76 mil milhões de comprimidos, Provocou, 70.000 Overdoses por Opióides nos EUA

A publicação de uma base de dados até agora secreta, e que a indústria queria manter assim, faz o mapa detalhado de uma epidemia que mata dezenas de milhares de americanos por ano LUÍS M. FARIA etenta e seis mil milhões de comprimidos de duas substâncias opióides, a oxicodona e a di-hidrocodeína, distribuídos só entre 2006 e 2012. É um dos números mais chocantes de um artigo publicado esta quarta-feira no diário norte-americano "The Washington Post".

O artigo baseia-se numa base de dados até agora secreta, conhecida por ARCOS (Automation of Reports and Consolidated Order System), mantida pela agência a quem compete lutar contra o tráfico e abuso de drogas nos Estados Unidos, a Drug Enforcement Administration (DEA). O "Post" e um grupo de media sediado em Charleston, West Virginia, precisaram de travar uma batalha judicial que durou um ano para conseguirem ter acesso à informação.

A oposição não vinha só da indústria mas, também, da DEA e do próprio Departamento de Justiça, que alegavam que tornar públicos os dados podia pôr em causa investigações em curso. No final, um juiz entendeu que o interesse público na divulgação se sobrepunha a esses argumentos.

A crise dos opióides nos Estados Unidos, que atingiu proporções catastróficas ao longo da última década e meia, foi em grande parte induzida pelo abuso de receitas dos medicamentos legais analgésicos conhecidos como opióides.

Milhões de pessoas que começam por tomar estes medicamentos para combater alguma dor, ainda que não crónica, acabam por ficar viciadas. Em muitos casos, SPENCER PLATT/GETTY IMAGES passam para drogas ilegais como a heroína. Mais recentemente, é um opióde sintético, o Fentanil, que está a assolar muitas comunidades. Um dos resultados de tudo isto foi o aumento acentuado do número de overdoses no país.

As mais de 70 mil registadas em 2017 representam um aumento para o dobro em relação a uma dúzia de anos antes. Nem todas, obviamente, são resultado do consumo excessivo de medicamentos legais, embora haja uma associação documentada entre estes e o uso de cocaína, por exemplo. Ao todo, entre 2006 e 2012, estima-se que umas cem mil overdoses tenham sido produzidas por medicamentos sujeitos a receita.

Um Gigantesco Processo em Cleveland.

Há muito que se fala nas responsabilidades dos fabricantes e distribuidores de medicamentos, e já existem processos contra eles em vários tribunais do país. Em 2018, o estado de Massachussetts processou a empresa que produz o OxyContin, tido como a droga que deu o pontapé de saída para a crise; na altura, falou-se de "traficantes de droga em fatos Armani".

Noutro processo, em Cleveland, Ohio, quase duas mil cidades e condados de todo o país acusam duas dezenas de empresas de terem tido consciência do que se estava a passar e mesmo assim terem continuado a promover e vender agressivamente os seus produtos, ignorando as consequências trágicas em nome do lucro.

Só faltava uma visão de conjunto daquilo que tem sido a atividade dessas empresas nos EUA. É isso que fornece a base de dados agora tornada pública. Registando minuciosamente a distribuição e venda de medicamentos em todo o país, ela permite apreciar não só as extraordinárias quantidades dessas substâncias que foram consumidas, como a própria distribuição geográfica delas, por exemplo.

Não surpreende, por exemplo, que muitas zonas rurais e economicamente deprimidas sejam locais privilegiados da crise dos opióides, para mais num país onde a ausência de um sistema de saúde de acesso universal leva muitas vezes a recorrer aos medicamentos como alternativa a tratamentos mais dispendiosos que os cidadãos não têm meios para custear.

O artigo contém outras informações que vão dar matéria para investigações subsequentes. Por exemplo, que apenas seis companhias - McKesson Corp, Walgreens, Cardinal Health, AmerisourceBergen, CVS e Walmart - distribuiram 75 por cento de todos os comprimidos vendidos, ou que apenas três fabricantes - SpecGx, Actavis Pharma e Par Pharmaceutical - produziram 88 por cento de todos os opióides. “SE A DEA SABIA, POR QUE NÃO ATUOU?”, PERGUNTAM OS DISTRIBUIDORES Para as empresas da área farmacêutica, tanto fabricantes como distribuidores, o artigo publicado nesta quarta-feira é uma má noticia, e várias foram rápidas a responder, descartando responsabilidades.

Um grupo representativo dos distribuidores, a Healthcare Distribution Alliance, emitiu uma declaração que sintetiza o essencial dos argumentos: "A ARCOS mostra que os distribuidores reportaram sempre à DEA as vendas de medicamentos opióides, juntamente com a quantidade da encomenda e a identidade da farmácia que as recebia. Os distribuidores só recentemente tiveram acesso a informações sobre a quantidade total de medicamentos opióides que uma farmácia específica recebia de todos os distribuidores".

"A DEA era a única entidade que tinha toda essa informação à mão e podia tê-la usado para monitorizar consistentemente o fornecimento de opióides e, quando apropriado, ser ativa a identificar os maus agentes", continua a declaração. "Ao contrário da DEA, os distribuidores não têm autoridade para impedir os médicos de passarem receitas, nem podem agir unilateralmente para retirar à farmácias a capacidade de distribuir medicação". Relacionados Como os analgésicos ilegais se tornaram aliados (e depois inimigos).

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