#3 - O que é uma empresa?

Parece óbvia a pergunta, não é mesmo? Mas não é.

Pelas diversas empresas em que já trabalhei, antes de me arriscar no empreendedorismo e criar a minha própria empresa, pude perceber como a noção das pessoas sobre o que é uma empresa é distorcida e como é importante que isso seja posto como premissa fundamental da educação corporativa. Lembra da questão do interesse que falei no texto anterior? Pois é. Ele vai permear esse texto também, mesmo não como o tema central.

Na primeira empresa que trabalhei na vida, a maioria das pessoas tinham uma percepção de que a empresa era o dono. Na verdade, isso acontece muito em empresas de pequeno porte, onde a personalidade do dono acaba se sobrepondo muitas vezes ao propósito da existência da empresa. E com isso, surgem inúmeras distorções de papeis que, inevitavelmente, acabam comprometendo a ação. Eu me lembro vividamente de um chefe de departamento contábil que não conseguia ter autonomia para tomar as decisões mais cruciais para a sua área, porque tinha receio do que o dono ia dizer ou fazer. E como a empresa era toda concentrada em um andar, com divisórias baixas, o que se falava em uma área era ouvido pelo “chefe”, que estava sempre sentado ali com seu radar ligado. Hoje vejo que o comportamento daquelas pessoas era regido tanto pela necessidade quanto pelo medo. Esse modelo de liderança – liderança não, chefia – era o que não permitia que aquelas pessoas tivessem uma outra visão da empresa.

Em uma outra empresa que trabalhei, de grande porte, o comportamento das pessoas era completamente diferente. Tudo funcionava como uma hierarquia do “faço o que me mandam e está bom”. A falta de proatividade era gritante. Tudo funcionava assim: um gerente que repassava uma tarefa para um supervisor, que repassava para os analistas, que compartilhavam com os estagiários, no caso eu. As atividades ficavam compartimentadas e quanto mais baixa era a hierarquia, mais operacional era o trabalho. E o compromisso que estabeleciam era de fazer aquilo que estava no seu quadrado e o resto que se virasse com a sua parte. A noção de empresa ali era mais focada na obrigação versus remuneração, mas sem nenhuma conexão mais profunda com o ambiente e seu propósito. O interesse das pessoas ia até a satisfação primeira dessa relação entre entrega de um trabalho e o pagamento correto e em dia do seu salário.

Para parar de usar meus próprios exemplos, vou citar apenas mais uma empresa também de grande porte onde trabalhei. Nesta última, a relação das pessoas era de dependência. A maioria das pessoas depositava na empresa todas as expectativas que tinham e também toda a responsabilidade por seus êxitos e felicidade. Havia um alto grau de comprometimento, mesmo sem o correto direcionamento das carreiras ou mesmo investimento em capacitação e desenvolvimento profissional e pessoal. Como você já deve ter ouvido falar, eles tinham aquela empresa como uma “mãe”. E dela esperavam tudo. Desde o salário até a solução de todos os outros problemas. Se ocorria uma demissão, era como se uma bomba tivesse caído ali. Todos ficavam muito chocados e não conseguiam encarar aquilo com naturalidade porque entendiam que a vida do demitido estava arruinada. Era como se não houvesse outras oportunidades melhores no mundo. E olha que em termos de remuneração e benefícios, a empresa estava bem longe de um padrão ideal.

Esses diversos contextos que estou trazendo da minha própria experiência servem somente ao propósito de ilustrar como é grande o número de visões, impressões e percepções quando o assunto é empresa. O que muita gente ainda não percebe, mesmo estando inserido em empresas a vida toda, é que elas são ou devem ser um organismo vivo, composto de pessoas e movido por essas pessoas. Assim sendo, cada empresa deveria ser um espelho daqueles que a fazem existir. Você não concorda? Eu sei que é difícil, especialmente quando falamos em empresas transnacionais, com presença em muitos países, originárias de outras culturas. Tudo isso é argumento para se planificar uma cultura organizacional independente do país em que a empresa se insere e constrói novos negócios. Mas eu continuo achando que a empresa boa para se trabalhar não é aquela que responde a um questionário e obtém uma pontuação para ficar no topo do ranking e aparecer nas revistas especializadas com um título que muitos dos seus próprios empregados não endossam. A empresa ideal para se trabalhar é aquela que se pinta com as cores diversas das pessoas que a desenham.

Você já parou para se perguntar o que a sua empresa tem hoje que traduz pelo menos um pouco da sua essência e dos seus interesses? Você acredita nos valores que essa empresa vende para o mundo? Eles são reais?

Se você for em um congresso de RH ou educação corporativa, por exemplo, encontrará diversos cases famosos de empresas que atingiram indicadores fantásticos em horas de treinamento, resultados comerciais, redução de turnover e absenteísmo. Esses dados são importantes sim e são resultado de muito trabalho. Não duvido. Porém, onde estão as pessoas por trás desses dados? Por que não trazer depoimentos reais que possam dar credibilidade a esses dados?

Se eu digo que uma empresa é feita de sua gente, essa gente pode e deve falar da empresa. Não vejo um melhor cartão de visitas ou peça publicitária do que essa. O grande equívoco hoje é criar um arcabouço teórico e estatístico que fala pelas empresas em detrimento de falas autorizadas que poderiam ecoar muito mais longe. E com isso, a noção do que é uma empresa continua difusa e reproduzindo aqueles comportamentos que ilustrei anteriormente, principalmente porque a imagem que se passa é de que uma empresa é uma máquina fria, programada para produzir (produtos ou serviços) e gerar lucro. E onde fica a vida das pessoas na vida dessa máquina? Será que dar mais vida às pessoas dentro da empresa não resultaria em prolongar a vida da máquina?

Uma pessoa passa a maior parte da sua vida no trabalho, sendo a maioria dela em empresas. A partir do momento que a minha percepção da empresa é de um ambiente cheio de obrigações e com uma agenda rígida (horário de entrar e sair), eu estou enclausurado em uma vida engessada e fria. Parece que só há sentido e prazer na vida após o horário do expediente. Como encontrar felicidade e realização nessa conta?

Talvez por isso este texto esteja costurado pelas minhas impressões sobre a educação corporativa. A noção sobre a empresa precisa passar fundamentalmente pela sua condição de ser um ambiente de aprendizado constante. A partir do momento em que a empresa é também uma célula de conhecimento e compartilhamento, a noção das pessoas tende a mudar com o tempo. De uma máquina fria para um ambiente em que se tem prazer de trabalhar, construir relacionamentos, colaborar, compartilhar, crescer. Essas pontes entre o trabalho e as realizações dos indivíduos como seres de conhecimento e construção podem fazer com que o salário não seja mais o interesse central das pessoas em uma empresa.

E você? Já pensou sobre isso?

Ubirajara Neiva

E-LEAD+

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