo muito mais envolvente que qualquer final do Brasileirão ou do último capítulo de alguma serie do Netflix. Me refiro, é claro, à eleição que legitimou Joe Biden como o 46º presidente dos Estados Unidos, em uma acirrada disputa contra seu adversário Donald Trump, cujo resultado ficamos sabendo dias após o início da votação.
Independentemente do candidato de sua preferência, uma coisa é certa: mais uma vez, a população mundial foi obrigada a ler, ver ou ouvir notícias falsas a respeito da veracidade da apuração – inclusive, também tivemos insinuações de fraude vindas de candidatos à prefeitura de São Paulo –, uma situação tão estapafúrdia que nos faz questionar se realmente vivemos na era da informação.
Lembro quando meus cliques no navegador tornaram-se mais frequentes, no começo dos anos 2000, dias que a banda larga era praticamente inacessível e as páginas eram programadas em Flash. Tempos de nostalgia pura, quando a máxima era: “não acredite em tudo o que você lê na internet”. Quem diria que, quase 20 anos depois, essa máxima seria mais atual que nunca?
Hoje, quando fazemos uma pesquisa rápida no Google sobre as fake news, encontramos dados, no mínimo, assustadores. Segundo um estudo realizado pelo MIT, as notícias falsas se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras. E tem mais! De acordo com uma pesquisa realizada pela Kaspersky, 62% dos brasileiros não são capazes de reconhecer uma fake news – e, honestamente, cruzo os dedos para que esses dados não sejam falsos e que eu não tenha caído no conto do vigário.
Não vou me estender quanto a assuntos relacionados à desinformação e o uso equivocado de argumentos pseudo-científicos para sustentar ideias esdrúxulas como o terraplanismo e o movimento anti-vax, pois levaria dias. O fato é que precisamos de fatos, e tamanha indignação quanto ao cenário retrógrado em que a sociedade lida com a informação me fez estender em demasia, portanto, farei um salto em direção ao assunto que quero abordar: já que as instituições estão cada vez mais descreditadas, cabe às marcas a missão de trazer informação verdadeira e transparente à sociedade?
Esse assunto que trago não é nada novo, entretanto, volta como um lembrete de que há espaço para otimismo em tempos tão pessimistas. Parece até um pouco obvio, mas não é: as pessoas estão cansadas de serem enganadas, estão cansadas de se decepcionarem e estão cansadas de terem que desconfiar de cada palavra que ouvem. Dizem que em terra de cego, quem tem um olho é rei, será que em tempos de fake news, quem traz a verdade é Deus?
Peço que perdoem minha comparação um tanto blasfêmica, mas a analogia é válida e a resposta para ela é sim. A verdade é um oásis perdido nas areias de um deserto de mentiras, um diamante dentro de uma gruta de carvão. As pessoas se conectam com ela como se fosse um respiro de ar puro no meio da poluição, e é aí que mora uma das maiores oportunidades para marcas contemporâneas.
A transparência não é apenas um valor a ser escrito na parede de um escritório, é um atributo obrigatório para que marcas tornem-se um porto seguro para seus consumidores, principalmente em tempos de tanta desconfiança. Uma pesquisa realizada pela SproutSocial nos Estados Unidos revela que 85% dos entrevistados se mostraram propensos a darem uma segunda chance para marcas transparentes após uma experiência negativa, enquanto 89% admitem que continuarão comprando de uma marca que assumir seus erros. No entanto, o que preocupa é que apenas 15% dos entrevistados concordaram que as marcas, hoje em dia, são bastante transparentes, um número baixo se considerarmos o quão relevante a transparência é para o consumidor.
Assumir um posicionamento transparente e honesto é uma mudança de paradigmas, tanto do setor quanto do mindset humano. O empoderamento do consumidor é recente, a ideia que ele dispõe de informações em tempo real e cada vez mais opções de produtos e serviços ainda é nova, e as marcas que realmente conseguem ser transparentes em todas as esferas – com o consumidor, com o público interno, sobre seus processos etc. – são poucas.
Não há uma fórmula mágica para transparência, e as marcas bem sucedidas nesse aspecto são as que conseguiram aliá-la à sua forma autêntica de existir, como a Patagônia, por exemplo, dividindo sua cadeia de produção com o mundo e incentivando o consumo consciente; ou a Buffer, mostrando quanto ganham seus colaboradores; ou até mesmo a Zappos, literalmente abrindo as portas da empresa para o consumidor.
As marcas que conseguem ser transparentes, não apenas se destacam sobre as demais por falarem a verdade, elas se posicionam com instituições éticas e íntegras à disposição da população, essa mesma população que vive em constante desconfiança e à mercê da desinformação. As eleições americanas foram somente mais um capítulo dessa infeliz tendência, mas, sem dúvida, quem remar contra a maré em dias de tempestade – sejam marcas, instituições ou até mesmo pessoas – chegarão mais longe e mais fortes. Se a sua marca ainda não é verdadeira e aberta sobre ela mesma, chegou a hora de repensar sua relação com seus públicos. Ainda dá tempo!